Neste
período de campanha, milhares de vagas de trabalhos temporários surgem nos
comitês eleitorais de todo o país. Inúmeros trabalhadores são contratados
para distribuir adesivos para carros, impondo faixas e bandeiras dos
candidatos, entregando panfletos e santinhos, atuando como
"homens-placa" e realizando o trabalho de propaganda política.
Na grande maioria dos casos, o
local de trabalho destas pessoas é à beira de ruas e esquinas, ficando
expostos, durante todo o dia, ao sol, ao perigo e estresse do trânsito
(principalmente em grandes capitais), em pé durante toda sua jornada de
trabalho e na maioria das vezes, sem ter um local adequado
para se alimentar e fazer sua higiene pessoal, impossibilitado inclusive, de
tomar água durante o trabalho.
Assim
como outras questões sobre o Direito do Trabalho, a contratação de
trabalhadores em épocas de campanha também gera muitas controvérsias no âmbito
trabalhista. O principal motivo está na própria Lei 9.504/97 (que dispõe sobre
as normas para as eleições) ao estabelecer, no art. 100, que a contratação de
pessoal para prestação de serviços nas campanhas eleitorais, não gera vínculo
empregatício com o candidato ou partido contratantes.
Entretanto, ao analisarmos o
art. 3º da CLT, extraímos algumas características que também estão
presentes neste tipo de contratação, como pessoalidade, continuidade,
onerosidade e subordinação. Por tais requisitos, poderíamos dizer que está
claro que há uma relação de emprego.
Da mesma forma que há quem
defenda a relação de emprego pelas características extraídas do art. 3º
da CLT, há quem questione o vínculo por conta da ausência das
características, no partido político ou nos candidatos, que se extrai do
conceito de empregador (art. 2º da CLT), já que inexiste atividade
econômica e, tampouco, fins lucrativos.
Assim como qualquer outro
trabalho lícito, estas também são atividades que deveriam ser prestadas nos
moldes do que a legislação trabalhista estabelece, seja em relação ao
horário de trabalho, ao intervalo de descanso, a discriminação das
parcelas salariais que o trabalhador deve receber e o recolhimento dos encargos
sociais.
Como as campanhas políticas são
temporárias, ou seja, elas ocorrem poucos meses antes das eleições, os
trabalhadores contratados para exercer tais atividades poderiam ser regidos
pelo que dispõe a Lei 6.019/74 (trabalho temporário) ou ainda,
pelo que dispõe o § 3º do art. 443 da CLT (trabalho
intermitente), incluído pela reforma trabalhista.
Assim, estas
empresas representariam um papel intermediador entre os
trabalhadores e os vários partidos/candidatos diferentes, de forma
que esta contratação fosse feita por contrato escrito,
onde constariam todos os seus direitos e obrigações, o horário de trabalho,
a forma de remuneração e as condições que o trabalho deveria ser executado.
Entretanto, como veremos a
seguir, o fato é que, hodiernamente, a prestação de serviços dos cabos
eleitorais não é reconhecido como vínculo empregatício, mas apenas
uma prestação de serviços na qualidade de contribuinte individual, conforme
jurisprudências ao final.
Nova Lei de Partidos Políticos e a Ausência
de Vínculo de Emprego
A Lei 13.877 de 27/09/2019 convalidou
o entendimento de que a contratação de pessoal para prestação de serviços nas
campanhas eleitorais, não gera vínculo empregatício com o candidato
ou partido contratantes, ao alterar os seguintes dispositivos:
a) Incluiu a alínea "f" no art. 7º
da CLT: dispondo que a norma trabalhista não se aplica às
atividades de direção e assessoramento nos órgãos, institutos e fundações dos
partidos, assim definidas em normas internas de organização partidária.
b) Incluiu o art. 44-A na Lei 9.096/1995: dispondo
que as atividades de direção exercidas nos órgãos partidários e em suas
fundações e institutos, bem como as de assessoramento e as de apoio
político-partidário, assim definidas em normas internas de organização, não
geram vínculo de emprego, não sendo aplicável o regime jurídico previsto
na CLT, quando remuneradas com valor mensal igual ou superior a 2 (duas)
vezes o limite máximo do benefício do regime geral de previdência social.
De acordo com as novas
alterações, a CLT não se aplica às atividades de direção e
assessoramento dos partidos políticos não só durante o período de campanha, mas
de forma contínua.
Não obstante, a livre
negociação contratual a partir do critério de quem recebe remuneração igual ou
superior ao dobro do limite máximo do benefício previdenciário,
estabelecida no parágrafo único do art. 444 da CLT para os
trabalhadores em geral, também foi estendida às atividades de direção e
assessoramento político-partidário, desvinculando este tipo de trabalho
como vínculo empregatício, nos termos do art. 44-A da Lei 9.096/1995.
É importante destacar que,
conforme estabelece o parágrafo único do art. 1º da Portaria SEPRT
1.409/2019, as atividades
descritas acima não geram vínculo empregatício quando remuneradas com
valor mensal igual ou superior a 2 vezes o limite máximo do benefício
previdenciário.
Extrai-se o entendimento da
citada portaria que os trabalhadores contratados por partidos políticos,
que não estão enquadrados nas respectivas especificações, podem estar sujeitos
às normas da CLT e, portanto, ao reconhecimento do vínculo
empregatício.
Na prática, a relação de trabalho
acaba por atrair a aplicação da legislação trabalhista, trazendo a analogia da
aplicação das normas laborais, requerendo maior prudência por parte dos
candidatos e dos partidos em não praticar injustiças no dia a dia com
estes trabalhadores, principalmente no que tange aos abusos em relação à
jornada de trabalho, excesso de trabalho, bem como na desigualdade de
rendimentos pagos.
Não obstante, o período de
trabalho de 3 meses de campanha não se trata de um período de experiência
para angariar um "carguinho" comissionado, caso o candidato seja
eleito. Isto serve como alerta ao candidato e também ao próprio trabalhador,
para que este exija o cumprimento de seus direitos trabalhistas e
que, independentemente de o candidato ser ou não eleito, as obrigações
trabalhistas durante toda a campanha sejam respeitadas.
Assim como ocorre em qualquer
relação de trabalho, o reconhecimento ou não do vínculo empregatício irá
depender das condições apresentadas em cada caso concreto, pois conforme
jurisprudência abaixo, houve reconhecimento de vínculo num caso de contratação
de pessoal em período anterior à campanha eleitoral.
Obrigações Previdenciárias - Contribuinte Individual
Os candidatos a cargos eletivos
e os partidos políticos equiparam-se a empresa para efeito de recolhimento de
contribuições previdenciárias, nos termos do parágrafo único do artigo 15
da Lei 8.212/1991 e art. 3º, § 4º, III da Instrução
Normativa RFB 971/2009.
Portanto, se o partido político
contrata um contribuinte individual para lhe prestar serviços, além da
contribuição previdenciária patronal (20%, conforme artigo 22, III, da Lei
8.212/91), deve efetuar a retenção de 11% do respectivo contribuinte, além de
reter, se for o caso, o Imposto de Renda na fonte.
Jurisprudências
AGRAVO
DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO. RECURSO DE
REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI N° 13.015/2014. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO
TRABALHO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EM CAMPANHA ELEITORAL. RELAÇÃO DE TRABALHO. No
caso dos autos, conforme consignado pelo Regional, a reclamante foi contratada
para trabalhar na campanha eleitoral do reclamado, realizando propaganda
eleitoral. O Regional destacou que " a reclamante postulou o pagamento de
remuneração de R$ 750,00 pelos serviços prestados de 'campanhista' para o
reclamado na sua campanha eleitoral (fl. 02). Diante da alegação da prestação
de serviços de cabo eleitoral, não há dúvida de que a relação jurídica
estabelecida entre as partes é relação de trabalho lato sensu, o que atrai a
competência desta Justiça Especializada, a teor do artigo 114, I, da CF/88
". O constituinte derivado, ao promulgar a Emenda Constitucional nº
45/2004, teve a inegável intenção de ampliar a competência da Justiça do
Trabalho para incluir em seu âmbito de apreciação as lides oriundas da relação
de trabalho. Assim, a expressão "relação de trabalho" contida no novo
inciso I do artigo 114 da Constituição Federal deve ser interpretada em sentido
amplo para abranger os serviços prestados de forma pessoal, onerosa, eventual
ou permanente, subordinada ou independente, a outra pessoa física ou jurídica,
o que inclui os cabos eleitorais, hipótese dos autos. Precedentes. Agravo de
instrumento desprovido.(...). (AIRR-515-73.2015.5.18.0231, 2ª Turma, Relator
Ministro Jose Roberto Freire Pimenta, DEJT 09/09/2016).
RECURSO ODRINÁRIO. CONTRATAÇÃO
DE PESSOAL EM PERÍODO ANTERIOR À CAMPANHA ELEITORAL. VÍNCULO DE EMPREGO.
VEDAÇÃO DA LEI Nº 9.504/1997, ART. 100. NÃO INCIDÊNCIA. LIAME EMPREGATÍCIO
CONFIGURADO. A lei nº 9.504/1997, art. 100 veda a formação de vínculo
empregatício decorrente da prestação de serviço em período de campanhas
eleitorais em prol de candidato ou coligação. Entretanto, por se tratar de
norma excepcional e restritiva de direitos trabalhistas, não comporta
interpretação ampliativa. Em sendo assim, reconhece-se a configuração de liame
empregatício entre o candidato e o prestador de serviço, quando há evidência de
que o labor se inicial bem antes do período de campanha eleitoral, abrangendo o
ano pretérito, ocasião em que havia mero boato de que o reclamado poderia vir a
figurar como pré-candidato da coligação. Recurso patronal, nesse ponto, não
provido. (TRT-13 - RO: 01563005820125130009, Data de julgamento: 11/06/2013, 2ª
Turma. Data de Publicação: 14/06/2013).
Por Sergio
Ferreira Pantaleão é Advogado, Administrador, responsável técnico pelo Guia
Trabalhista e autor de obras nas áreas Trabalhista e Previdenciária.