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Vinculação de administradores ao acordo de acionistas


Publicada em 14/09/2022 às 09:00h 

Apesar da grande relevância prática, há pouco debate sobre a vinculação do acordo de acionista aos administradores e sobre o polêmico parágrafo 8 do artigo 118 da Lei nº 6.404/1976 (LSA), sendo certo que, até o momento, não há posição consolidada na doutrina sobre o tema.



O referido parágrafo define que "o presidente da assembleia ou do órgão colegiado de deliberação da companhia não computará o voto proferido com infração de acordo de acionistas devidamente arquivado". De um lado, alguns autores defendem a possibilidade absoluta da vinculação ao acordo, privilegiando, portanto, a soberania do poder de controle. De outro, há aqueles autores que, mais alinhados com os debates modernos de governança corporativa e independência dos administradores no cumprimento de seus deveres fiduciários, defendem a impossibilidade da vinculação em função da presunção de imparcialidade que é exigida nas deliberações da administração.



Este debate é ainda mais interessante quando estamos diante de um parecer prévio (mecanismo que pode ser previsto em acordo de acionistas) formulado em assembleia geral para orientação de voto dos conselheiros em reunião do conselho de administração. Muito embora os conselheiros sejam indicados pelos acionistas em sede de assembleia geral, quando o conselheiro julga que a orientação de voto apresentada pelo acionista é incompatível com o interesse social, ou com a lei, a problemática se instala.



Daí, naturalmente, surgem algumas dúvidas, cujas respostas envolvem um certo grau de complexidade e subjetividade: (1) as disposições de um acordo podem invadir e se sobrepor ao campo de competência típico do conselho de administração? (2) o parecer prévio é vinculante aos conselheiros ou seria apenas uma recomendação de conduta?; (3) seria o interesse dos acionistas sempre o interesse social? E se o administrador discordar do acionista sobre o que seria o melhor interesse social? Ainda assim ele responderá pelos seus deveres fiduciários?



Neste caso vislumbramos dois possíveis cenários: (1) ainda que em discordância, o conselheiro pode acatar a orientação do acionista (em alguns casos, fazendo constar em ata a ressalva de que, apesar de julgá-la incompatível ao interesse social ou à lei, entende estar vinculado ao acordo de acionistas que o elegeu); ou (2) o conselheiro pode seguir a sua convicção e não acatar a orientação, privilegiando o seu próprio entendimento e priorizando os seus respectivos deveres fiduciários.



Bom, primeiramente é necessário dar um passo atrás para analisar brevemente a natureza e efeitos jurídicos dos acordos de acionistas. Diferentemente do que ocorre em outros países, acordo de acionistas possui uma posição peculiar no ordenamento jurídico brasileiro, sendo definido como um "acordo parasocial", que nada mais é que um instrumento que visa definir regras externas ao contrato da sociedade. Assim, os acordos de acionistas são considerados estruturas paralelas à organização tipicamente societária, sujeitas a um regime contratual obrigacional e ingressaram no regime societário por meio, por exemplo, da criação de regras que reforçam a eficácia do seu conteúdo e que passam a vincular a sociedade.



O acordo de acionistas é mecanismo regulador do exercício do poder e de controle de seus signatários, e, portanto, muitas vezes é comum que o acordo confira ao controlador poderes amplos sobre os demais órgãos da sociedade. Em alguns casos, é possível afirmar que o acordo, em sua característica contratual privada, pode até mesmo invadir as competências privativas da administração conferida por lei societária. Neste sentido, vale lembrar que o artigo 139 da LSA [1] veda a transferência dos poderes e atribuições conferidos pela LSA aos órgãos de administração para qualquer outro órgão.



É inegável que o controlador tem a legitimamente para definir os rumos da sociedade - e que essa legitimidade é conferida e reforçada por lei, mas, é necessário que haja limites ao poder de controle, de modo a evitar excessos e violação da organização de governança e invasão de competências impostas pela lei societária.



Neste sentido, ainda cabe ressaltar a dualidade enfrentada pelos membros do conselho de administração: de um lado o conselheiro possui seus deveres fiduciários e certa liberdade e independência no exercício de suas funções, de outro lado, é detentor de certa dimensão política e de representação - quase que mandatário - do acionista que o indicou.



Portanto, os autores que entendem que o acordo de acionistas não vincula os administradores, defendem esta posição por acreditar que a vinculação violaria: (1) a independência dos administradores, uma vez que a liberdade de ação destes fica restringida diante da postura passiva que lhes é imposta pela vinculação; (2) o princípio da indelegabilidade das funções, considerando que a vinculação permite que na prática os controladores tomem decisões de competência típica do conselho de administração; e (3) a própria função do conselho de administração, por importar em um esvaziamento de suas funções, uma vez que, se os seus votos já estiverem previamente vinculados a um regramento imposto pelos acionistas, não há que se falar em deliberação, mas tão somente em ratificação da decisão do controlador.



Neste cenário, a vinculação relativa nos parece ser a opção mais razoável e correta a ser adotada. O administrador é dotado de capacidade interpretativa em relação ao interesse social, sendo certo que em determinados casos de competência privativa do conselho de administração, é possível que prevaleça a interpretação do conselheiro em relação à interpretação do controlador.



Segundo os autores que defendem esta corrente, o conselheiro está vinculado ao que lhe é imposto nos termos do acordo, porém, "caso se depare com situação na qual está convicto de que a instrução do controlador fere o interesse social ou é ilegal, deve desobedecê-la", sem que isso importe na inadimplência de seus deveres.



Ante o exposto, apesar de reconhecer a complexidade do tema, bem como a ausência de soluções fáceis aos problemas que dele derivam, entendemos que a possibilidade relativa da vinculação dos administradores ao acordo de acionistas se apresenta a interpretação mais adequada.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


·  VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial. v. 3. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 335. 62;


·  MUNHOZ, Eduardo Secchi. Estrutura de Governo dos Grupos Societários de Fato na Lei Brasileira. In CASTRO, Rodrigo Rocha Monteiro de; WARDE JÚNIOR, Walfrido Jorge; GUERREIRO, Carolina Dias Tavares (coord.). Direito Empresarial e Outros Estudos em Homenagem ao Professor José Alexandre Tavares Guerreiro. São Paulo: Quartier Latin, 2013, p. 286;


·  YAZBEK, Otavio. A vinculação dos administradores das sociedades aos acordos de acionistas - exercício de interpretação do §8 do art. 118 da Lei nº 6.404/1976. In: Revista de Direito das Sociedades e dos Valores Mobiliários. Vol. 1. Maio/2015. p. 17-38;


·  FREITAS, Bernardo Vianna et al. Poderes dos administradores e acordo de acionistas: apontamentos gerais e o caso da Usiminas. In: Revista de Direito das Sociedades e dos Valores Mobiliários. Vol. 2. Novembro/2015. p. 71-114.


[1] Art. 139. As atribuições e poderes conferidos por lei aos órgãos de administração não podem ser outorgados a outro órgão, criado por lei ou pelo estatuto.



Autores:
Alessandra Salgado é sócia do BRZ Advogado e Isabela Hohl é advogada do BRZ Advogados.








Fonte: Revista Consultor Jurídico





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