STF decide que os
municípios não têm competência para alterar a legislação nacional por meio de
lei municipal
No fim de abril/2019, o Supremo Tribunal
Federal decidiu - com repercussão geral reconhecida - que os municípios não
podem impedir, por meio de lei municipal, que sociedades uniprofissionais
tenham um regime diferenciado de recolhimento do Imposto Sobre Serviços de
Qualquer Natureza (ISSQN ou ISS). Essas sociedades abrangem profissionais
que atuam na mesma área de uma profissão regulamentada, como advogados,
médicos, contadores, engenheiros, arquitetos, etc. Com a repercussão geral, o
efeito é para todos os municípios e todos os contribuintes.
O advogado tributarista da Rafael Nichele
Advogados Associados, Rafael Nichele, que representou a OAB no STF nesse caso,
explica que a decisão tem eficácia vinculante. Dessa forma, logo que for
publicado o acórdão pelo Supremo, já produz seus efeitos. "A partir disso
os municípios estarão impedidos de legislar na forma como foi decidido pelo
órgão. Salvo o caso de algum município entrar com algum recurso para que não
transite em julgado, ou pedido de efeito para que o STF venha a modular algum
ponto extra, essa decisão não precisa que nenhuma pessoa entre com algum
recurso para fazer valer o seu direito", pondera.
O processo teve início a partir de um
mandado de segurança ajuizado pela seccional do Rio Grande do Sul da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB-RS) contra o Fisco de Porto Alegre (RS), solicitando
que as sociedades de advogados inscritas naquele município continuassem a
recolher o ISS com o regime tributário fixo anual. O pedido foi concedido em
primeira instância. Já o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) deu
provimento à apelação. O órgão entendeu que a legislação municipal não
extrapolou a lei complementar nacional, uma vez que a lei nacional apenas
evitaria o abuso de direito do contribuinte em raras hipóteses em relação à tributação,
informa o STF em seu site.
Pelo decreto de Lei n.º 406/1968, as
sociedades profissionais estão sujeitas à tributação fixa ou per capita.
Segundo o parágrafo 1º do art. 9º da lei, quando se tratar de prestação de
serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto
será calculado por meio de alíquotas fixas, em função da natureza do serviço ou
de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a
título de remuneração do próprio trabalho.
Já o parágrafo 3º deste mesmo artigo
determina que, quando os serviços forem prestados por sociedades, estas ficarão
sujeitas ao imposto calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio,
empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo
responsabilidade pessoal.
O diretor da Tecol Consultoria Empresarial
(GBrasil | Juiz de Fora - MG), Célio Faria de Paula, explica que as sociedades
têm o benefício de ISS fixo, que é recolhido com base no número de integrantes
da sociedade e não com base no faturamento da empresa. "É uma briga
antiga. Já tentaram cobrar as sociedades com base de cálculo no faturamento
aqui em Juiz de Fora, mas o benefício foi mantido. O cálculo do ISS fixo para
as sociedades, em média, não passa de 1%. Já o ISS sobre o faturamento, de modo
geral, é em torno de 5%".
A diretora da Domingues e Pinho
Contadores (DPC - GBrasil | RJ e SP), Rita Araujo, diz que esses conflitos
começaram logo após a promulgação da Constituição Federal (1988). "Alguns
municípios consideravam o valor fixo como um benefício fiscal, o que havia sido
vetado pela Constituição e, por esse motivo, decidiram impor a mesma
sistemática de recolhimento das empresas comuns". Ela diz ainda que a
questão sobre afetar as contas públicas é um fato, mas a medida é muito
positiva uma vez que afasta a possibilidade de os municípios legislarem para
criar critérios de enquadramento para essa sociedade ser considerada
uniprofissional para fins de ISS.
Rafael Nichele explica que há uma
insistência antiga dos municípios de tentar legislar em matéria reservada pela
Constituição à lei complementar. Ele ressalta que uma lei municipal de Porto
Alegre, de 2006, alterou a matéria que já havia sido reservada à lei
complementar pelo STF em 1999 e em várias outras decisões, com requisitos que
não estavam previstos na lei. A OAB-RS ajuizou o mandado de segurança em 2009.
Ele esclarece que, pela lei municipal, uma
sociedade de advogados de Porto Alegre que precisasse de um outro escritório ou
outra sociedade para fazer alguma diligência em um município vizinho, seria
considerada uma empresa com terceirização da atividade-fim. Ele aponta o
risco à segurança jurídica caso o País tenha mais de 5.500 municípios
estabelecendo os próprios requisitos à legislação tributária. Ele esclarece
que, ainda que a decisão do STF tenha sido relativa a sociedades profissionais
de advogados, ela valerá para qualquer sociedade uniprofissional do País.
"Os municípios viram uma forma de
aumentar suas receitas municipais ao passarem a mudar o critério de tributação.
Passaram a entender que não havia sentido em tributar com alíquota fixa essas
sociedades uniprofissionais, em razão do porte de algumas sociedades. Então
decidiram recolher pelo faturamento, só que não é isso que está na lei complementar
de 1968. Foi uma opção feita na Constituição e que não foi alterada por lei
complementar", avalia Nichele.
Ele completa dizendo que a Constituição
estabeleceu um regime jurídico definido por lei complementar, e essa lei
definiu o regime para as sociedades uniprofissionais. "Qualquer alteração
deve ser feita por lei complementar. Os municípios não têm competência para
legislar sobre isso. Essa forma de tributação é uma garantia do STF a partir da
Súmula 663", pontua.
Essa Súmula, publicada em 2003, reconhece a
tributação diferenciada que se presta a concretizar a isonomia e a capacidade
contributiva às sociedades profissionais.
A cobrança do ISS varia em cada município e
para cada tipo de serviço. O advogado e sócio da Dagoberto Advogados, Ricardo Ramires
Filho, explica que a Lei Complementar 116/03 foi a primeira a estabelecer uma
lista anexa, com todos os tipos de prestação de serviços codificados. Para cada
uma dessas codificações, o município pode arbitrar uma alíquota entre 2% e 5%
do ISS. "Em São Paulo, por exemplo, ele pode cobrar 2% para serviços
médicos, enquanto que em uma cidade vizinha o imposto pode ser de 5%. De certa
forma, cria-se uma guerra fiscal". Ele pontua que muitos municípios
acabaram atraindo os profissionais de outros locais por conta das vantagens
tributárias. "Se o intuito da decisão do STF foi, também, colocar uma
linha, reduzir essa guerra fiscal e fazer um balizamento disso, é um ponto
positivo", analisa.
Decisão da corte
Em seu voto, o relator do Recurso Extraordinário
(RE), ministro Edson Fachin, decidiu pela restauração da decisão de primeira
instância. Ele enfatizou que a Súmula 663, recepcionada pela Constituição, é a
jurisprudência da corte. Ele explicou que a jurisprudência do STF está firmada
na recepção do Decreto-Lei n.º 406/1968, pela prevalência do cálculo de
imposto para as sociedades uniprofissionais com alíquotas fixas e com base na
natureza do serviço. "Há inúmeros precedentes nessa mesma direção",
pontuou.
Segundo ele, é incabível que a lei
municipal, que institui ISS, dispor de modo divergente sobre base de cálculo do
tributo por ofensa direta à alínea 'a', inciso III, do artigo 146, da
Constituição Federal. Esse dispositivo define que cabe à lei complementar
estabelecer as normas gerais em matéria de legislação tributária, bem como a
definição de tributos, base de cálculo, de suas espécies, fatos geradores e
quem serão os contribuintes.
O voto do relator foi seguido pelos
ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski,
Rosa Weber e pelo presidente do STF, o ministro Dias Toffoli.
O ministro Alexandre de Moraes enfatizou
que há uma proliferação de legislações municipais que tentam contornar a
jurisprudência do STF, seja com a argumentação de fiscalização ou qualquer
outra. "Não é só a questão da legislação de Porto Alegre, [são] as
interpretações que vão e vem de vários municípios". Ele menciona como
exemplo o município de São Paulo. "Cada novo prefeito que assume, em busca
de arrecadar mais, interpreta a legislação novamente e se afasta da
interpretação do Supremo, e sempre por um outro viés".
Já o ministro Marco Aurélio divergiu da
decisão dos demais ministros, avaliando que as normas municipais não violaram o
Decreto-Lei n.º 406/1968. Em sua decisão, ele ressalta que o artigo 156
da Constituição Federal estabelece a competência dos municípios de instituir o
imposto sobre serviços de qualquer natureza que não esteja compreendido no
artigo 155, inciso II, da Constituição, definidos em lei complementar.
Fonte:
G Brasil, com adequações no texto pela M&M
Assessoria Contábil.,
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