As novas tecnologias estão,
cada vez mais, incorporadas ao cotidiano de pessoas e empresas, e, quando o
assunto chega no universo das marcas, observa-se que disputas estão assumindo
novas roupagens, especialmente dentro do ambiente virtual. Certas tecnologias,
como a blockchain,
vêm para automatizar procedimentos e trazer maior confiabilidade e segurança
para as transações.
Dentro do universo da
tecnologia, não como deixar de mencionar um tema que ganhou grande notoriedade
recentemente, o uso da expressão "metaverso". Recentemente, muitas
empresas, cientes do momentum,
se voltaram para esse tema, levando suas marcas para dentro desse
"novo" contexto de "ambientes virtuais". Mas, o que
isso implica? É possível e necessário proteger marcas também dentro dessa possível
"nova" realidade virtual?
A expressão Metaverso vem da
junção do prefixo "meta" (do grego, que significa além), com a
palavra universo. Refere-se amplamente à ideia de um "universo 3D
online", em que seria possível combinar diferentes espaços virtuais. A
expressão se tornou ainda mais popular no final de outubro de 2021, quando o
Facebook anunciou a alteração do seu nome corporativo para
"Meta" [1]. Basicamente, a expressão nasce da teoria de um
universo imersivo, em três dimensões - fazendo uso ou não de
tecnologias e dispositivos imersivos como uso de óculos de realidade virtual,
por exemplo - no qual cada usuário tem o seu avatar [2].
Ganhou espaço nos anos 1990
com o surgimento da Internet comercial e a popularização de jogos multiplayer
de RPG (Role-playing
games). Uma das aplicações mais conhecidas do conceito, foi o
lançamento do Second
Life [3], ainda em 2003. Em termos gerais: o termo
"metaverso" ressurgiu de um conceito de mundo virtual, coletivo
e compartilhado, que pretende replicar a realidade [4].
Apesar de ter ganhado maior
notoriedade no final de 2021, já era possível observar aspectos da ideia de
metaverso, especialmente nas suas ferramentas de socialização, dentro de jogos
online. Um grande exemplo foi o show virtual do rapper Travis Scott, no
'Fortnite', que juntou quatorze milhões de usuários, sendo 12,3 milhões de jogadores,
diretamente no game [5]. Não só no entretenimento, mas também no comércio
é possível visualizar o interesse crescente em universos virtuais, como com a
entrada da Renner, uma das maiores varejistas de moda do Brasil, também no
'Fortnite'. Batizada de "Renner Play", a estratégia visou reforçar a
presença digital da empresa [6].
Não há como negar, portanto,
a crescente relevância dos meios e espaços virtuais para empresas e seus
negócios. O conceito de mundos virtuais entra, nesse contexto, como uma
concepção ainda mais ampla de realidade virtual, em que múltiplas plataformas
podem estar interconectadas, abrangendo diversos tipos de aplicações, como de
economia, identidade digital etc.
Contudo, por ter maior
abrangência, para além do aspecto 3D já utilizado no universo dos games, a
ideia de mundos virtuais precisa garantir aos seus usuários outras seguranças,
como a prova digital de titularidade, segurança para transferência de valores,
governança e acessibilidade. Nesse sentido, entra o uso da tecnologia blockchain, que se
destaca por oferecer: 1) a possibilidade de prova digital de
titularidade; 2) a possibilidade de realizar uma coleção digital, bem
como de criar objetos únicos, a exemplo de NFTs; 3) a transferência
de valores, por meio de moedas crypto; 4) a
possibilidade de implementação de uma governança justa, uma vez que possibilita
o controle das regras de interação entre usuários; 5) a
acessibilidade, via carteira disponível para todos em blockchains públicas;
e, por fim, 6) a "interoperabilidade" do universo, ou
seja, a possibilidade da operação de múltiplas plataformas [7].
Esse uniria diversos aspectos
cotidianos em um único lugar, de forma que, por exemplo, seja possível fazer uma
reunião dentro do seu escritório virtual, terminar o trabalho e relaxar com um
jogo blockchain-based para,
após, gerir o seu portfólio de crypto e
finanças [8]. A realidade virtual possibilitaria experiências de jogo,
trabalho, conexão e compras, podendo as últimas serem tanto de bens reais, como
de bens virtuais.
Atentas às inúmeras
possibilidades trazidas por esse conceito, empresas estão cada vez mais se
aproximando do tema, buscando inclusive a proteção de suas marcas.
Nos últimos meses, houve um
aumento nos pedidos de registro de marcas, principalmente de grandes empresas,
para proteção dentro de ambientes virtuais. Os pedidos vêm dos mais diferentes
setores, a fim de garantir a proteção à marca quando referente a bens virtuais
e à atuação e realização de transações dentro destes universos [9]. Um
destaque pode ser dado à Nike, que anunciou, ainda no final de 2021, a
aquisição de um studio de
NFTs, para produção de produtos colecionáveis digitais - incluindo os
seus sneakers.
Da mesma forma, a empresa realizou pedidos de registro de marcas, para proteção
desses ativos digitais [10].
Não é apenas a indústria da
moda, porém, que está atenta a essa tendência. O McDonalds é outro exemplo.
Depositou perante o Escritório Norte-Americano de Marcas e Patentes
("USPTO") pedidos para proteção da marca em relação a comida e
bebidas virtuais, bem como para o download de mídia contendo obras de arte,
texto, áudio ou vídeos e NFTs [11].
Já o depósito da marca
"COACHELLA" perante o escritório norte-americano prova a atenção
inclusive da indústria da arte e do entretenimento. O novo pedido de registro
do festival teve como objetivo a proteção de serviços como transferência de
bens crypto e
provimento de transferência eletrônico de moeda virtual para membros de uma
comunidade online [12].
Interessante pontuar que
tanto os pedidos de registro do McDonalds, como do Coachella, foram feitos
nesse ano de 2022, evidência de como a discussão é recente, mas merece atenção
das marcas para a sua proteção também dentro desse contexto.
No Brasil já é possível
verificar alguns pedidos de registro, em sua maioria do final de 2021 e início
de 2022, para proteção de NFTs e dentro de ambientes de realidade aumentada. Em
geral, os pedidos são feitos na Classe 09, para os mais diversos bens virtuais,
na Classe 35, para serviços de comércio de produtos virtuais, na Classe 41,
para, por exemplo, publicações online na qualidade de tokens não fungíveis e,
ainda, na Classe 42 para serviços como de provimento de software para redes
online [13].
A título de exemplo,
destacamos as seguintes marcas: "TOMMYVERSE",
nº 925150495, classe 09 (software de realidade virtual e aumenta, tokens não
fungíveis, aplicativos realidade virtual, etc.), de titularidade de Tommy
Hilfiger Licensing LLC; "WIRED",
nº 925323411, classe 35 (serviços de comércio online no varejo relacionados a
software de realidade virtual, software para geração de imagens virtuais,
etc.), de titularidade de Condé Nast Brasil Holding Ltda; "NIKE", nº
924699809, classe 41 (serviços de entretenimento, nomeadamente, fornecimento
online e não baixável de calçados e outros acessórios para uso em ambientes
virtuais), de titularidade de Nike Innovate C.V.; "EFINITY", nº
925859362, classe 42 (autenticação e certificação de dados relativos a
criptomoedas e tokens não fungíveis (NFTs) via blockchain, design de arte digital e
imagens para uso comercial, etc.), de titularidade de Nftech Pte Ltd.
Não há como negar, portanto,
a tendência mundial da aproximação de empresas com o ambiente virtual e a
comercialização de tokens não fungíveis. Assim, mostra-se essencial a consideração,
por empresas dos mais variados setores, da necessidade de proteção das suas
marcas também para a realidade virtual e aumentada. Inclusive já é possível
verificar disputas de marcas envolvendo NFTs.
Um exemplo é o da Nike que
ajuizou demanda em face do marketplace StockX,
que vende produtos da marca e, como parte da sua estratégia de levar a sua loja
para a realidade aumentada, criou NFTs vinculados ao produto real/físico em
venda e passou a negociá-los [14]. A Nike, na ação proposta nos
Estados Unidos da América, alega que houve o uso não autorizado de produtos
digitais. A StockX, por sua vez, continua comercializando os NFTs, chegando a
oferecer um modelo dos sneakers pelo
lance mínimo de US$ 10 mil. Há, então, dois pontos de vista: o da StockX, que
está usando o NFT como certificado rastreável do par de tênis físico, vendido
em sua loja e que pode ser retirado pelo consumidor; e o da Nike, que entende
ser necessária autorização para criação de NFTs de produtos por ela
desenvolvidos, de sua titularidade [15] e que são protegidos por direitos
de propriedade intelectual.
A famosa marca Hermès também
propôs demanda similar, em face de um artista, pela criação de NFTs de "MetaBirkins".
A empresa francesa alega que há violação da sua marca, uma vez que os NFTs
seriam imitações da sua famosa bolsa Birkin, apenas adicionando o prefixo
"meta" à marca e, requer, além de indenização, que os exemplares
sejam destruídos [16].
Esses casos confirmam a
importância do registro das marcas também para a especificidade dos produtos
digitais e para comércio em realidade aumentada. Ainda não se sabe como os
Tribunais interpretarão essas novas demandas e a extensão da proteção dos
registros de marcas já existentes e dos demais direitos de propriedade
intelectual. Mas fato é que novos desafios se apresentam, justificando a busca
pelos registros para esses produtos e serviços.
O desafio, então, é saber se
a sua empresa precisa buscar a proteção da sua marca especificamente para essa
nova realidade virtual envolvendo também produtos físicos e digitais. Esse tipo
de proteção mostra-se importante caso haja interesse na inserção do seu produto
ou serviço dentro de ambientes virtuais. Essa inserção pode se caracterizar,
por exemplo, com o comércio de tokens não fungíveis, até mesmo derivados de
produtos reais produzidas pela marca, ou pela realização de transações
comerciais dentro de ambientes de realidade virtual e aumentada.
Considerando que a indústria
está cada vez mais criativa, criando experiências para os clientes em todos os
momentos da sua jornada de compra, desde a apresentação do produto, até a sua
aquisição e suporte pós-compra [17], a tendência é que cada vez mais as
marcas estejam presentes em diferentes plataformas, a fim de promover e ampliar
a comercialização dos seus produtos e serviços.
O importante é que, se houver
o interesse da empresa na expansão e inserção no contexto virtual aqui exposto,
sejam realizados os depósitos necessários para a proteção da marca. O
detalhamento dos produtos e serviços devem ser feitos forma apropriada, dentro
das Classes compatíveis com os novos ativos, garantindo, assim, o direito sobre
a marca também dentro dessa nova realidade virtual.
[1] https://about.fb.com/news/2021/10/facebook-company-is-now-meta/
[2] Conforme
artigo "What Is
the Metaverse?", disponível no link https://academy.binance.com/en/articles/what-is-the-metaverse?utm_campaign=googleadsxacademy&utm_source=googleadwords_int&utm_medium=cpc&ref=HDYAHEES&gclid=Cj0KCQjwyMiTBhDKARIsAAJ-9Vvscf25egZrUmGDjsIbE4hi7FFeqEpR-7oqLpaH0BrZdvIUuP3DlFIaApdIEALw_wcB.
Acesso em 02 mai. 2022.
[3] https://secondlife.com/
[4] https://spr.com.br/blog/o-que-e-o-metaverso-e-quais-marcas-ja-estao-la/.
Acesso em 02 mai. 2022.
[5] https://g1.globo.com/pop-arte/games/noticia/2020/04/24/travis-scott-faz-show-em-fortnite-para-14-milhoes-de-fas.ghtml.
Acesso em 02 mai. 2022.
[6] https://exame.com/bussola/renner-entra-nos-games-com-modo-criativo-do-fortnite/.
Acesso em 02 mai. 2022.
[7] Conforme
artigo "What Is
the Metaverse?", disponível no link https://academy.binance.com/en/articles/what-is-the-metaverse?utm_campaign=googleadsxacademy&utm_source=googleadwords_int&utm_medium=cpc&ref=HDYAHEES&gclid=Cj0KCQjwyMiTBhDKARIsAAJ-9Vvscf25egZrUmGDjsIbE4hi7FFeqEpR-7oqLpaH0BrZdvIUuP3DlFIaApdIEALw_wcB.
Acesso em 02 mai. 2022.
[8] Conforme
artigo "What Is
the Metaverse?", disponível no link https://academy.binance.com/en/articles/what-is-the-metaverse?utm_campaign=googleadsxacademy&utm_source=googleadwords_int&utm_medium=cpc&ref=HDYAHEES&gclid=Cj0KCQjwyMiTBhDKARIsAAJ-9Vvscf25egZrUmGDjsIbE4hi7FFeqEpR-7oqLpaH0BrZdvIUuP3DlFIaApdIEALw_wcB.
Acesso em 02 mai. 2022.
[9] https://www.natlawreview.com/article/trademarks-metaverse-brand-protection-virtual-goods-services.
Acesso em 04 mai. 2022.
[10] https://www.practicalecommerce.com/12-examples-of-brands-in-the-metaverse
[11] Conforme, por
exemplo, o pedido de registro da marca nominativa 'McDonalds' de nº
97253159, apresentado perante o USPTO. Pesquisa pelo site https://tmsearch.uspto.gov/bin/gate.exe?f=login&p_lang=english&p_d=trmk.
Acesso em 03 mai. 2022.
[12] Conforme, por
exemplo, o pedido de registro da marca nominativa 'COACHELLA' de nº
97208819, apresentado perante o USPTO. Pesquisa pelo site https://tmsearch.uspto.gov/bin/gate.exe?f=login&p_lang=english&p_d=trmk.
Acesso em 03 mai. 2022.
[13] Exemplificadamente,
os pedidos de registro de nº 925590754, 924698802, 925151173 e 925344613,
realizados perante o INPI.
[14] https://www.highsnobiety.com/p/stockx-nike-lawsuit/.
Acesso em 12 mai. 2022.
[15] https://www.istoedinheiro.com.br/metaverso-disputa-da-nike-com-marketplace-dos-eua-podera-definir-caminhos-para-registros-de-nfts/.
Acesso em 12 mai. 2022.
[16] https://news.artnet.com/art-world/hermes-metabirkins-2063954.
Acesso em 12 mai. 2022.
[17] https://hbr.org/2022/01/how-brands-can-enter-the-metaverse.
Acesso em 04 mai. 2022.
Por Caio Belarmino Aragão Silva é
advogado da área propriedade intelectual do B/Luz Advogados.
Taís Bigarella Lemos é advogado da
área propriedade intelectual do B/Luz Advogados.
Alexandre Elman Chwartzmann é advogado
da área propriedade intelectual do B/Luz Advogados.