O Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) é iniciativa
governamental instituída pela Lei nº 6.321/76 que busca promover a melhoria das
condições nutricionais dos trabalhadores, aumento da qualidade de vida e da
produtividade no ambiente laboral.
A contraponto, as despesas incorridas para estabelecimento do PAT
pelas empresas geram a possibilidade de dedutibilidade em dobro do valor
dispendido e destinado ao PAT, com limites estabelecidos em lei, gerando a
redução do Imposto de Renda para Pessoas Jurídicas (IRPJ).
Contudo, recentes modificações legislativas promovidas pelo
Decreto nº 10.854/2021 reduzem ilegalmente os benefícios fiscais, gerando
judicialização do tema com recentes decisões favoráveis aos contribuintes.
Em resumo, as ilegalidades que vem sendo revertidas são:
(i) Estipulação de redução do benefício do imposto de renda
devido, enquanto a lei estabeleceu a dedução diretamente do lucro tributável,
gerando assim um aumento ilegal do tributo a pagar;
(ii) Determinação que a dedução seria do valor equivalente à
aplicação da alíquota do IR sobre as despesas de custeio do PAT, enquanto a Lei
prescreve a dedução do lucro tributável do dobro das despesas com o PAT;
(iii) Estabelecimento de limitação de dedução dos
funcionários que recebam até 5 salários-mínimos; e,
(iv) Obrigação de abranger apenas a parcela do benefício que
não exceda a um salário mínimo.
Vejamos detalhadamente sobre o assunto adiante.
1.
HISTÓRICO LEGISLATIVO E BENEFÍCIOS FISCAIS DO PAT:
Como forma de estimular a adesão ao programa, o art. 1º da Lei nº
6.321/76 autoriza que a pessoa jurídica adepta ao PAT deduza, na apuração do
lucro tributável para fins de IRPJ, o dobro das despesas comprovadamente
incorridas com o programa.
Retornando ao previsto pelo Decreto nº 5/91 - que regulamentava a
Lei nº 6.321/76 -, o Decreto nº 10.854/2021 recentemente publicado determina
que os gastos com o PAT sejam deduzidos em dobro somente do Imposto de
Renda devido do montante equivalente à aplicação da alíquota básica sobre
referidas despesas, desconsiderando a expressão "lucro tributável" prevista na
Lei nº 6.321/76.
Deste modo, o Decreto nº 10.854/21 reduziu ilegalmente o benefício
estabelecido em lei, ou seja, deixando de fora do cálculo de apuração do
crédito o valor do imposto devido em decorrência do adicional de 10% do IRPJ.
A edição e publicação do Decreto nº 10.854/21, contudo, não foi
sem motivo. Isto porque a jurisprudência, inclusive do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), tem reiteradamente decidido pela ilegalidade promovida por
decretos que reduzem o teor estabelecido em lei, sobretudo em discussões
envolvendo o Decreto nº 5/91 e suas instruções normativas.
Portanto, a promulgação do Decreto nº 10.854/21 é roupa nova para
um antigo parasita, maldosamente travestido para evitar a discussão por meio do
processo legislativo.
Referida previsão, destaque-se, acarreta na majoração ilegal do
valor a ser recolhido a título de IRPJ, uma vez que, de acordo com o que dispõe
a Lei nº 6.321/76, os gastos com PAT devem ser deduzidos diretamente do lucro
tributável, que reflete não só no imposto a recolher à alíquota básica mas
também de seu adicional de 10%.
Como o Decreto extrapolou os limites da Lei, ao diminuir as
despesas dedutíveis e, portanto, aumentar o IRPJ a pagar, milhões de
contribuintes procuraram o Poder Judiciário que, de modo quase unanime, afastou
as ilegais limitações do Decreto.
O Decreto nº 10.854/2021 revogou o Decreto nº 5/91, porém, também
de modo ilegal, mitigou a Lei nº 6.321/76 ao limitar as despesas dedutíveis com
o PAT, majorando, portanto, o valor de IRPJ a pagar.
Como o Decreto extrapolou os limites da Lei, ao diminuir as
despesas dedutíveis e, portanto, aumentando o IRPJ a pagar, milhões de
contribuintes procuraram o Poder Judiciário que, de modo quase unanime, afastou
as ilegais limitações do Decreto.
2.
AS ILEGALIDADES DO DECRETO Nº 10.854/2021:
O art. 186 do novo Decreto prevê que o benefício fiscal da
dupla dedução do PAT abarcará apenas a parcela do benefício pago ao trabalhador
que não exceder o limite de um salário-mínimo.
Além disso, apenas os benefícios pagos a trabalhadores que
percebam remuneração de até cinco salários-mínimos é que estarão
abarcados pela dupla dedução.
"§ 1º A dedução de que trata o art. 641:
I - será aplicável em relação aos valores despendidos para os
trabalhadores que recebam até cinco salários mínimos e poderá
englobar todos os trabalhadores da empresa beneficiária, nas hipóteses de
serviço próprio de refeições ou de distribuição de alimentos por meio de
entidades fornecedoras de alimentação coletiva; e
II - deverá abranger apenas a parcela do benefício que
corresponder ao valor de, no máximo, um salário-mínimo" (destacamos)
As limitações quantitativas veiculadas no Decreto nº 10.854/2021
reduzem a abrangência do benefício fiscal sem encontrar amparo na
lei, tendo em vista que a Lei nº 6.321/76 prevê que o contribuinte está
autorizado a deduzir o dobro das despesas efetuadas com o PAT no momento da
apuração do lucro tributável, para que, somente após tal dedução, encontre
a base de cálculo do IRPJ, sobre a qual incidirá, enfim, a
alíquota regular do imposto (15%), bem como o respectivo adicional de alíquota
(10%):
"Art. 1º As pessoas jurídicas poderão deduzir, do lucro tributável
para fins do imposto sobre a renda o dobro das despesas comprovadamente
realizadas no período base, em programas de alimentação do trabalhador,
previamente aprovados pelo Ministério do Trabalho na forma em que dispuser o
Regulamento desta Lei." (destacamos)
O referido dispositivo legal não prevê qualquer limitação ao
montante da despesa, ao contrário, assegura o direito de o contribuinte deduzir
o dobro da base de cálculo do IRPJ.
Em termos práticos, o Decreto nº 10.854/21 o institui duas
limitações quantitativas para fruição do benefício fiscal da dupla dedução do
PAT.
a) valores dispendidos com a alimentação de trabalhadores que
recebam remuneração de, no máximo, cinco salários-mínimos;
b) a parcela do gasto que não superar o valor de um salário-mínimo por
trabalhador.
Vejamos o quadro comparativo:
3.
JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA
À época, o Superior Tribunal de Justiça firmou jurisprudência
pacífica no sentido de que a imposição de limitação do valor das refeições por
ato infralegal viola o princípio da legalidade:
"TRIBUTÁRIO. PROGRAMA DE ALIMENTAÇÃO DO TRABALHADOR-PAT. IMPOSTO
DE RENDA. INCENTIVO FISCAL. LEI Nº 6.321/76. LIMITAÇÃO. PORTARIA
INTERMINISTERIAL Nº 326/77 E INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 143/86. OFENSA. PRINCÍPIOS
DA LEGALIDADE E DA HIERARQUIA DAS LEIS.
1. A Portaria Interministerial nº 326/77 e a Instrução
Normativa nº 143/86, ao fixarem custos máximos para as refeições individuais
como condição ao gozo do incentivo fiscal previsto na Lei nº 6.321/76, violaram
o princípio da legalidade e da hierarquia das leis, porque extrapolaram os
limites do poder regulamentar. Precedentes.
2. Recurso especial não provido.
(REsp 990313/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA,
julgado em 19.02.2008, DJ 06.03.2008 - destacamos)"
Por meio do Parecer nº 2623 /2008, a PGFN assume
textualmente a orientação pacífica do STJ:
A Fazenda Nacional tem defendido, em juízo, a legalidade dos
referidos atos normativos. Todavia, o e. Superior Tribunal de Justiça entende
que essas limitações são ilegais, posto que estabelecidas por normas
hierarquicamente inferiores, que, indevidamente, restringem lei ordinária; que
a fixação dos valores máximos das refeições através de portaria e instrução
normativa viola o princípio da hierarquia das normas, eis que extrapolam o
poder regulamentar. (destacamos)
E NÃO É SÓ!
O artigo 188 do Decreto nº 10.854/2021 estabelece que as alterações
promovidas pelo artigo 186 do Decreto entrarão em vigor trinta dias após a data
de sua publicação, ou seja, a partir do dia 10.12.2021, violando, assim, o
princípio da anterioridade anual.
Tratando-se de benefício fiscal relativo ao IRPJ, a
previsão legal é bastante clara: norma que institui ou majora tributos não terá
aptidão para produzir seus efeitos no mesmo exercício financeiro da publicação
do dispositivo legal, para que o contribuinte goze de tempo razoável para
adequar-se à nova exposição tributária.
4.
ILEGALIDADE DO DECRETO Nº 10.854/21 E JURISPRUDÊNCIA RECENTE
A jurisprudência atual é sólida no sentido da ilegalidade do
Decreto nº 10.854/2021.
No Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), a
desembargadora da 4ª Turma, Monica Autran Machado Nobre, confirmou liminar que
já havia sido concedida em primeira instância. Entendeu que a jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) "é firme no sentido de que as normas
infralegais que estabelecem custos máximos das refeições individuais dos
trabalhadores para fins de cálculo da dedução do PAT, bem como aquelas que
alteram a base de cálculo da referida dedução para fazê-la incidir
no IRPJ resultante, ofendem os princípios da estrita legalidade e da
hierarquia das normas"
Na mesma toada, a Justiça Federal do Rio Grande do Sul (JFRS),
deferiu medida liminar restando consignado que "No mesmo sentido, as
disposições do art. 186 do Decreto nº 10.854/21, que restringem a dedução do
PAT a valores pagos a título de alimentação para os trabalhadores que recebam
até cinco salários-mínimos, limitada a dedução ao valor de, no máximo, um
salário-mínimo, impõem limitações a benefício fiscal não previstas em lei
e consubstanciam nova extrapolação do poder regulamentar, potencialmente
ilegal."
5.
MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.108 E O PAT
Em razão de inúmeras decisões favoráveis, o Governo Federal,
tentou - de forma frustrada - remediar as ilegais limitações previstas, para a
dedução das despesas com o PAT.
Nesse sentido, em 25 de março de 2022 foi publicada a Medida
Provisória nº 1.108 - mais conhecida como MP do trabalho híbrido - que modifica
o artigo 1º da Lei do PAT - a nº 6.321, de 1976, incluindo, no texto original,
que as empresas poderão fazer as deduções "na forma e de acordo com os limites
em que dispuser o decreto que regulamenta a lei", sem, contudo, alterar as
disposições que, de fato, levam à ilegalidade do Decreto nº 10.854/21.
Isso não modifica o entendimento da ilegalidade do Decreto nº
10.854/2021, já que, como amplamente exposto, ele extrapola os limites da Lei,
o que é vedado pelo princípio da legalidade e hierarquia das normas, vez que a
Medida Provisória não alterou a parte dispositiva da Lei nº 6.321/76 que trata
sobre o benefício propriamente dito.
Por Maria
Lucia de Moraes Luiz - Mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP Coordenadora
em Direito Tributário da TECH Advogados