"Aos 20 reinará a vontade; aos 30, a sagacidade; aos 40, o bom
senso."
(Benjamin Franklin)
A vida tem
me tratado bem. Não que tenha sido ou que esteja sendo fácil. Mas fazendo
apologia à teoria da relatividade, tudo é uma questão de referencial.
Tive uma saúde debilitada já na mais tenra idade. Lembro-me com exatidão das
longas jornadas empreendidas por minha mãe, eu de mãos dadas a ela, saltando de
um ônibus para outro, em direção a um hospital público para tratamento de uma
febre reumática. A posologia prescrevia penicilina benzatina, além de
corticóides para amenizar as incômodas dores incidentes nas articulações. As
injeções eram doloridíssimas. E aplicadas com uma frequência incomum - dias
alternados no início do tratamento até a periodicidade mensal.
Como se não bastasse, também fui premiado com as mais diversas manifestações
alérgicas. É mais fácil eu sucumbir a partir de um comprimido contendo dipirona
do que diante de uma guilhotina!
Do reumatismo herdei um sopro cardíaco, sequela comum à enfermidade. Da
alergia, uma pretensa fragilidade nas vias respiratórias. Porém, não houve
espaço para tais manifestações. Entreguei-me ao esporte, praticando as mais
diversas atividades, de basquetebol a artes marciais, passando por natação,
canoagem, iatismo e até paraquedismo. Hoje, dedico-me à esgrima e ao surfe. O
primeiro para competir e satisfazer uma necessidade tenaz de colocar-me à
prova. O segundo para simplesmente não ter que competir contra ninguém - nem eu
mesmo. Que o mar faça sua vontade.
Minha família constituiu-se grande e restrita ao mesmo tempo. Grande, porque
formada por mais quatro irmãs. Restrita, porque não se estendia aos primos,
tios e mesmo avós. Admiro quem teve ou tem a presença onisciente das "nonas" e
a casa sempre cheia aos domingos. Todavia, os fatos de meu pai não estar em
casa para assistir ao telejornal anterior à novela e não compartilharmos juntos
das refeições à mesa, não foram suficientes para nos tornar menos unidos ou
para arrefecer o amor que ainda hoje nos envolve, mesmo após a partida de minha
mãe.
De filho a pai, de amigo a amante, de namorado a esposo - e, depois, ex-marido
- os relacionamentos pessoais foram cada qual lapidando minha personalidade,
cunhando meu caráter, marcando minha alma. Do êxtase do beijo à amargura da
separação, todos foram significativos. Um sentimento destilou-me o prazer. O
outro, o aprendizado. O amadurecimento ensina que não vale a pena ofender,
embora você o faça; doutrina que assim como o corpo se acostuma à dor, o
coração assimila o rompimento quando percebe que a pior solidão é aquela que se
sente acompanhado.
Entre conhecidos e colegas, veio o legado de alguns bons amigos. Muitos
perderam-se no tempo, mas não se esvaíram da memória. Os amigos e as
brincadeiras, estas praticadas à luz do luar, tarde da noite, pijamas à mostra,
sem trânsito para ferir ou insegurança para amedrontar. Os jogos não eram
eletrônicos, por isso custavam pouco. Bastavam palmas, pernas e sorrisos.
Hoje os amigos são outros e curiosamente os melhores surgiram eletronicamente,
não sintetizados, é claro, mas apresentados pelo clique de um botão. Gente de
tudo quanto é lugar, uns próximos, outros distantes, mas sempre presentes como
se estivessem diante de mim na sala de estar. Confortam e pedem consolo. Ajudam
e clamam por auxílio. Para ficar completo, falta apenas o abraço. Ah... se
houvesse o teletransporte!
Profissionalmente, levei 15 anos para me descobrir. Por vezes, mais difícil do
que a descoberta é a aceitação. Enfrentar o receio de trocar o pouco certo ao
muito duvidoso. Você faz o que tem
medo e ganha coragem depois, não antes. Mas isso também não se ensina na escola
acadêmica, apenas se aprende na escola da vida.
Quando você depura tudo o que lhe cerca percebe que a simplicidade começa a
reinar. E ser simples não significa ser pequeno, mas dispor do que é crítico e
imprescindível. Luz e calor do sol, companhia e aconchego brilhante da lua.
Cores, sabores e texturas dos alimentos. Ritmo, melodia e harmonia dos sons.
Filme com pipoca e refrigerante a dois. Fé e gratidão.
Entretanto, nunca estamos satisfeitos. Pessoalmente eu deveria nutrir uma
sensação de quietude. Uma onda no mar, uma nota no saxofone, uma tarde com os
filhos, uma cerveja gelada com os amigos, um beijo apaixonado, uma refeição
saborosa, uma noite revigorante, um bom livro, uma mão que assiste a quem
precisa, uma dívida do passado resgatada, um artigo escrito com amor e lido com
prazer.
Contudo, há um mundo enigmático lá fora. Um mundo de diferenças habitado por
pessoas indiferentes. Um mundo que cultua o conflito, que se afasta do
consenso. Um mundo que desejo mais que conhecer, registrar.
Por isso pretendo escrever "Diários de guerra". Percorrer nações na
iminência, durante e após um conflito bélico. Compreender o porquê de sua
ocorrência e quais seus efeitos sobre a sociedade, a cultura e a economia de um
país. Estudar a correlação com as várias religiões, crenças e dogmas. E,
fundamentalmente, observar e analisar os reflexos sobre as pessoas.
Este é um projeto para daqui alguns anos cuja duração e início estão
diretamente relacionados à oportunidade de compartilhá-lo com um veículo da
mídia eletrônica ou impressa. Com apoio, tornar-se-á rapidamente viabilizado.
Sem apoio, apenas demandará mais tempo.
Talvez eu esteja buscando conhecer melhor a humanidade. Talvez esteja em busca
de conhecer a mim mesmo. Talvez esta busca contínua seja apenas uma forma de
reverenciar minha própria liberdade. Sei apenas que prefiro a angústia da busca
à paz da acomodação.
Por Tom Coelho