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O Medo e a Marca


Publicada em 18/10/2018 às 09:00h 

Como diz, com rara sabedoria, o consultor francês Chetoniche, o grande capital das empresas no século XXI será a "marca". "Marca", como o próprio nome diz é a imagem "impressa", "marcada" na cabeça de um consumidor sobre tal e qual produto ou serviço. Hoje a grande discussão é: quanto vale uma marca?

O valor de uma marca é medido pelo quanto essa marca é capaz de sustentar o preço de um produto ou serviço frente a uma marca concorrente. Ou seja, quanto o consumidor está disposto a pagar "a mais" para adquirir aquela "marca". Estudos nesse sentido são feitos comparando-se marcas diferentes em produtos similares. Por exemplo: tomamos um refrigerante, por exemplo. Coca-Cola vs. Tubaína. Quando o preço dos dois é R$1,00 por exemplo, quase 100% dos pesquisados preferem Coca-Cola. Colocando-se a Coca-Cola a R$1,00 e a Tubaína a R$0,80, vemos que quase 75% ainda prefere Coca-Cola. Colocando a Tubaína a R$0,50 e a Coca-Cola a R$1,00 vemos que a migração para a Tubaína passa a ser de mais de 60%. Assim, a "marca" Coca-Cola "sustenta" um preço até esse patamar. É o quanto vale a marca, nesse exemplo.

Por que isso ocorre?

Por que uma pessoa opta por uma marca e não por outra?

A resposta é "Medo!"

Você compra uma marca de televisor e não outra porque você tem "medo" que a outra não tenha a qualidade da primeira, ou não ofereça a assistência técnica ou que seja mais frágil, ou qualquer outro "medo". Você compra um iogurte de uma marca e não de outra porque você tem "medo" que a outra não tenha a qualidade higiênica da primeira ou qualquer outro "medo". Você compra uma marca de aspirador de pó e não outra porque tem "medo" que a outra marca seja mais frágil, não tenha uma rede disponível de assistência técnica, etc. Você vai num restaurante e não em outro porque tem "medo" que a refeição do outro seja de pior qualidade, mais cara, ou qualquer outro "medo".

E aqui vale até o "status". Você usa uma griffe de roupa e não outra porque tem "medo" que achem você "pobre" ou "cafona" se usar tal roupa sem griffe, etc. Da mesma forma um relógio. Você usa um relógio de tal marca porque tem "medo" que pensem que você é um desatualizado ou fora de moda por não usar marcas famosas no pulso.

Sempre há um "medo" por trás da decisão por uma marca!

O que isso quer nos dizer? O que isso quer dizer à empresa, aos departamentos de marketing, vendas, propaganda, promoção?

A primeira coisa que uma empresa tem que fazer é uma análise profunda e séria dos possíveis "medos" que seus clientes ou "prospects"podem ter com relação à sua marca ou à sua empresa. Por que os clientes poderiam optar por marcas concorrentes? Quais os "medos" que sua marca deixa na cabeça de um cliente? Esse exercício é fundamental e deve ser baseado em alguma pesquisa qualitativa, mesmo que seja a mais informal possível.

De posse desses possíveis "medos" a pergunta é: O que podemos fazer para tirar esses "medos" da cabeça de nossos clientes ou "prospects"? Que ações concretas deveremos desenvolver para tirar esses "medos"? Quais estratégias globais usaremos? Como envolveremos desde o marketing até recursos humanos nessa estratégia?

O estudo e a análise dos "medos" com relação à nossa marca é dos mais produtivos para uma empresa. E esse estudo poderá trazer muitas luzes para que compreendamos a nossa empresa e a visão que o mercado tem dela e de seus produtos ou serviços.

Muitos hotéis estão vazios porque seus prováveis clientes têm um conjunto injustificável de "medos" com relação a ele: "É muito caro!"(sem saber o preço). "Para se hospedar lá é preciso ter roupas finas...", etc. etc.

O mesmo ocorre com restaurantes, bares, hospitais, clínicas, clubes, cuja "fama" pode construir um conjunto de medos que não condizem com a realidade dos fatos, preços, etc.

Numa pesquisa que fizemos sobre marcas de automóvel, constatamos os mais incríveis "medos" entre possíveis clientes. "- Esse carro quebra muito!" "A assistência técnica é um roubo". "As peças são as mais caras que existem!". "A pintura enferruja no primeiro ano." E todas as constatações de "medo" que verificamos quando foram "checadas" com a realidade, com especialistas no setor, comprovaram ser falsas. Algumas afirmações de "medo" foram tidas até como "absurdas" por especialistas porque a realidade era exatamente a oposta ao "medo" revelado na pesquisa. Muitas vezes algum fato isolado no passado pode "marcar uma marca" para toda a vida infundindo na cabeça do cliente um "medo" quase impossível de ser retirado.

Daí a importância da comunicação correta e dirigida para os "medos". Fico imaginando como é possível fazer-se uma campanha publicitária ou comunicação qualquer com o mercado sem um sério estudo dos "medos" em relação à nossa marca e à nossa empresa. Parece-me jogar dinheiro fora!

E uma das formas de combater o "medo" é justamente reforçar o "não-medo" numa marca ou produto ou seja reforçar o oposto do medo no sentido positivo. Assim, mostrar que meu produto é robusto e forte pode ser usado para combater o "medo" da fragilidade ou de uma assistência técnica precária que eu possa realmente ter.

As minorias estão hoje sendo um componente importante do mercado. Essas minorias são as maiores vítimas de "medos" que as tornam "excluídas" e que re-alimentam o medo. Assim, negros têm "medo" de ir a um restaurante mais fino e serem discriminados. Homossexuais têm "medo" de ir a um bar e igualmente serem discriminados. O mesmo ocorre em hotéis, etc.

Vejo o mesmo ocorrer com casais que têm filhos pequenos. Têm "medo" de ir a determinados lugares porque crêem que seus filhos não serão aceitos. Isso ocorre muito em alguns hotéis que até possuem esquemas ótimos para receber crianças mas passam a imagem e o "medo" de que crianças não são bem-vindas.

Numa pesquisa que fizemos sobre hotéis, verificamos que muitas famílias têm "medo" de alguns hotéis porque dizem que eles "vivem cheios de convenção de vendedores." Quando consultamos esses hotéis verificamos que a realidade não é bem essa. Quando voltamos aos nossos pesquisados vimos que essas pessoas tiveram uma experiência negativa com convenções alguma vez no passado ou "ouviram dizer" que tal ou qual hotel é "só para convenções". Enquanto isso o hotel está desesperado para atrair famílias nos finais de semana.... Como tirar esse "medo"? Que tipo de comunicação o hotel tem que fazer?

O mesmo ocorre com supermercados, por exemplo. Numa pesquisa que fizemos verificamos que as pessoas escolhem um determinado supermercado porque acreditam que ele seja realmente mais barato ou que tenha maior variedade. Quando colocamos outros supermercados para opção, nossos pesquisados demonstraram "medos" não comprovados com relação aos demais, como por exemplo:"A seção de frios deles é muito pobre." - "Eles só compram produtos de segunda linha...". Quase todos os "medos" quando checados com a realidade se mostraram inconsistentes.

Da mesma forma é a escolha da escola particular para os filhos. Analisem os "medos" que formam a escolha de uma escola em detrimento de outra e ficarão absolutamente surpresos! Cada "marca" de escola traz um "medo" embutido. "A mensalidade não é tão cara, mas em seguida eles vêm com mil pedidos...". disse uma mãe que pesquisamos sobre determinada escola. Quando verificamos a realidade, nos últimos três anos, nenhum pedido adicional à mensalidade havia sido feito por aquela escola aos pais. Achamos que era uma opinião isolada. Pesquisamos mais de 50 mães e todas confirmaram "medos" semelhantes sobre a mesma escola! Da mesma forma verificamos o "medo" explicitado pela frase: "Eles 'puxam' tanto os alunos que deixam a criança com complexo e até louca!" E assim, os medos se repetem e se multiplicam. Como tirar esses "medos" da cabeça de nossos clientes ou prospects?

Eis aí um bom desafio para as empresas que quiserem sobreviver e vencer no Século XXI.

Por Luiz Marins.






Sobre o(a) colunista:



Autor: Luiz Marins - Antropólogo. Estudou Antropologia na Austrália (Macquarie University) sob a orientação do renomado Prof. Dr. Chandra Jayawardena (Sri Lanka) e na Universidade de São Paulo (USP) sob a orientação da Profa.Dra. Thekla Hartamann, autor de mais de 13 livros.
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