O
Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria de votos, julgou
procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5938 para declarar
inconstitucionais trechos de dispositivos da
Consolidação das Leis do
Trabalho
(
CLT
) inseridos pela Reforma Trabalhista
(Lei 13.467/2017) que admitiam a possibilidade de trabalhadoras grávidas e
lactantes desempenharem atividades
insalubres
em
algumas hipóteses.
Para a corrente
majoritária, a expressão "quando
apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher",
contida nos incisos II e III do artigo 394-A da CLT, afronta a proteção
constitucional à maternidade e à criança.
A ação foi ajuizada no
Supremo pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos. A norma
questionada admitia que gestantes exercessem atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo e que lactantes
desempenhassem atividades insalubres em qualquer grau, exceto quando
apresentassem atestado de saúde que recomende o afastamento.
Tal permissão legal,
segundo a entidade autora, afronta a proteção que a Constituição Federal atribui
à maternidade, à gestação, à saúde, à mulher, ao nascituro, aos recém-nascidos,
ao trabalho e ao meio ambiente de trabalho equilibrado.
A eficácia dos
dispositivos estava suspensa desde o fim do mês passado por liminar deferida
pelo relator, ministro Alexandre de Moraes.
No início da sessão
desta quarta-feira (29/05/2019), em que se apreciou o mérito da ação, falaram na
condição de amici curiae os representantes da Confederação
Nacional de Saúde (CNS), pela improcedência da ação, e da Central Única do
Trabalhadores (CUT), que defendeu a inconstitucionalidade dos trechos da norma.
Proteção à Maternidade
O relator iniciou seu
voto observando que, após a alteração legal, a norma passou a impor às grávidas
e às lactantes o ônus de apresentar atestado de saúde como condição para o
afastamento.
Esse ônus, segundo o
ministro, sujeita a trabalhadora a maior embaraço para o exercício de seus
direitos, sobretudo para aquelas que não têm acesso à saúde básica para
conseguir o atestado.
Na avaliação do
ministro, a norma está em desacordo com diversos direitos consagrados na
Constituição Federal e deles derivados, entre eles:
·
A proteção à maternidade;
·
O direito à licença-maternidade;
·
A segurança no emprego assegurada à
gestante; e
·
Outras normas de normas de saúde,
higiene e segurança.
Sob
essa ótica, a proteção da mulher grávida ou da lactante em relação ao
trabalho insalubre caracteriza-se como direito social protetivo
tanto da mulher quanto da criança.
"A
razão das normas não é só salvaguardar direitos sociais da mulher, mas também
efetivar a integral proteção ao recém-nascido, possibilitando sua convivência
integral com a mãe nos primeiros meses de vida, de maneira harmônica e segura e
sem os perigos de um ambiente insalubre, consagrada com absoluta
prioridade, no artigo 227 do texto constitucional, como dever também da
sociedade e do empregador", assinalou.
Dessa forma, o
ministro destacou que a alteração deste ponto da CLT feriu direito
de dupla titularidade - da mãe e da criança. A seu ver, a previsão de
afastamento automático da gestante ou da lactante do
ambiente insalubre está absolutamente de acordo com o entendimento do
Supremo de integral proteção à maternidade e à saúde da criança.
"A proteção à
maternidade e a integral proteção à criança são direitos irrenunciáveis e não
podem ser afastados pelo desconhecimento, pela impossibilidade ou pela eventual
negligência da gestante ou da lactante em juntar um atestado médico, sob pena de prejudicá-la e prejudicar o
recém-nascido", afirmou.
Não procede, segundo o
relator, o argumento de que a declaração de inconstitucionalidade poderia
acarretar retração da participação da mulher no mercado de trabalho.
"Eventuais
discriminações serão punidas nos termos da lei, e o próprio texto
constitucional determina de maneira impositiva a proteção ao mercado de trabalho da mulher mediante incentivos
específicos", ressaltou.
Para o ministro,
também não procede o argumento do ônus excessivo ao empregador, pois a norma
isenta o tomador de serviço do ônus financeiro referente ao adicional de insalubridade da empregada afastada. Com esses
fundamentos, o relator votou pela confirmação da liminar deferida e pela
procedência do pedido para declarar a inconstitucionalidade da expressão dos
incisos II e II.
Retrocesso social
Em seu voto, a
ministra Rosa Weber apresentou apanhado histórico legislativo dos direitos trabalhistas das mulheres no Brasil e no
mundo. Segundo a ministra, contam-se 96 anos desde a primeira norma de proteção
ao trabalho da gestante no país.
Isso revela, a seu
ver, quase um século de "afirmação histórica do compromisso da nação com a
salvaguarda das futuras gerações". A Constituição de 1988, por sua vez,
priorizou a higidez física e mental do trabalhador ao exigir, no inciso XXII do
artigo 7º, a redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de
saúde, higiene e segurança.
A ministra afirmou
ainda que a maternidade representa para a trabalhadora um período de maior
vulnerabilidade devido às contingências próprias de conciliação dos projetos de
vida pessoal, familiar e laboral.
Dessa forma, os
direitos fundamentais do trabalhador elencados no artigo 7º "impõem limites à
liberdade de organização e administração do empregador de forma a concretizar,
para a empregada mãe, merecida segurança do exercício do direito ao equilíbrio
entre trabalho e família".
A alteração promovida
pela Reforma Trabalhista, concluiu a ministra, implicou "inegável retrocesso
social".
Também votaram pela
procedência da ação os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux,
Carmen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e o presidente
da Corte, ministro Dias Toffoli.
Divergência
Único a divergir, o
ministro Marco Aurélio votou pela improcedência da ação ao argumento de que os
preceitos que regulam o trabalho masculino são aplicáveis ao trabalho
feminino. "Toda proteção alargada ao gênero feminino acaba prejudicando o
gênero", disse.
Para ele, é razoável a
exigência de um pronunciamento técnico de profissional da medicina sobre a
conveniência do afastamento da trabalhadora. "Os preceitos encerram a liberdade
da prestadora de serviços e visam atender às exigências do mercado de trabalho, para não se criar óbice à contratação
de mão de obra feminina", afirmou.
Fonte: STF- Adaptado pelo Guia Trabalhista.
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