Na esteira da última publicação, na qual foi
abordada a questão da divisão da participação societária nas startups, se
torna importante trazer para discussão o Acordo de Sócios,
ferramenta importante para regular as relações entre os sócios e evitar futuros
conflitos.
Como explicado anteriormente, o Acordo de Sócios é
um contrato parassocial, ou seja, somente para alguns sócios.
Diferente do Contrato Social, o acordo de
sócios é uma ferramenta pela qual os sócios podem acordar diversas questões
societárias entre si, estabelecendo previamente soluções para diversas
hipóteses de conflitos e situações que podem acontecer ao longo do
desenvolvimento da atividade empresarial.
Contudo, se já há a obrigatoriedade de formalização
de Contrato Social (Sociedade Limitada ou Sociedade Anônima, por
exemplo), por que fazer um Acordo de Sócios?
Diferentemente do Contrato/Estatuto Social, o
Acordo de Sócios não precisa ser arquivado na Junta Comercial, mas apenas na
sede da sociedade, não sendo, assim, um instrumento público.
Por ter um caráter privado, vai privilegiar a
autonomia de vontade das partes podendo estabelecer diversos critérios
específicos para situações de controle da sociedade, votos, alienação de
participação societária, concorrência, etc.
Como seria impossível descrever todas as
possibilidades de abordagem de um Acordo de Sócios, vamos trazer
algumas cláusulas as quais você empreendedor deve estar atento.
Continue a leitura logo abaixo para saber quais
são.
1 - Drag Along / Tag Along
Drag Along
é uma
cláusula que determina que os sócios minoritários têm a obrigação de vender
suas participações no capital social caso o sócio majoritário
decida vender sua participação e o novo investidor não queira ter a
empresa com parte das quotas/ações diluída entre vários sócios minoritários.
Geralmente, essa venda deve ser feita sob o mesmo
preço e as mesmas condições do sócio majoritário."Drag", nesse caso, vem
de "arrastar": o majoritário leva consigo os minoritários, em uma negociação.
Então, se você for um acionista minoritário e
assinar essa cláusula, você não terá opção, a não ser vender sua empresa, caso
seu sócio majoritário assim o deseje.
Agora, se você for o acionista majoritário,
garantirá a possibilidade de vender o negócio, mesmo que esse não seja o desejo
dos demais sócios.
Esse mecanismo é extremamente importante para
o empreendedor que se mantiver no controle. Isso porque, na maioria dos
casos, um potencial comprador quer garantir a compra não só do controle, mas da
empresa como um todo.
Nesse caso, garantir que os sócios minoritários não
irão atrapalhar a transação é fundamental para que sua negociação seja bem
sucedida.
É muito importante deixar claro que dado que essa
cláusula prevê uma obrigação, ela deve ter as condições claras sob as quais
o drag along vai acontecer. Geralmente se estipula um
valuation mínimo como referência para configurar a obrigação do minoritário
vender para que ele não saia prejudicado.
Já o Tag Along visa assegurar ao
sócio minoritário o direito de negociar a venda das suas quotas/ações nas mesmas
condições de um eventual negócio realizado entre outra empresa/investidor e
o(s) sócio(s) majoritário(s).
Por isso tem esse nome: "tag", em inglês,
significa algo como "se pendurar" - neste caso, no sócio majoritário.
Ou seja, imagine agora que um fundo detém 51% do
capital social da sua empresa, você 30% e outros sócios minoritários 19%. Se o
fundo negociar uma troca de controle com outro grupo investidor, bastaria que
esse grupo comprasse a participação de 51% do fundo.
Com o Tag Along, o grupo interessado
obrigatoriamente deverá fazer uma proposta de aquisição da participação dos
minoritários no mesmo valor oferecido ao fundo ou a um valor muito parecido.
Assim, todos os sócios a opção de vender suas participações para o grupo em
condições parecidas.
2 - Direito de Preferência
A diluição da participação societária, um dos
principais pontos de conflito ente sócios, pode causar uma série de problemas,
dentre eles:
·
Diminuição da importância do sócio na administração
da sociedade: como a diluição, em regra, acarreta diminuição percentual do
capital titularizado por cada sócio e o voto nas deliberações societárias é
usualmente computado nesta mesma base, ou seja, pela participação no capital
social detido por cada sócio, é consequência lógica que a diluição acarrete a
perda de importância do sócio na gestão do empreendimento, dada a redução do
"peso" de seu voto para o total;
·
Redução percentual da distribuição de lucros e
dividendos: o resultado positivo da atividade societária também é, em regra,
distribuído conforme o percentual do capital social de cada sócio. Assim, a
diluição acarreta uma menor participação deste(s) no retorno econômico do
negócio;
·
Desvalorização da participação societária: no caso
de diluição que se opere pelo decréscimo do valor patrimonial das quotas/ações,
o sócio poderá sofrer uma desvalorização em seu investimento inicial, em se
considerando a avaliação contábil do patrimônio líquido da sociedade.
Visando disciplinar essa questão, você,
empreendedor, pode se deparar com duas cláusulas: Direito de Preferência e Full
Ratchet (ou Anti Diluição). O direito de preferência é o
principal mecanismo de proteção dos sócios contra a diluição de sua
participação no capital social.
Uma boa cláusula deve estabelecer o dever
do sócio que intenciona vender as suas quotas/ações, de notificar aos
demais sócios, que possuem o direito de comprá-las, em igualdade de condições.
Para tanto, impõe-se que o vendedor obtenha uma
oferta firme e de boa-fé de um pretendente, para que o vendedor comunique
formalmente aos demais sócios a sua intenção de vender as quotas/ações,
indicando a sua quantidade, preço e demais condições do negócio, seguido da
indicação do nome do pretendente.
O Acordo de Sócios deverá ainda
definir a forma de comunicação da intenção de venda aos demais sócios, além de
indicar as formas para o seu exercício.
Também é recomendável que o Acordo de Sócios
estabeleça um prazo máximo para o exercício do direito de preferência pelos sócios,
sendo que, caso os mesmos não exerçam a preferência, deve-se estipular um prazo
limite para a concretização da transferência das quotas/ações entre o vendedor
e terceiro interessado.
O direito de preferência instituído em Acordo de
Sócios vincula as quotas/ações inseridas no seu objeto, sendo possível a
estipulação de tal pacto entre grupos de sócios de uma mesma companhia,
exigindo a oferta prévia das quotas/ações a sócios integrantes do mesmo grupo
em detrimento de outros.
Tal disposição é geralmente utilizada de forma a
garantir a estabilidade societária de uma sociedade, não permitindo que um
determinado sócio obtenha uma quantidade de quotas/ações que lhe permita obter
o controle da sociedade que antes não detinha sem conferir a possibilidade aos
demais acionistas de manter a dispersão acionária previamente existente.
É livre também às partes estabelecer as hipóteses
em que a preferência não será aplicável, como, por exemplo, no caso de
transferência entre empresas de um mesmo grupo econômico decorrente de uma
reestruturação societária.
3 - Full
Ratchet Clause (Anti Diluição)
Na mesma linha, o Full Ratchet é
mais um mecanismo de proteção anti-diluição, que impede que o investidor tenha
sua importância na empresa reduzida devido a aumentos no capital investido no
negócio.
Por ser um pouco mais complexo, vamos explicá-lo
com um exemplo prático:
Se uma sociedade anônima possui um capital social
de R$ 100.000,00, dividido em 100.000 ações, e seu patrimônio líquido é de
200.000,00, então suas ações têm o valor patrimonial de R$ 2,00. Imaginemos que
a sociedade decida aumentar seu capital social, emitindo 50.000 novas ações ao
preço de emissão de R$ 1,00 cada, totalizando uma emissão de R$ 50.000,00.
Nesse caso, o patrimônio líquido (PL) da sociedade passará a ser de R$
250.000,00, dividido em 150.000 ações. Isso resultará num valor patrimonial
(VP) de cada ação (VP = PL /nº de ações) de R$ 1,66.. (R$ 1,67, em valores
arredondados), ocorrendo diluição do valor patrimonial das ações já existentes.
O direito de preferência não oferece proteção nos
casos em que a diluição ocorre pela diminuição do valor patrimonial das
quotas/ações.
Mesmo que exercida a preferência pelo sócio na
aquisição de parcela proporcional do aumento do capital social, de modo a
manter intacto seu percentual de participação, o valor patrimonial de sua
quota/ação terá um decréscimo derivado da emissão por preço inferior àquele
montante.
Assim, o investidor, visando não ter sua
participação diluída na forma acima, pode exigir a inclusão da cláusula Full
Ratchet, que poderá, por exemplo, garantir o direito de converter as suas ações
que tinham um valor patrimonial de R$ 2,00, para R$ 1,00 (utilizando o exemplo
inicial), dobrando a quantidade da ações detidas para compensar a diluição do
valor patrimonial.
4 - Lock Up / Standstill Period
O Lock Up é uma cláusula que
visa prevenir que os fundadores de uma startup, por exemplo, vendam sua
participação por um determinado período de tempo, dando maior segurança ao
investidor.
O objetivo dos investidores é que os sócios
fundadores pemaneçam na sociedade porque eles são quem realmente "conhecem" a
startup, sendo mais aptos a desenvolver as inovações necessárias para fazê-la
crescer.
A cláusula de Lock Up serve,
assim, para vetar a transferência de parte ou da totalidade das quotas/ações de
sócio para terceiros. A forma mais comum de Lock Up período é
de 3-5 anos.
Recomenda-se que esta cláusula seja ligada a uma
pena para o sócio que descumpri-la, podendo ser uma sanção pecuniária ou uma
opção de compra em favor dos sócios adimplentes.
Também é comum se estabelecer uma aquisição gradual
de quotas/ações (como no Vesting) no âmbito de um plano de stock
options, vinculadas à cláusula lock up.
Assim, os sócios têm o direito de exercer a opção
de compra de quotas/ações, desde que cumpram os objetivos de acordados, mas não
podem vendê-las até determinado período, ao abrigo da cláusula de lock-up.
É importante diferenciar a permanência de sócios
como trabalhadores na Startup, da condição de sócio no sentido estrito (apenas
detendo participação no capital social).
Recomenda-se que os investidores incluam e
diferenciem no Acordo de Sócios ambas as obrigações quando
tratarem da cláusula de lock-up.
Nessa mesma linha está a cláusula do Standstill
Period, a qual estabelece que o sócio controlador não poderá
reduzir por determinado período de tempo a sua participação acionária
abaixo de um certo limite.
5 - Put Option / Call Option
Put Option / Call Option
tem por objetivo disciplinar que, em determinadas circunstâncias,
uma das partes tem o direito de vender sua participação a outra parte (Put
Option) ou comprar a participação da outra parte (Call Option).
Trata-se normalmente de uma cláusula de saída ou
desfazimento do negócio. Isto é, mediante o estabelecimento desta opção, uma
das partes tem o direito de vender sua participação ou comprar a participação
da outra, geralmente por um preço predeterminado, caso ocorra determinada condição
prevista no contrato.
Imagine-se, por exemplo, que duas pessoas resolvem
fazer uma startup na qual uma será a sócia investidora, aportando 49% do
capital necessário, e a outra administrará a operação.
Para o sócio investidor, a startup só faz sentido se
ele puder gerar lucro, para o operador além do lucro há outros incentivos
envolvidos, como, digamos, posicionamento no mercado, sinergia em outros
negócios ou mesmo divergência na visão de longo prazo do empreendimento.
Nesta hipótese poderiam as partes acordar a Put
Option, na qual o investidor teria o direito de sair do negócio, vendendo
sua participação ao operador por um preço (ou fórmula de cálculo) predefinido,
caso o negócio não gere lucro a partir do segundo ano.
Na mesma linha, poderiam as partes acordar
uma Call Option, na qual o operador teria o direito de comprar a
participação do investidor por um preço (ou fórmula de cálculo) predefinido,
caso ocorra algum desentendimento entre ambos sobre o rumo do negócio.
Note-se que a validade deste tipo de disposição
exige que se especifiquem as condições em que a opção de venda e/ou compra pode
ser exercida que, em geral, são as seguintes
·
As circunstâncias sob a qual a opção poderá ser
exercida;
·
O seu prazo de validade;
·
O valor da compra e venda ou, ao menos, os
elementos que comporão o preço.
6 - Shot Gun
O Shot Gun é uma cláusula de
compra e venda obrigatória, que está se tornando muito popular. Ela prevê a
solução de conflitos entre sócios por meio de um mecanismo de saída: a compra
obrigatória.
Assim, ao ocorrer uma situação de conflito
insuperável, o sócio pode notificar (sócio notificante) o outro sócio (sócio
notificado), manifestando sua intenção de exercer o direito de exigir do sócio
notificado a venda compulsória da totalidade das quotas/ações de sua
propriedade.
Após determinado prazo, o sócio notificado deverá
optar entre vender a totalidade de suas quotas/ações nas condições propostas
pelo sócio notificante ou então, comprar a totalidade das quotas/ações do sócio
notificante pelas mesmas condições por ele ofertadas, muito notadamente o preço
estabelecido por quotas/ação, ficando este obrigado a vender suas quotas/ações
ao acionista notificado.
Ressaltamos que essas são orientações gerais, devendo
sempre ser consultado um profissional apto a analisar seu negócio e
apontar as melhores alternativas contratuais.
Nota M&M: Embora não haja exigência legal de que o acordo de sócios seja
arquivado na Junta Comercial ou outro órgão, destaca-se que se o referido
acordo for arquivado somente na sede da empresa, o mesmo só gerará efeitos
perante as partes e não perante terceiros. Neste sentido, sugere-se o
arquivamento do acordo de sócios na Junta Comercial para que amplie a validade
do documento, especialmente junto à terceiros.
Fonte: Heitor Maia/parceirolegal.fcmlaw.com.br