O emaranhado de normas
tributárias no ordenamento jurídico brasileiro, suas lacunas e os mais diversos
regimes de tributação existentes certamente tornam o sistema tributário
extremamente complexo, o que acaba por afetar a rotina dos contribuintes no
cumprimento de suas obrigações tributárias principais e acessórias.
Nesse aspecto, não são raras
as vezes em que os contribuintes, em revisão às suas obrigações fiscais,
identificam a realização de pagamentos indevidos ou a maior, levando em
consideração a composição equivocada das bases de cálculo das exações
tributárias.
Ao se depararem com tal
situação, os contribuintes podem se valer de algumas saídas, sendo a mais comum
delas o pedido de compensação dos valores indevidamente recolhidos pela via
administrativa, em conformidade aos artigos 165 e seguintes do Código
Tributário Nacional e 74 da Lei nº 9.430/96 [1], ou
o ajuizamento de ação judicial buscando a repetição do indébito de forma pura e
simples.
O recebimento dos valores
pagos indevidamente mediante ação de Repetição de Indébito, nas palavras do
professor Paulo Conrado, trata-se de instrumento
processual utilizado quando, ao constituir o pagamento indevido e a
correspondente relação do débito do Fisco, busca-se alcançar sentença de
procedência que ostenta efeito condenatório no sentido estrito do termo. De
modo que, desagua em título executivo, na medida em que impõe à Fazenda Pública
a obrigação de pagar a quantia correspondente ao tributo indebitamente
recolhido pelo contribuinte [2].
Todavia, é certo que a
morosidade do Poder Judiciário brasileiro e a dinamicidade das relações
jurídico-financeiras acabam levando os contribuintes a optarem pela primeira
compensação de seus débitos, a qual, nos termos do artigo 74 da Lei nº
9.430/1996, extingue o crédito tributário sob condição resolutória de sua
ulterior homologação. É facultado à Administração, diante de compensação que
repute indevida, glosá-la, suprimindo a eficácia extintiva proveniente, em
princípio, daquela mesma declaração.
Nesse
contexto, nova sistemática encampada pela IN RFB nº 2.055/21 tem limitado, de
forma ilegal e inconstitucional, a discricionariedade dos contribuintes ao se
valerem do instituto da compensação administrativa de débitos fiscais.
Isso porque, no exercício da
faculdade outorgada pelo artigo 170 do CTN c/c artigo 74 da Lei nº
9.430/96, o contribuinte, ao optar por compensar créditos de pagamentos a maior
com débitos vincendos de determinada exação, e tendo transmitido, para tanto,
uma DCOMP, ao vê-la não homologada pela Secretaria da Receita Federal do
Brasil, vê-se impossibilitado de, em continuidade à revisão das suas obrigações
fiscais, identificar, para as mesmas competências, outras parcelas de
pagamentos a maior, opondo como óbice o artigo 74, §3º, VI e §12 da Lei nº
9.430/96 e o artigo 76, IX e X, da IN RFB nº 2.055/21 [3].
Na prática, significa dizer
que o simples fato de haver despachos decisórios não homologando compensações
anteriores tem feito com que a RFB, quando diante de nova compensação, agora
fazendo o uso de créditos distintos, mas originários da mesma competência,
exare despachos sistêmicos automáticos, considerando como não declaradas tais
compensações, tão somente pelo fato de terem sido utilizados créditos originários
da mesma competência objeto da compensação anteriormente não homologada.
Essa limitação,
consubstanciada principalmente no inciso X do artigo 76 da IN RFB nº
2.055/21, não encontra amparo legal, até porque o inciso XI do artigo 76 da Lei
nº 9.430/96 prevê expressa e estritamente que o valor (crédito) de pedido de
restituição ou de ressarcimento já analisado e indeferido pela RFB não pode ser
objeto de ulterior compensação, nada mencionando acerca de crédito não
reconhecido em compensação anterior.
Vale dizer, se o contribuinte
efetuou a compensação de crédito decorrente de pagamento indevido, não obtendo
a homologação, descabe nova compensação, pois todo o montante pago foi
submetido ao crivo do Fisco, que atestou a regularidade do recolhimento.
De outro lado, se a
compensação versa sobre crédito decorrente de pagamento de tributo a maior,
apenas uma parcela do montante total pago é destacada, compensada e submetida
ao crivo do Fisco. Consequentemente, nada obsta que, em caso de indeferimento
deste crédito em particular, o contribuinte faça novas apurações e destaque
outras parcelas do montante global pago indevidamente, que não se confundem com
o crédito não acatado na primeira compensação.
Portanto,
o inciso X do artigo 76 da IN RFB nº 2.055/21 não veda que o contribuinte
apure diversos créditos em relação a uma mesma competência, transmitindo
variadas DCOMPs em momentos diversos. O que se veda é que um crédito
específico, já analisado e indeferido pela RFB, seja objeto de novo pedido de
compensação.
Essa limitação, como se pode
observar, é contrária às disposições da Lei nº 9.430/96, sendo suficiente para
autorizar a realização da compensação via formulário. Isso porque, a RFB, ao
impor sistemicamente decisões automáticas considerando as compensações não declaradas
quando da utilização de crédito vinculado a uma mesma competência anterior
objeto de DCOMP não homologada (mas certamente diferente desse crédito que foi
objeto da compensação anterior), ao fim e ao cabo, está inviabilizando o uso do
PER/DCOMP Web, dadas as graves consequências oriundas desses despachos
automáticos.
Dentre as temerárias
consequências dessa prática ilegal, destaca-se que a compensação considerada
não declarada implica na sua inexistência jurídica, ou seja, para todos os
efeitos legais, equivale a uma compensação nunca realizada.
Esse quadro gera situação
gravíssima, uma vez que os débitos objeto da compensação tida por não
declarada, regularmente declarados em DCTF, serão inscritos em dívida,
incrementando-se seu valor em 20%, causando ao contribuinte todos os
transtornos daí advindos: constrições indevidas de bens, óbices à renovação de
Certidão de Regularidade Fiscal, potencial inscrição do nome da empresa no
Cadin, etc. Tudo isso sem ter sido garantido o direito do contribuinte de,
administrativamente, defender a higidez desse crédito, que, em flagrante
violação à lei e à Constituição, foi considerado objeto de compensação não
declarada.
A situação relatada é atual e
demanda a atenção daqueles que trabalham na prática tributária, uma vez que tem
trazido bastante entraves ao cotidiano jurídico-contábil dos contribuintes
brasileiros, que se veem cada vez mais com direitos suprimidos em razão das
automáticas ilegalidades perpetuadas pela Receita Federal, acarretando, como
sempre, a judicialização de demandas e contribuindo para a dificuldade da
prestação jurisdicional.
Por Lucas
Muniz Tormena é advogado em Balera, Berbel & Mitne Advogados e
especialista em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Pedro
Henrique Fernandes de Marco é advogado em Balera, Berbel e Mitne Advogados
e pós-graduando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC/SP).