O
final do ano se aproxima. Após aproximadamente nove meses lidando com a
Covid-19 e suas consequências sociais e econômicas, o mundo comemora o início
da vacinação contra a Covid-19 no Reino Unido e analisa o comportamento dos
indicadores econômicos com a sensação de voltar ao começo, mais precisamente ao
mês de fevereiro.
A
edição da revista americana Time, a ser veiculada em 14 de dezembro, teve sua
capa divulgada na página do Instagran® do periódico. A capa apresenta o ano de
2020 riscado com um enorme "x" em vermelho, com um texto da crítica de cinema
Stephanie Zacharek, que classifica o ano de 2020 como o pior ano das nossas
vidas. A autora ressalta que maioria das pessoas que estão vivas hoje nasceram
após as grandes guerras, a epidemia da gripe espanhola e a grande depressão. Ao
final, comenta que quase ninguém passou incólume à sensação de impotência e
incerteza diante do vírus, o qual impactou a vida ao redor do mundo com um
saldo que já supera 1,5 milhão de mortes, sensação que foi amplificada pelas
diretrizes contraditórias das principais lideranças globais.
As incertezas
e angústias globais foram amplamente medidas pelos mais diversos prismas, sendo
que os índices das bolsas de valores, como tradicionalmente acontece, foram os
medidores que mais rapidamente refletiram as expectativas em relação à evolução
da doença, das vacinas e das medidas econômicas para contemporizar os graves
efeitos provocados pelo avanço da Covid-19.
No
caso brasileiro, a sensação de volta ao começo pode ser traduzida no
comportamento do IBOVESPA, que fechava o dia 21 de fevereiro, sexta-feira de
Carnaval, em 113.681 pontos, esperando uma agenda positiva do governo com o
Congresso Nacional, a consolidação das medidas de ajuste fiscal e a manutenção
do ritmo de retomada do crescimento econômico do Brasil, contando com os ventos
favoráveis do cenário internacional. A partir daí, o índice mergulhou até
63.570 pontos no dia 23 de março, iniciando um movimento de recuperação mais
forte até 30 de julho, quando atingiu 105.009 pontos, recuando novamente até
93.590 pontos em 29 de setembro, para então, retomar a recuperação e atingir,
na sexta-feira (04), 113.750 pontos, voltando assim aos patamares da
sexta-feira de Carnaval.
A
recuperação dos preços no mercado de ações brasileiro é atribuída, em grande
parte, às expectativas de retomada da atividade econômica global com a
proximidade da implementação da vacinação em massa da população no hemisfério
norte e da aprovação do plano de incentivos fiscais do governo norte-americano,
consolidando o movimento de redução da aversão ao risco dos investidores
estrangeiros em relação aos mercados emergentes.
Segundo
dados publicados pelo ValorInveste, o fluxo de capital estrangeiro para a bolsa
brasileira em novembro foi recorde, com superávit em 17 dos 18 pregões,
registrando um saldo líquido positivo de R$ 31,5 bilhões. No ano, a saída de
capital estrangeiro soma R$ 53,4 bilhões. Ao considerar o mercado primário, com
entrada de R$ 19,6 bilhões até setembro, o fluxo externo na bolsa está negativo
em R$ 33,8 bilhões em Embora o volume de recursos direcionado ao mercado
brasileiro ainda seja pequeno, quando comparado com outros países emergentes, o
movimento de novembro representa um importante "voto de confiança" na condução
dos principais assuntos internos, dentre eles o crescimento dos casos da
Covid-19, os riscos inflacionários e a questão fiscal.
Além
de recuperar os preços das ações, este "voto de confiança" gera um importante
impacto nas expectativas de inflação, ao reduzir o ritmo de desvalorização do
real em relação ao dólar. Nesta semana, o dólar ptax encerrou a semana em R$
5,1709, com uma queda de 3,34% na semana.
Em
linha com a sensação de recomeço do ano de 2020, na última quarta-feira (3),o
IBGE divulgou que o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 7,7% no terceiro
trimestre de 2020, quando comparado ao segundo trimestre de 2020, na série com
ajuste sazonal. A Agropecuária caiu 0,5%, a Indústria cresceu 14,8% e os
Serviços subiram 6,3%.
Entre
as atividades industriais, destaca-se o crescimento de 23,7% das Indústrias de
transformação. Também houve aumento para Eletricidade e gás, água, esgoto,
atividades de gestão de resíduos (8,5%), Construção (5,6%) e Indústrias
extrativas (2,5%).
Nos
Serviços, todos os setores cresceram: Comércio (15,9%), Transporte, armazenagem
e correio (12,5%), Outras atividades de serviços (7,8%), Informação e
comunicação (3,1%), Administração, defesa, saúde e educação públicas e
seguridade social (2,5%), Atividades financeiras, de seguros e serviços
relacionados (1,5%) e Atividades imobiliárias (1,1%).
Pela
ótica da despesa, a Formação Bruta de Capital Fixo cresceu 11,0% em relação ao
trimestre imediatamente anterior. A Despesa de Consumo das Famílias teve
expansão de 7,6% e a Despesa de Consumo do Governo cresceu 3,5%. Já as
Exportações de Bens e Serviços tiveram queda de 2,1%, enquanto as Importações
de Bens e Serviços caíram 9,6% em relação ao trimestre anterior.
Em
relação a igual período do ano anterior, o PIB caiu 3,9% no terceiro trimestre
de 2020, sendo a terceira queda consecutiva nesta comparação. Entre as
atividades, a Agropecuária cresceu 0,4% em relação a igual período de 2019.
Este resultado explica-se, principalmente, pelo crescimento da produção e ganho
de produtividade da atividade Agricultura, que suplantou o fraco desempenho da
Pecuária e da Pesca.
Já a
Indústria teve queda de 0,9%, com as Indústrias de transformação apresentaram
variação negativa de 0,2%. A atividade de Eletricidade e gás, água, esgoto,
atividades de gestão de resíduos, por sua vez, cresceu 3,8%, incentivada pela
melhora nas bandeiras tarifárias, que se mantiveram verdes por todo o
trimestre. As Indústrias extrativas cresceram 1,0% em relação ao terceiro
trimestre de 2019, puxadas pelo crescimento da extração de petróleo e gás. Já
os Serviços caíram 4,8% frente ao mesmo período de 2019.
A
Despesa de Consumo das Famílias caiu pelo terceiro trimestre seguido (-6,0%),
influenciada pela pandemia de COVID-19, que afetou negativamente o mercado de
trabalho, provocou queda na oferta e demanda de serviços com peso relevante no
consumo das famílias.
Formação
Bruta de Capital Fixo caiu 7,8% no terceiro trimestre de 2020. A magnitude
deste recuo é justificada pela queda na produção e importação de bens de
capital, assim como pela queda na Construção. No setor externo, as Exportações de
Bens e Serviços caíram 1,1% e as Importações de Bens e Serviços caíram 25,0% no
terceiro trimestre de 2020.
Em
termos de perspectivas, o desafio do Brasil está em aproveitar o "voto de
confiança" e tornar este recomeço tão exitoso como se esperava lá em fevereiro,
com uma agenda que demonstre assertividade na construção do plano de vacinação,
bem como do orçamento para 2021, privilegiando a responsabilidade fiscal e
evitando a frustração das expectativas dos investidores estrangeiros.
(Texto
escrito em 06/12/2020)
Por Marco Antônio dos Santos Martins
Professor do DCCA da Faculdade de Ciências
Econômicas da UFRGS, Doutor em Administração, com ênfase em Finanças e Mestre
em Economia pela UFRGS.