Indubitavelmente, o contrato de trabalho do
empregado doméstico sempre foi alvo de muitas dúvidas e grandes desafios, em
especial diante das peculiaridades que abrangem essa relação jurídica
trabalhista.
Nessa perspectiva, muitas pessoas
desconhecem a legislação aplicável, assim como os direitos e garantias
assegurados ao empregado doméstico.
Aliás, impende destacar que, além da
incompreensão das normas que norteiam tal relação, o trabalho doméstico nem
sempre obtém o devido reconhecimento e valorização, dada as suas raízes
históricas relacionadas à própria escravidão.
Segundo os dados do Departamento
Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) [1], as mulheres simbolizam 92% das pessoas ocupadas
trabalho doméstico, das quais 65% são negras.
Por outro ângulo, as informações da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrou que, em um ano,
conquanto identificado o crescimento dos trabalhadores domésticos, certo é que,
porém, 75% não tem carteira assinada [2].
Recentemente, num caso veiculado pela
mídia, uma empregada doméstica de 84 anos foi resgatada de condições análogas
às de escravo. Isso, frise-se, após 72 anos de trabalho para três gerações de
uma mesma família na cidade do Rio de Janeiro [3].
Noutro giro, o Tribunal Superior do
Trabalho manteve a condenação ao pagamento da indenização de R$ 1 milhão a uma
empregada doméstica que viveu também em situação análoga à escravidão por 29
anos [4].
Do ponto de vista normativo no Brasil, os
direitos constitucionais assegurados ao trabalhador doméstico estão esculpidos
no parágrafo único do artigo 7º da Carta Magna [5]. Outrossim, a Lei
Complementar nº 150, de 1º de junho de 2015 [6], trouxe novas diretrizes
ao contrato de trabalho do empregado doméstico.
Acerca do tema, oportunos são os
ensinamentos do professor Henrique Correa [7]:
"Com a
publicação da EC nº 72/2013, diversos direitos trabalhistas foram assegurados
aos empregados domésticos. No entanto, parte dos direitos concedidos estava
pendente de regulamentação. Após mais dois anos da publicação da Emenda
Constitucional, o Congresso Nacional finalmente editou a Lei Complementar nº
150, de 1º de junho de 2015 (publicada no Diário Oficial da União no dia
2/6/2015), responsável por regulamentar os direitos assegurados aos domésticos.
Vale destacar que a
promulgação da LC nº 150/2015 é um nítido avanço nas conquistas e garantias dos
direitos sociais dos trabalhadores domésticos. É um importante instrumento
desses empregados, uma vez que, com o respaldo legal e constitucional, poderão
exigir melhores condições de trabalho. Além disso, consiste em máxima
efetividade do texto constitucional, uma vez que assegura que todos os direitos
trabalhistas concedidos possam ser efetivamente exigidos aplicados".
Do ponto de vista internacional, a
Convenção 189 [8] da Organização Internacional do Trabalho dispõe
sobre o trabalho decente para as trabalhadoras e os trabalhadores domésticos.
Dito isso, na prática, um ponto que traz
muita controvérsia na esfera judicial diz respeito às horas extras do empregado
doméstico. Isto porque essa questão comumente é negligenciada pelo empregador.
Por um lado, o empregador doméstico, na maioria
das vezes, é uma pessoa física, de modo que o ambiente laboral na residência se
difere de uma empresa; lado outro, justamente por existir tal diferença, a
jornada de trabalho acaba não sendo fiscalizada, podendo acarretar desavenças
futuras.
Nesse desiderato, a Lei Complementar nº
150/15, norma especial aplicada ao âmbito do labor doméstico, afirma
textualmente, em seu artigo 12, que "é
obrigatório o registro do horário de trabalho do empregado doméstico por
qualquer meio manual, mecânico ou eletrônico, desde que idôneo". Por
isso é inaplicável o §2º do artigo 74 da Consolidação das Leis do
Trabalho [9], o qual somente exige o controle de jornada nos casos de
haver mais de 20 empregados no estabelecimento.
Logo, a fim de evitar violação à limitação
de jornada estabelecida nas normas constitucional e infraconstitucional, o
empregador doméstico deve ser cauteloso e fiscalizar a jornada de seu
empregado, ainda que seja apenas um único trabalhador.
Entrementes, a LC nº 150/15 disciplina
questões específicas ao trabalhador doméstico que labora e reside no mesmo
local [10], notadamente quanto ao intervalo para repouso ou alimentação.
E, mais, muitos empregados domésticos acompanham o seu empregador em suas
viagens, principalmente, quando desempenham a função de babá.
Nesse panorama, a Lei Complementar nº
150/15, em seu artigo 11 [11], dispõe que, nessa hipótese, este
acompanhamento deverá ser condicionado mediante um acordo escrito entre as
partes e, ainda, que serão somente computadas as horas efetivamente trabalhadas
durante a viagem.
Já com o objetivo de promover a
concretização das garantias fundamentais e extinguir as situações de
exploração, o Ministério Público do Trabalho lançou uma cartilha de direitos da
trabalhadora doméstica [12]. De igual modo, diversas entidades têm
promovido a campanha "Trabalho
Escravo Doméstico Nunca Mais", que conta com o apoio ONU
Mulheres e da Organização Internacional do Trabalho [13].
Em arremate, vale lembrar que é dever de
todos evitar que os direitos humanos e fundamentais do trabalhador doméstico
sejam desrespeitos, ressaltando-se que tal empregado desempenha uma atividade
extremamente importante e digna, devendo obter o reconhecimento merecido.
[8] Disponível em https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-domestico/WCMS_169517/lang--pt/index.htm.
Acesso em 13/7/2022.
Autores:
Ricardo Calcini é mestre em Direito do
Trabalho pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador
trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da revista Síntese
Trabalhista e Previdenciária, coordenador acadêmico do projeto "Prática
Trabalhista" (ConJur), membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito
Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo
(Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.
Leandro Bocchi de Moraes é pós-graduado lato sensu em Direito do
Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito,
pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP,
pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade
de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia
Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação
Paulista de Judô e pesquisador do núcleo "O Trabalho Além do Direito do
Trabalho", da USP.
Nota
M&M:
A M&M disponibiliza uma área específica para atendimento aos empregadores
domésticos visando auxiliá-los no cumprimento das obrigações trabalhistas,
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Fonte: Revista Consultor Jurídico, com "nota" da M&M
Assessoria Contábil.