O crédito para
ser descontado/reduzido do saldo devedor, parcelado ou não, este deverá estar
devidamente habilitado junto à RFB, e o contribuinte deve buscar o judiciário
para ter o seu direito respeitado, devido aos impedimentos pela via
administrativa.
Certamente a matéria em compensação
tributária não é a mais tranquila, pacífica em se tratando de que do outro lado
temos a "Fome do Leão", conhecido como Receita Federal do Brasil.
A compensação tributária é em breves
linhas o encontro de contas, entre devedor e credor recíprocos.
Consoante dispõe o art. 156, II, do CTN1, a
compensação constitui modalidade de extinção do crédito tributário. Isto é, a
obrigação tributária (crédito e débito) se resolve. O art. 170 do CTN diz que a
lei pode autorizar a compensação de débitos com créditos líquidos e certos,
vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública.
Nesse diapasão, a lei 9.430/96, por seu
art. 742, assegura que "O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os
judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição
administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de
ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a
quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão". A
matéria se encontra sumulada pelo STJ, no verbete 213.
Na doutrina, Paulo César Conrado3, ao
comentar o art. 156 do CTN assenta que 'como modalidade extintiva da obrigação
tributária, a compensação guarda como pressuposto a existência de duas relações
jurídicas inversas: o credor, na primeira relação, apresenta-se como devedor na
segunda e vice-versa.' Por isso, ensina que 'a compensação, como o pagamento, é
forma de extinção que se opera não só à vista do crédito tributário, mas também
do dever jurídico portado pelo contribuinte'.
Na seara do Direito Civil, o instituto
jurídico da compensação vem regulado desde o direito romano, em que se tinha
como ideia sopesar os débitos na balança, até onde se encontrasse. A ideia
evoluiu até os contornos hoje conhecidos.
Clóvis Bevilaqua4, autor do Código Civil de
1916, em sua obra Direito da Obrigações, sintetiza que 'Quando duas pessôas
reúnem as qualidades de credor e devedor, conjunta e reciprocamente, dá-se a
compensação, modo de extinguir obrigações'. Assim, complementa: "Para se
dará compensação, necessários serão os requisitos em seguida indicados: 1º, que
cada um dos obrigados, o seja por obrigação principal e por crédito principal;
2º, que as dívidas sejam de direito [...]; 3º, que sejam exigíveis, vencidas e
líquidas'. 'O efeito da compensação é extinguir as duas dívidas encontradas, em
parte, se são eguais, e isso desde o momento em que começou a mutualidade dos vínculos
obrigacionais, independentemente da vontade dos devedores'.
Paulo Nader5, ao conceituar compensação,
leciona que "O instituto da compensação, em sua concepção fundamental,
constitui menos uma construção jurídica do que uma cópia de práticas intuitivas.
É simples em sua concepção e ao ser exercida nas relações negociais, não
surpreende a qualquer dos envolvidos com o inusitado, uma vez que é
procedimento entranhado na experiência. Suas fórmulas básicas seguem a ordem
natural das coisas e se fundam no valor equidade". Para fechar o
raciocínio, assenta que "A compensação ex vi legis é involuntária e
opera-se automaticamente, desde que preenchidos certos requisitos, como o de
liquidez e fungibilidade dos débitos, entre outros. Independe da vontade e prevalece
ainda contra ela".
Em outras palavras, sendo o contribuinte
devedor de débitos parcelados ou não perante a RFB, mas, ao mesmo tempo,
tornara-se credor de créditos líquidos e certos junto à RFB (devidamente
habilitados, de origem de processo judicial transitado em julgado), o fenômeno
jurídico do nascimento dos créditos de PIS/COFINS, gera, automaticamente o
direito à compensação, ex vi legis. Ou seja, o direito à compensação não nasce
da vontade das partes.
Nesse contexto, estabelece o Código Civil,
no art. 368, que "se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor
uma da outra, as duas obrigações extinguem-se até onde se compensarem".
Nessa senda, leciona Maria Helena Diniz6, citando Álvaro Villaça Azevedo, que,
'se dois indivíduos se devem mutuamente, serão, recíproca e concomitantemente,
credor e devedor um do outro, e solver-se-á a relação obrigacional até a
concorrência dos valores das prestações devidas, de modo que, se um tiver de
receber mais que o outro, continuará credor de um saldo favorável e decorrente
do balanço'. Na lição de NADER7, a palavra compensação provém do Direito
Romano, com o significado de pesar na balança uma coisa e outra, a fim de se
apurar se os pesos são iguais. De modo a zerar débito e rédito (se for total).
Daí por que, no caso concreto, posto em
discussão na Justiça Federal do Distrito Federal, os princípios da
Administração Pública, plasmados na Constituição da República, tais como
razoabilidade, economicidade, eficiência, impessoalidade, moralidade, razoável do
duração das demandas (judiciais ou não) e da isonomia, demonstraram a
racionalidade e a necessidade da quitação/redução dos débitos parcelados com
créditos líquidos e certos (devidamente habilitados na RFB), do mesmo
contribuinte, habilitados perante a RFB, sem prejuízo para a Fazenda Pública
que solverá, a um só tempo, créditos e débitos do contribuinte, mediante
encontro de contas.
No caso aqui tratado, o contribuinte possui
créditos de PIS/COFINS, líquidos e certos, reconhecidos em decisão judicial transitada
em julgado e que já foram habilitados na RFB, decorrente de recolhimento
indevido de ambas as contribuições, com a inclusão do ICMS em suas bases de
cálculos.
STJ, apreciando a matéria, pacificou o
entendimento de que 'a compensação de ofício não viola a liberdade do credor e
que o suporte fático da compensação prescinde de anuência ou acordo'8.
O contribuinte possui débitos parcelados no
Refis, lei 12.996/14 junto à RFB, e que de forma administrativa não há como
proceder a compensação por meio do Per/dcomp, pois sequer existe no referido
sistema o código da Receita 4750 para que se proceda o devido acerto de contas
(débito do contribuinte - seu crédito).
Com a publicação da lei 14.375/22
houve considerável alteração na lei 13.988/20 no que tangue às transações de
dívida tributária, vejamos alguns destaques:
CAPÍTULO IV
ALTERAÇÕES DA LEGISLAÇÃO CONCERNENTE ÀS
TRANSAÇÕES DE DÍVIDA
Art. 10. A lei 13.988, de 14 de abril de
2020, passa a vigorar com as seguintes alterações:
"Art. 1º
§ 4º
I - aos créditos tributários sob a
administração da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério
da Economia;
"Art. 2º
I - por proposta individual ou por adesão,
na cobrança de créditos inscritos na dívida ativa da União, de suas autarquias
e fundações públicas, na cobrança de créditos que seja da competência da
Procuradoria-Geral da União, ou em contencioso administrativo fiscal;
"Art. 10-A. A transação na cobrança de
créditos tributários em contencioso administrativo fiscal poderá ser proposta
pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, de forma individual ou
por adesão, ou por iniciativa do devedor, observada a Lei Complementar nº 73,
de 10 de fevereiro de 1993."
"Art. 11.
V - o uso de precatórios ou de direito
creditório com sentença de valor transitada em julgado para amortização de
dívida tributária principal, multa e juros.
§ 1º É permitida a utilização de mais de
uma das alternativas previstas nos incisos I, II, III, IV e V do caput deste
artigo para o equacionamento dos créditos inscritos em dívida ativa da União.
Vejam leitores, a falta de isonomia, pois,
um devedor que está inadimplente, que o crédito do fisco está quase que
perdido, "irrecuperável" goza de benefícios de descontos, podendo
ofertar "precatórios ou de direito creditório com sentença de valor
transitada em julgado para amortização de dívida tributária principal, multa e
juros"9.
Neste ponto, não há isonomia em comparação
ao caso concreto que fora apresentado à Justiça Federal do DF, levando-se em
conta que o contribuinte tem créditos já devidamente habilitados junto a RFB, e
naquele órgão possui parcelamento no Refis, regularmente sendo adimplido,
portanto a compensação é medida que se impõe, devendo seu crédito ser reduzido
do saldo devedor restante no parcelamento.
Conforme relatado, o contribuinte por meio
dos advogados Paulo Rodrigues da Silva e Natal Moro Frigi, obteve decisão junto
à Justiça Federal do DF, nos seguintes termos:
Não obstante a certidão de prevenção
positiva de ID XXXX, verifica-se que o assunto tratado naquele processo difere
da presente ação.
No caso, não vislumbro óbice no fato da
autoridade coatora realizar a compensação de ofício desejada pelo impetrante,
reduzindo o saldo do parcelamento com créditos líquidos e certos, habilitados
perante o Fisco.
O impetrante comprovou a existência de
crédito em seu favor ID XXXXXXX habilitado no processo Administrativo XXXXXXX.
O perigo da demora está no fato de que a compensação mensal amortizar valores
muitos menores do que a compensação pleiteada pela impetrante.
Ante o exposto, DEFIRO o pedido de liminar
para que seja reconhecido o pedido de crédito já devidamente habilitado no
Administrativo XXXXXXXXX desde XX/XX/XXXX descontado do saldo devedor no Refis.
01. Intimações e notificações: (1) Intime-se a parte autora. (2) Notifique-se a
autoridade coatora para prestar informações. (3) Cientifique-se o órgão de
representação judicial da autoridade coatora.
É certo que conforme indicado, o crédito
para ser descontado/reduzido do saldo devedor, parcelado ou não, este deverá
estar devidamente habilitado junto à RFB, e o contribuinte deve buscar o
judiciário para ter o seu direito respeitado, devido aos impedimentos pela via
administrativa.
1 Art. 156. Extinguem o crédito tributário:
II - a compensação.
2 Art. 74. O sujeito passivo que apurar
crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou
contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de
restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos
próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por
aquele Órgão.
3 CONRADO, Paulo César. Comentários ao CTN.
São Paulo: MP editora, 2005, comentário ao art. 156, p. 1176.
4 CLÓVIS BEVILAQUA. Direito das Obrigações.
Rio de Janeiro: 1977, Ed. Rio, pp. 132-33.
5 PAULO NADER. Curso de Direito Civil, v.
2, 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, pp. 409-10
6 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito
Civil Brasileiro - Teoria Geral das Obrigações. 36ª ed. Vol. 2, São Paulo:
Saraiva, 2021, p. 344.
7 NADER, op. cit. P. 410.
8 Regina Helena Costa, CTN comentado em sua
moldura constitucional, Forense, Rio de Janeiro: 2021, p. 362.
9 Lei 14.375/2022. Art. 11. V - o uso de
precatórios ou de direito creditório com sentença de valor transitada em
julgado para amortização de dívida tributária principal, multa e juros.§ 1º É
permitida a utilização de mais de uma das alternativas previstas nos incisos I,
II, III, IV e V do caput deste artigo para o equacionamento dos créditos
inscritos em dívida ativa da União.
Autores:
Natal
Moro Frigi
Advogado
e Contabilista, Especializado em Direito Tributário. Atua nas áreas tributária
e empresarial. Fundador da sociedade Tolentino & Moro Frigi Advogados
Associados.
Paulo
Rodrigues da Silva
Advogado
associado ao escritório Tolentino & Moro Frigi - Advogados Associados.
Fonte:
https://www.migalhas.com.br/depeso/372557/justica-federal-determina-compensacao-de-credito-a-rfb-com-debitos