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Dano punitivo e as indenizações irrisórias nas relações de consumo


Publicada em 26/10/2018 às 09:00h 

A finalidade do instituto da responsabilidade civil pelos atos ilícitos é restabelecer a situação do lesado ao estado anterior ao da ofensa. A indenização visa tornar indemne o patrimônio lesado. Nesse diapasão, aplica-se o princípio do ressarcimento integral e proporcional dos danos, sob pena, de um lado, de propiciar o enriquecimento sem causa do indenizado e, de outro, deixar de punir adequadamente o ofensor, perpetuando a sensação de injustiça e estimulando a repetição de ofensas semelhantes.

Em relação aos danos patrimoniais, o arbitramento da indenização é muito mais fácil, porque cabe ao consumidor fazer a prova do seu efetivo prejuízo, devendo o montante indenizatório corresponder às perdas patrimoniais efetivas, compostas pelos danos emergentes, prejuízos suportados, e lucros cessantes, aquilo que o consumidor deixou de ganhar. Justamente por isso, fala-se em restabelecer a situação ao "status quo". O mesmo não ocorre em relação aos danos morais, que são imensuráveis por excelência, cabendo ao juiz determinar a sua adequada e proporcional compensação, para propiciar certo conforto ao lesado, que nunca levará o retorno da situação ao seu estado original.

A compensação do dano moral, inegavelmente, depende de certo grau de subjetivismo do intérprete e é justamente isso o que vem gerando uma série de problemas, com a fixação de valores que, por vezes, causam a ruína econômica do ofensor e que, em outras oportunidades, servem de estímulo a fornecedores renitentes, que teimam em maltratar os consumidores e em desrespeitar a legislação de consumo, como se ela sequer existisse.

Diversas decisões judiciais, a nosso ver, estimulam o descaso que atualmente vivenciamos em relação aos consumidores. A própria morosidade da tramitação processual conspira para isso, na medida em que os fornecedores sabem, desde logo, que, se deixarem de atender a pleitos legítimos dos consumidores, só sofrerão as consequências disso anos após. Sem falar que, nesse ínterim da tramitação processual, poderão sugerir acordos ruins, que, muitas vezes, são aceitos a contragosto, para evitar aborrecimentos maiores. Nas situações em que o consumidor resiste aos acordos ruins oferecidos, acabam sendo fixadas compensações irrisórias que, além de não servirem para confortar o lesado, estimulam a continuidade do comportamento ilícito dos fornecedores.

Isso certamente explica o fato de empresas de telefonia e bancos liderarem, há anos, os cadastros de reclamações fundamentadas dos órgãos de defesa do consumidor. Não obstante o esforço hercúleo dos órgãos de fiscalização, o número das reclamações fundamentadas aumenta ano após ano, sendo que empresas renitentes ainda rechaçam quaisquer tentativas de definir metas para a sua redução.

Pretende-se evitar uma suposta indústria de indenizações e, na busca desse objetivo, são punidos aqueles consumidores que são verdadeiros heróis porque, mesmo diante de todos os riscos e custos das demandas judiciais, ingressam em juízo para buscar seus direitos legítimos, que deveriam ter sido respeitados voluntariamente pelos fornecedores.

Bancos cobram taxas e adotam práticas vedadas pelo Banco Central. Empresas de telefonia prestam serviços ineficientes e não seguem as determinações da ANATEL. Planos de saúde demoram para agendar, ou simplesmente negam, pleitos legítimos de consumidores, contrariando as regras da ANS. Mesmo sofrendo tudo isso, em virtude da sua vulnerabilidade, é o consumidor quem tem que contratar e pagar advogado para forçar o fornecedor a cumprir aquilo a que está obrigado,em virtude da lei, do contrato ou por determinação governamental.

Após a demora e os percalços próprios dos processos judiciais, existem juízes que ainda punem esses consumidores heróis como forma de desestimular, ainda mais, o recurso ao Judiciário. Fazem isso fixando indenizações que não servem sequer para arcar com os honorários advocatícios contratuais.Criam com isso um círculo vicioso, porque estimulam os fornecedores a continuarem com suas práticas abusivas, lesando mais consumidores e provocando mais ações judiciais individuais. O aumento das reclamações e das demandas individuais é prova disso.

O raciocínio reverso é que, a longo prazo, desestimulará as práticas abusivas e, consequentemente, as demandas judiciais. A fixação das compensações pelos danos extrapatrimoniais deve não só confortar os ofendidos, mas também punir os ofensores, como forma de evitar comportamentos nocivos.

Fornecedor renitente, que prejudica a sociedade disseminando conflitos de interesses e levando à propositura de inúmeras ações individuais, merece ser exemplarmente punido, ainda que aquele compensado individualmente acabe experimentando conforto superior ao dano. Isso não pode ser tido com enriquecimento sem causa, porque o caráter punitivo da compensação não pode ter natureza meramente reflexa, diante do alto número de reclamações e processos gerados sempre pelas mesmas empresas de um dado setor. O estágio atual do mercado de consumo determina essa mudança de comportamento do Judiciário.

As penalidades administrativas impostas pelos órgãos de defesa do consumidor, infelizmente, não vêm surtindo efeito, porque acabam sendo propostas ações para discutí-las que, quando não demoram anos, anulam as sanções aplicadas por vícios formais. Diante da ineficácia das sanções administrativas e das ações individuais para resolver o quadro, que sejam propostas ações coletivas de responsabilização contra os fornecedores pelos danos extrapatrimoniais difusos, que acarretam a toda a sociedade. Empresas que maltratam consumidores prejudicam a todos causando instabilidade social.

Na reforma do CDC que se avizinha, uma das sugestões para melhorar a situação é exigir que os fornecedores tenham que prestar caução quando da propositura de ações judiciais anulatórias de sanções administrativas, que só poderá ser dispensada pelo juiz no caso concreto. Se isso ocorrer, talvez os fornecedores passem a sentir mais rápido as penalidades no bolso e, dessa forma, mudem seu comportamento.

Enquanto a reforma legislativa não vem, cabe ao Judiciário fazer o seu papel de maneira mais eficiente, arbitrando compensações punitivas para aquelas empresas que teimam em maltratar os consumidores, tanto em sede de ações individuais como em sede de ações coletivas. Somente a partir daí algo vai mudar.

Por: Arthur Rollo






Sobre o(a) colunista:



Arthur Rollo é advogado, mestre e doutorado em Direitos Difusos pela PUC/SP.



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