O Imposto Sobre Serviços de Qualquer
Natureza (ISS) está previsto no artigo 156, inciso III, da CF, que outorga aos
municípios a competência para sua instituição, cujo fato gerador é a prestação
de serviços não compreendidos no artigo 155, inciso II e constantes de lista
instituída por lei complementar.
Por sua vez, o artigo 146, III, da CF [1] atribui ao legislador complementar a competência
para dispor sobre normas gerais em matéria tributária que devem,
necessariamente, ser observadas pelos entes tributantes.
O Decreto-Lei 406/68, recepcionado como lei
complementar pela Constituição de 1988 [2] instituiu
no seu artigo 9, §§1º e 3º [3], tributação
diferenciada do ISS para determinados serviços cuja profissão é regulamentada
por lei, inclusive se prestados pelas respectivas sociedades, hipótese em que o
tributo é calculado em razão do número de sócios e profissionais habilitados e
não sobre o faturamento (preço do serviço), o que permanece vigente.
Contudo, a Lei Municipal de São Paulo nº
17.719, de 26.11. 2021 [4], que entrou em vigor a
partir de 1º de janeiro de 2022, alterou o §12 do artigo 15 da Lei Municipal nº
13.701/03 que previa a cobrança do ISS das sociedades uniprofisssionais de
acordo com o Decreto-Lei nº 406/68 e instituiu faixas de receita bruta mensal
para a determinação do valor de imposto devido, em razão da quantidade de
número de sócios.
Em outras palavras, quanto maior for a
quantidade de profissionais habilitados na sociedade, maior será o valor
previsto que deverá ser multiplicado por cada um deles para se aferir o ISS
devido, em manifesta afronta ao Decreto-Lei 406/68 que não autoriza essa
distinção entre o serviço prestado de forma autônoma ou por profissionais
reunidos em sociedade, conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal [5]
Portanto, a lei paulistana alterou a base
de cálculo do ISS devido pelas sociedades de profissionais habilitados, em
evidente violação ao artigo 146, III, a da CF.
No que se refere à sociedade de advogados,
cujo item 88 consta do artigo 9º§3º do DL nº 406/68, o STF julgou o Recurso
Extraordinário nº 940.769/RS para reconhecer a inconstitucionalidade da legislação
do município de Porto Alegre que previu excludentes do regime diferenciado,
oportunidade em que fixou o Tema 918, segundo o qual "é incabível lei
municipal instituidora de ISSQN dispor de modo divergente sobre base de cálculo
do tributo, por ofensa direta ao artigo 146, III, a, da Constituição da
República".
Com base nesse precedente, as sociedades de
advogados obtiveram sentença concedendo a segurança nos autos no Mandado de
Segurança Coletivo [6] para reconhecer a
ilegalidade e inconstitucionalidade da Lei Municipal de São Paulo nº
17.719/2021, afastar sua aplicação e assegurar o recolhimento do ISS nos termos
do artigo 15 da Lei Municipal nº 13.701/03.
Da mesma forma, o Tribunal de Justiça de
São Paulo [7], manteve a liminar que afastou a
cobrança do ISS progressivo para as sociedades de médicos no Mandado de
Segurança Coletivo [8] impetrado pela
Associação Paulista de Medicina (APM) mantendo o recolhimento do ISS calculado
pelo número de sócios e profissionais habilitados, independentemente da sua
quantidade.
Assim como é ilegal e inconstitucional a
alteração perpetrada pela lei municipal de São Paulo para alguns dos segmentos
elencados no §3º do artigo 9º do Decreto-Lei 406/68 (sociedades de advogados e
de médicos), também o é para os demais lá previstos.
Isso porque a tributação especial do artigo
9º, §§1º e 3º do Decreto-Lei nº 406/68, recepcionado pelo STF como Lei
Complementar, elege outros serviços de profissão regulamentada, como os
prestados por contadores, economistas, engenheiros, arquitetos, dentistas,
cujos profissionais possuem responsabilidade pessoal na prestação de serviço,
independentemente de estarem reunidos em uma sociedade, para fins de tributação
diferenciada de ISS.
Portanto, a indevida alteração perpetrada
pela legislação do município de São Paulo que alterou a base de cálculo do ISS
de todas as sociedades de profissionais constantes do artigo 9º, §3º do
Decreto-Lei nº 406/68 deverá ser afastada pelo Poder Judiciário, sob pena de
incorrer em manifesto tratamento anti-isonômico às demais sociedades que se
encontram exatamente na mesma situação, e que tiveram sua base de cálculo
alargada pela Lei 17.710/21, o que é vedado pelo artigo 150, II da Constituição
Federal, na medida em que proíbe a instituição de tratamento desigual entre
contribuintes que se encontram na mesma situação [9].
Portanto, as sociedades, cujo objeto social
constam do §3ª do Decreto-lei 406/68 foram prejudicadas com a inconstitucional
alteração legislativa paulistana razão pela qual devem se socorrer do
Judiciário, a fim de obter tutela jurisdicional que suspenda a exigibilidade da
diferença indevidamente majorada pela Lei Municipal de São Paulo nº 17.719/
2021 que alterou a Lei Municipal nº 13.701/03.
[1] "Cabe à lei complementar:
(...)
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária,
especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos
discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de
cálculo e contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito,
prescrição e decadência tributários;(...)"
[2] STF - Pleno
RE 220.323 e 76723/SP.
[3] Artigo 9º A
base de cálculo do imposto é o preço do serviço §1º Quando se tratar de
prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte,
o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função
da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não
compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.
(...)
§3° Quando os serviços a que se referem os
itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da lista anexa forem prestados por
sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do §1°, calculado em
relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste
serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos
termos da lei aplicável.
[4] §12. As
faixas de receita bruta mensal são:
I - R$ 1.995,26 (mil novecentos e noventa e
cinco reais e vinte e seis centavos) multiplicados pelo número de profissionais
habilitados, até cinco profissionais habilitados;
II - R$ 5.000 multiplicados pelo número de
profissionais habilitados, para o número de profissionais que superar cinco,
até dez profissionais habilitados;
III - R$ 10.000 multiplicados pelo número
de profissionais habilitados, para o número de profissionais que superar dez,
até vinte profissionais habilitados;
IV - R$ 20.000 multiplicados pelo número de
profissionais habilitados, para o número de profissionais que superar 20, até
30 profissionais habilitados;
V - R$ 30.000 multiplicados pelo número de
profissionais habilitados, para o número de profissionais que superar 30, até
50 profissionais habilitados;
VI - R$ 40.000 multiplicados pelo número de
profissionais habilitados, para o número de profissionais que superar 50, até
100 profissionais habilitados;
VII - R$ 60.000 multiplicados pelo número
de profissionais habilitados, para o número de profissionais que superar 100.
[5] "Também
não há falar que as citadas disposições legais, §§1° e 3º, do artigo 9º,
do DL 406/68, seriam ofensivas ao princípio da igualdade tributária,
artigo 150, II, da C.F. Os §§1º e 3º, do artigo 9°, do DL.
406/68 cuidam de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do
próprio contribuinte. E se os tais serviços forem prestados por sociedades o
imposto será calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio,
empregado ou não". 26/05/99 - Recurso Extraordinário nº
236.604-7 PR
[6] Mandado de
segurança coletivo nº 1005773-78.2022.8.26.0053 impetrado pela Ordem
dos Advogados do Brasil - Seção de São Paulo ("OAB/SP"), Centro
de Estudos das Sociedades de Advogados ("Cesa"), e o Sindicato das
Sociedades de Advogados dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro
("Sinsa").
[7] Agravo de
Instrumento nº. 2127342-91.2022.8.26.0000
[8] Processo
nº 1024691-33.2022.8.26.0053.
[9] Artigo 150.
Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União,
aos Estados, ao Distrito Federal e aos
municípios:
(...)
II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em
situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação
profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação
jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
Daniele
Lambert da Cunha é sócia do Escritório Eduardo Jardim Advogados Associados
e advogada tributarista.
Luciana
Nini Manente é doutora e mestre pela PUC-SP, sócia do Escritório Eduardo
Jardim Advogados Associados e advogada tributarista.
Fonte:
Revista Consultor Jurídico,