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Reflexões acerca do contrato de trabalho do empregado doméstico


Publicada em 26/07/2022 às 11:00h 


Indubitavelmente, o contrato de trabalho do empregado doméstico sempre foi alvo de muitas dúvidas e grandes desafios, em especial diante das peculiaridades que abrangem essa relação jurídica trabalhista.


Nessa perspectiva, muitas pessoas desconhecem a legislação aplicável, assim como os direitos e garantias assegurados ao empregado doméstico.


Aliás, impende destacar que, além da incompreensão das normas que norteiam tal relação, o trabalho doméstico nem sempre obtém o devido reconhecimento e valorização, dada as suas raízes históricas relacionadas à própria escravidão.


Segundo os dados do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) [1], as mulheres simbolizam 92% das pessoas ocupadas trabalho doméstico, das quais 65% são negras.


Por outro ângulo, as informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrou que, em um ano, conquanto identificado o crescimento dos trabalhadores domésticos, certo é que, porém, 75% não tem carteira assinada [2].


Recentemente, num caso veiculado pela mídia, uma empregada doméstica de 84 anos foi resgatada de condições análogas às de escravo. Isso, frise-se, após 72 anos de trabalho para três gerações de uma mesma família na cidade do Rio de Janeiro [3].


Noutro giro, o Tribunal Superior do Trabalho manteve a condenação ao pagamento da indenização de R$ 1 milhão a uma empregada doméstica que viveu também em situação análoga à escravidão por 29 anos [4].


Do ponto de vista normativo no Brasil, os direitos constitucionais assegurados ao trabalhador doméstico estão esculpidos no parágrafo único do artigo 7º da Carta Magna [5]. Outrossim, a Lei Complementar nº 150, de 1º de junho de 2015 [6], trouxe novas diretrizes ao contrato de trabalho do empregado doméstico.


Acerca do tema, oportunos são os ensinamentos do professor Henrique Correa [7]:


"Com a publicação da EC nº 72/2013, diversos direitos trabalhistas foram assegurados aos empregados domésticos. No entanto, parte dos direitos concedidos estava pendente de regulamentação. Após mais dois anos da publicação da Emenda Constitucional, o Congresso Nacional finalmente editou a Lei Complementar nº 150, de 1º de junho de 2015 (publicada no Diário Oficial da União no dia 2/6/2015), responsável por regulamentar os direitos assegurados aos domésticos.


Vale destacar que a promulgação da LC nº 150/2015 é um nítido avanço nas conquistas e garantias dos direitos sociais dos trabalhadores domésticos. É um importante instrumento desses empregados, uma vez que, com o respaldo legal e constitucional, poderão exigir melhores condições de trabalho. Além disso, consiste em máxima efetividade do texto constitucional, uma vez que assegura que todos os direitos trabalhistas concedidos possam ser efetivamente exigidos aplicados".


Do ponto de vista internacional, a Convenção 189 [8] da Organização Internacional do Trabalho dispõe sobre o trabalho decente para as trabalhadoras e os trabalhadores domésticos.


Dito isso, na prática, um ponto que traz muita controvérsia na esfera judicial diz respeito às horas extras do empregado doméstico. Isto porque essa questão comumente é negligenciada pelo empregador.


Por um lado, o empregador doméstico, na maioria das vezes, é uma pessoa física, de modo que o ambiente laboral na residência se difere de uma empresa; lado outro, justamente por existir tal diferença, a jornada de trabalho acaba não sendo fiscalizada, podendo acarretar desavenças futuras.


Nesse desiderato, a Lei Complementar nº 150/15, norma especial aplicada ao âmbito do labor doméstico, afirma textualmente, em seu artigo 12, que "é obrigatório o registro do horário de trabalho do empregado doméstico por qualquer meio manual, mecânico ou eletrônico, desde que idôneo". Por isso é inaplicável o §2º do artigo 74 da Consolidação das Leis do Trabalho [9], o qual somente exige o controle de jornada nos casos de haver mais de 20 empregados no estabelecimento.


Logo, a fim de evitar violação à limitação de jornada estabelecida nas normas constitucional e infraconstitucional, o empregador doméstico deve ser cauteloso e fiscalizar a jornada de seu empregado, ainda que seja apenas um único trabalhador.


Entrementes, a LC nº 150/15 disciplina questões específicas ao trabalhador doméstico que labora e reside no mesmo local [10], notadamente quanto ao intervalo para repouso ou alimentação. E, mais, muitos empregados domésticos acompanham o seu empregador em suas viagens, principalmente, quando desempenham a função de babá.


Nesse panorama, a Lei Complementar nº 150/15, em seu artigo 11 [11], dispõe que, nessa hipótese, este acompanhamento deverá ser condicionado mediante um acordo escrito entre as partes e, ainda, que serão somente computadas as horas efetivamente trabalhadas durante a viagem.


Já com o objetivo de promover a concretização das garantias fundamentais e extinguir as situações de exploração, o Ministério Público do Trabalho lançou uma cartilha de direitos da trabalhadora doméstica [12]. De igual modo, diversas entidades têm promovido a campanha "Trabalho Escravo Doméstico Nunca Mais", que conta com o apoio ONU Mulheres e da Organização Internacional do Trabalho [13].


Em arremate, vale lembrar que é dever de todos evitar que os direitos humanos e fundamentais do trabalhador doméstico sejam desrespeitos, ressaltando-se que tal empregado desempenha uma atividade extremamente importante e digna, devendo obter o reconhecimento merecido.

 


[1] Disponível em https://www.dieese.org.br/infografico/2022/trabalhoDomestico.html. Acesso em 13/7/2022.


[2] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/business/informalidade-volta-a-crescer-e-ajuda-a-derrubar-renda-no-pais-aponta-ibge/. Acesso em 13/7/2022.


[3] Disponível em https://reporterbrasil.org.br/2022/05/mulher-e-resgatada-apos-72-anos-de-trabalho-escravo-domestico-no-rio/. Acesso em 13/7/2022.


[4] Disponível em https://www.tst.jus.br/-/indeniza%C3%A7%C3%A3o-de-r-1-milh%C3%A3o-%C3%A9-destinada%C2%A0a-empregada-dom%C3%A9stica-que-viveu-26-anos-em-situa%C3%A7%C3%A3o-an%C3%A1loga-%C3%A0-escravid%C3%A3o. Acesso em 13/7/2022.


[5] Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social.


[6] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp150.htm. Acesso em 13/7/2022


[7] Curso de Direito do Trabalho, 6ª edição. rev. atualizada e ampliada. 2021. Editora Juspodivm. página 229 e 230.


[8] Disponível em https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-domestico/WCMS_169517/lang--pt/index.htm. Acesso em 13/7/2022.


[9] Art. 74. O horário de trabalho será anotado em registro de empregados. § 2º. Para os estabelecimentos com mais de 20 (vinte) trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções expedidas pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, permitida a pré-assinalação do período de repouso.


[10] Art. 13. É obrigatória a concessão de intervalo para repouso ou alimentação pelo período de, no mínimo, 1 (uma) hora e, no máximo, 2 (duas) horas, admitindo-se, mediante prévio acordo escrito entre empregador e empregado, sua redução a 30 (trinta) minutos. § 1o Caso o empregado resida no local de trabalho, o período de intervalo poderá ser desmembrado em 2 (dois) períodos, desde que cada um deles tenha, no mínimo, 1 (uma) hora, até o limite de 4 (quatro) horas ao dia.


[11] Art. 11. Em relação ao empregado responsável por acompanhar o empregador prestando serviços em viagem, serão consideradas apenas as horas efetivamente trabalhadas no período, podendo ser compensadas as horas extraordinárias em outro dia, observado o art. 2o.§ 1o O acompanhamento do empregador pelo empregado em viagem será condicionado à prévia existência de acordo escrito entre as partes. § 2o A remuneração-hora do serviço em viagem será, no mínimo, 25% (vinte e cinco por cento) superior ao valor do salário-hora normal.§ 3o O disposto no § 2o deste artigo poderá ser, mediante acordo, convertido em acréscimo no banco de horas, a ser utilizado a critério do empregado.


[12] Disponível em https://mpt.mp.br/pgt/publicacoes/cartilhas/cartilha-direitos-das-trabalhadoras-domesticas/@@display-file/arquivo_pdf#:~:text=No%20Brasil%2C%20segundo%20os%20dados,a%20import%C3%A2ncia%20da%20atividade%20econ%C3%B4mica. Acesso em 13/7/2022.


[13] Disponível em https://brasil.un.org/pt-br/186685-agencias-da-onu-apoiam-campanha-de-combate-ao-trabalho-escravo-domestico. Acesso em 13/7/2022.



Autores:

Ricardo Calcini é mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador acadêmico do projeto "Prática Trabalhista" (ConJur), membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.


Leandro Bocchi de Moraes é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo "O Trabalho Além do Direito do Trabalho", da USP.



Nota M&M:
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Fonte: Revista Consultor Jurídico, com "nota" da M&M Assessoria Contábil.






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