"O Brasil é uma nação de espertos que,
reunidos, formam uma multidão de idiotas."(Gilberto Dimenstein)
Em 1976, Gérson de
Oliveira Nunes, jogador de futebol que integrou a equipe campeã mundial em
1970, teve seu nome eternizado ao protagonizar uma campanha publicitária
histórica para a marca de cigarros Vila Rica, de propriedade da J. Reynolds na
qual, após desfilar os diferenciais do produto, proclamava: "Gosto de levar
vantagem em tudo, certo? Leve vantagem você também". Assim nasceu a "lei de
Gérson", que passou a designar a natureza utilitarista e pouco ética do
brasileiro. Este princípio marcou por cerca de três décadas a personalidade de
toda uma nação, tatuando na identidade tupiniquim a alcunha de "país do
jeitinho".
Vamos dar um salto
no tempo para 2014. No dia 13 de abril, o Flamengo disputava a final do
campeonato carioca contra o Vasco da Gama. O time rubro-negro jogava por um
empate, mas perdia a partida até os 45 minutos do segundo tempo, quando igualou
o placar com um gol irregular, em posição de impedimento, validado pelo árbitro
e seus bandeirinhas. Não houve tempo para reação do adversário e o Flamengo
levantou a taça para delírio de sua torcida.
Ao término do jogo,
o goleiro campeão, Felipe, debochou da equipe rival: "Estava impedido, né?
Roubado é mais gostoso!".
Um procurador
denunciou Felipe nos artigos 258 (assumir conduta contrária à disciplina
esportiva), 243-D (incitar publicamente o ódio ou a violência) e 243-F (ofender
alguém em sua honra) do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD).
Contudo, o atleta foi lamentavelmente absolvido.
Perdeu-se, assim,
uma oportunidade ímpar de se inaugurar, talvez, uma nova fase na cultura ética
deste país. Afinal, se o Brasil é o país do futebol, seria exemplar começar
pelos gramados a se difundir a mensagem de que existe o certo e o errado, e que
o certo deve prevalecer. Felipe poderia ter sido suspenso de suas atividades
por até 720 dias. Ainda que a pena fosse inferior a isso, seria um indicativo
de que não estamos em um país sem lei e sem escrúpulos, onde a lei é uma mera
formalidade num pedaço de papel.
Felipe representa não apenas a malandragem dos boleiros. Ele simboliza as
falcatruas que se perpetuam pelo poder público, os favorecimentos típicos do
ambiente político, as propinas que circulam em empresas privadas. Felipe
é o carro que invade o acostamento, o motorista que inadvertidamente estaciona
em vagas destinadas a idosos ou pessoas com deficiência, o espertinho que fura
fila no ponto de ônibus.
Um procurador
ingressou com recurso contra a decisão. Caso seja mantida a absolvição, fica
decretada a promulgação da "Lei de Felipe", segundo a qual, mais do que levar
vantagem, o bom mesmo é obtê-la da maneira mas torpe possível: a partir do
roubo.
Por Tom Coelho