Nova
cara do capitalismo brasileiro, que tem como base tecnologia, inovação e
criatividade
Talvez poucas pessoas saibam dizer quem são David Velez,
Fabrício Bloise e André Street. Mas, certamente, boa parte do País já ouviu
falar das marcas criadas por eles, como Nubank, iFood, Playkids e Stone. Essa
geração de empresários é a nova cara do capitalismo brasileiro, que tem como
base tecnologia, inovação e criatividade.
Ao contrário de empresas tradicionais, que ainda sofrem para
superar a grave crise que assolou o País, seus negócios crescem a dois dígitos
por mês, empregam como nunca e valem bilhões de reais - só as cinco maiores
companhias dessa nova economia (Nubank, 99, Stone, PagSeguro e Movile) valem
cerca de R$ 89 bilhões. No jargão do mercado, elas são chamadas de unicórnio,
startups que alcançaram a marca de US$ 1 bilhão em valor de mercado.
Criada em 2012 por André Street e Eduardo Pontes, a Stone
está bem acima desse patamar. A empresa de meios de pagamentos, mercado
conhecido pelas "maquininhas", captou US$ 1,5 bilhão na bolsa
norte-americana Nasdaq em outubro e, hoje, está avaliada em R$ 31 bilhões. A
valorização traduz o potencial de crescimento da empresa, que elevou em 104% a
carteira de clientes em 2018 e, até setembro, já havia faturado R$ 1,04 bilhão,
com crescimento de 102% em relação a igual período de 2017.
Os números, avalia o presidente da companhia, Augusto Lins,
são reflexo da cultura da empresa, voltada para inovação. "Isso é
resultado de anos de trabalho, que só agora aparece para o público." Outro
diferencial, diz ele, está nos profissionais que trabalham na companhia:
"Nossos funcionários são desafiados a criar soluções. Aqui, não temos
tempo para mimimi". Atualmente, a Stone tem 5% de participação no mercado,
3,5 mil funcionários e 200 vagas em aberto.
O banco digital Nubank ainda não abriu capital na bolsa, mas
é a aposta do mercado para este ano. Fundado em 2013, a instituição teve aporte
de US$ 90 milhões da chinesa Tencent e vendeu US$ 90 milhões em ações para
outros investidores no ano passado. No total, a empresa do colombiano David
Velez já captou US$ 420 milhões e está avaliada em US$ 4 bilhões (cerca de R$
15 bilhões).
A líder em valor entre essas empresas bilionárias é a
Pagseguro, que captou US$ 2,3 bilhões na bolsa norte-americana em 2018 e, hoje,
vale R$ 34 bilhões. Ao contrário das demais, no entanto, a empresa nasceu
dentro de um grupo já estruturado no mercado, o Uol.
Na avaliação do presidente da Associação Brasileira de
Startups (Abstartups), Amure Pinho, uma das estratégias de sucesso dessas
empresas é atuar em lacunas deixadas pela velha economia, como as falhas de
mobilidade urbana, baixa oferta de crédito e custos elevados dos serviços
financeiros. No geral, a ideia é resolver problemas que atormentam a vida do
brasileiro.
É o caso da Movile, com seu iFood - plataforma de entrega de
comida - que virou uma facilidade para moradores de grandes cidades. Última a
entrar para o grupo das empresas bilionárias, a companhia tem participação em
outros nove negócios, que vão de serviço financeiro, entrega e localização
geográfica.
A companhia, liderada por Fabrício Bloisi, já recebeu aportes
de US$ 854 milhões de grandes investidores como os fundos Naspers Ventures e o
brasileiro Innova Capital - esse último mantido por Jorge Paulo Lemann.
Para dar conta do crescimento, contratou 800 pessoas em 2018
e abriu 600 vagas neste ano. "A palavra de ordem para 2019 é
hipercrescimento, vamos acelerar ainda mais o ritmo da empresa", diz
Helisson Lemos, diretor de operações da Movile, que, em oito anos, cresceu a
uma taxa de 60% ao ano.
"O Brasil demorou para entender o poder da indústria de
tecnologia", diz Paulo Veras, fundador da 99, vendida, em 2018, para a
chinesa Didi Chuxing. Na avaliação dele, esse ecossistema evoluiu de 2008 para
cá e veio para ficar. "Não é uma nova bolha da internet; nunca tivemos
tantas empresas de qualidade como agora."
Para Veras, essa leva de startups (bilionárias) vai
reposicionar o Brasil no novo capitalismo mundial. "No passado, os jovens
queriam trabalhar em um banco ou em uma grande empresa. Hoje, querem empreender
e estão mais preparados (parte deles fez curso ou passou temporadas no Vale do
Silício)."
'Techs'
são promissoras para recolocação de executivos em 2019
Com a expectativa de reformas no novo governo, o mercado
ganhou novo ânimo, e a previsão é que a economia brasileira volte a crescer em
2019. Dados recentes indicam que 97% das empresas devem realizar algum tipo de
investimento neste ano, segundo a consultoria Deloitte Touche Tohmatsu. O
otimismo também reaquece os RHs, que aceleram seus processos de contratação. O
cenário é favorável para quem está em busca de recolocar-se na carreira, com
destaque para um setor que vem desabrochando, o das "Techs", segundo
Hugo Liguori, diretor regional da DNA Outplacement.
O novo segmento - que abrange diversos setores tradicionais,
como saúde (Healthtechs), Direito (Lawtechs), educação (Edutechs), finanças
(Fintechs) e RH (HRtechs) - torna-se um terreno interessante para inserção de
profissionais de alto cargo, já que, aos poucos, deixa a alcunha de startups e
passa a competir com grandes players do mercado. "Apesar de inovadoras,
elas precisam ter uma base, que vem justamente da experiência de executivos com
longos anos de trabalho em empresas consolidadas. Além disso, algumas oferecem
cotas de sócio, o que é uma boa oportunidade se 'explodirem' e abrirem capital
na bolsa, por exemplo", explica Liguori.
O setor de seguros está na lista de quem deve contratar novos
talentos em 2019 na esteira do crescimento. A área passa, agora, por uma grande
transformação digital com o surgimento das Insurtechs, que prometem desburocratizar
processos, trazendo simplicidade, acessibilidade e melhor experiência aos
clientes. Refletindo a mudança de hábito dos consumidores, a posição de maior
destaque no momento é a de User e Customer Experience.
As HRtechs devem ser as principais aliadas das grandes
companhias para encontrar profissionais para cargos mais baixos. "Elas são
vantajosas, pois ajudam na contratação dos melhores funcionários oferecendo um
trabalho de menor custo e resultados potencialmente bons e rápidos",
completa o diretor.
Outras áreas que devem oferecer mais oportunidades - e com
remunerações maiores - são engenharia, jurídico e marketing e vendas. Para os
engenheiros que desejam mudar a direção da carreira, o aumento do volume da
produção nas fábricas fez surgir vagas, principalmente em vendas e supply chain
(setor estratégico que abrange todo o processo logístico, da matéria-prima ao
produto final). Em uma grande companhia, o cargo de diretor de Supply Chain
deve ter um aumento de 3,9% no salário, enquanto para um gerente de compras, a
previsão é que eleve 2,1%.
Na área jurídica são os cargos focados no negócio, como
contratos, fusões e aquisições que ganham destaque. A remuneração de um gerente
jurídico deve ter acréscimo de 5,1%. Já em marketing, é necessário estar em sintonia
com as novas demandas dos consumidores.
Os perfis mais visados são de profissionais data-driven, que
dominam a análise de todo tipo de dado, e os multitarefas. Um coordenador de
marketing digital deve ter aumento de 8,1% em seus ganhos em 2019. Seja em
negócios tradicionais ou nos que já nasceram na era da internet, 2019 é um
grande momento para galgar novas posições e impulsionar a carreira. "O ano
está repleto de oportunidades para perfis de pessoas também diversos, e as
'techs' representam um olhar ao futuro para esses talentos, que vêm de lugares,
muitas vezes, estacionados em técnicas e mentalidades mais conservadoras",
afirma Liguori.
Empreendedores
se transformam em investidores
Eles ajudaram a fundar algumas das mais importantes startups
do País, venderam suas participações e, agora, estão de volta ao mercado no
papel de investidor. Paulo Veras decidiu ser sócio de startups em estágio
inicial depois que a chinesa Didi Chuxing comprou o controle de sua 99 no
começo de 2018. "Estou mais na linha de investidor-anjo", disse ele.
Só no ano passado, Veras aportou recursos em três negócios:
na CargoX, empresa de tecnologia e transporte; na Digibee, plataforma digital
para integração de sistemas e serviços; e na Looqbox, companhia de inteligência
empresarial. "Empreendedor não se aposenta nunca, mas estou tentando
evitar (abrir um novo negócio) por um tempo", diz ele, que fundou seis
empresas desde 1995.
Fábio Póvoa é outro exemplo do ciclo virtuoso criado no
mercado de startups. Ele esteve na linha de frente da criação da Movile, dona
das marcas iFood e Playkids. Ficou 12 anos na companhia até aproveitar uma
rodada de investimento e vender sua participação. A exemplo de Veras, Póvoa
também preferiu ficar na retaguarda dos negócios.
Ele aplicou todo o dinheiro recebido com a venda de sua
participação na Movile em fundos multimercados e de renda fixa. O patrimônio
está garantido, uma vez que Póvoa só destina a novos negócios o que recebe de
juros pelas aplicações. Desde a saída na Movile, ele já investiu em oito
startups e saiu de três. No total, aplicou R$ 10 milhões nas empresas.
Sergio Furio nunca tinha pisado no Brasil quando decidiu
abrir uma startup de crédito no País. Formado em Administração de Empresas, o
espanhol trabalhava em uma consultoria nos Estados Unidos quando resolveu
empreender. O primeiro passo foi pesquisar áreas e mercados com potencial de
crescimento. Nessa busca, ele conheceu sua atual esposa, uma brasileira que
abriu seus horizontes para o mercado nacional. Foi ela quem mostrou as
carências do setor de crédito no Brasil, com falta de recursos e juros altos.
Ao desembarcar no Brasil em 2012, Furio contratou um grupo de
seis pessoas para ajudar a desenvolver o projeto, que nasceu como BankFacil.
Investiu R$ 200 mil no primeiro ano e criou uma plataforma que comparava as
melhores taxas e condições de crédito no mercado. Dois anos depois, já tinha 20
funcionários e, no ano seguinte, conseguiu um aporte de R$ 25 milhões de
investidores estrangeiros.
Em 2016, então com 100 funcionários, Furio decidiu ir além e
transformar o negócio em uma fintech de crédito com garantia. O BankFacil
virou, então, Creditas e fez mais duas grandes captações, de R$ 60 milhões e R$
190 milhões. Desde o início, a empresa teve R$ 600 milhões de aportes -
recursos que ajudaram a startup crescer. Hoje, a fintech tem 570 funcionários e
uma receita cinco vezes maior que a registrada em 2017. A carteira de
empréstimos alcançou R$ 500 milhões no ano passado. "Em três anos,
queremos ser 30 vezes maiores do que somos hoje; e, em 10 anos, 100 vezes
maiores."
Fonte:
Jornal do Comércio RS