Na nossa tipologia societária, a sociedade
limitada sempre foi, ao menos em tese, conhecida como um regime destinado a
empreendimentos de pequeno e médio porte, que exigissem uma governança
corporativa menos sofisticada e engessada, conferindo aos empresários maior
autonomia para dispor sobre as suas sociedades.
Esse reconhecimento se deve à regulação das sociedades limitadas no ano de
1919, pelo Decreto nº 3.708, que trouxe disposições simples e objetivas e
privilegiou o contratualismo entre as partes, ao invés de impor normas quanto à
estrutura das empresas e às formalidades exigidas para os seus procedimentos
internos.
Em que pese mais flexíveis, essa característica mudou com a promulgação do
atual Código Civil em 2002. As limitadas, que até então eram governadas pela
vontade da maioria, passaram a respeitar quóruns de deliberações de sócios de
75% para aprovações societárias significativas, tais como alterações de
contrato social e decisões sobre a incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade,
bem como a cessação do seu estado de liquidação.
Vale destacar que o Código Civil alterou os quóruns de deliberação das matérias
mencionadas acima sem qualquer razão para tanto, submetendo outras matérias ao
crivo de apenas a maioria do capital social, como a designação, a destituição e
o modo de remuneração dos administradores e o pedido de falência. Em outras
palavras, a nova legislação civil impactou gravemente o funcionamento das
limitadas, sem, contudo, justificar tal alteração drástica.
Por outro lado, as sociedades por ações, regidas pela Lei nº 6.404/76, tinham
por objetivo criar estruturas societárias mais sofisticadas, para grandes
empreendimentos empresariais, com normas obrigatórias a serem respeitadas pelos
acionistas em relação às deliberações sociais, aos seus deveres e à organização
dos órgãos administrativos. Ao contrário das limitadas, as deliberações de
acionistas nas S/As seguem o princípio majoritário, com quóruns de aprovação
baseados no famoso "50%+1".
Os quóruns elevados de aprovações societárias previstos para as limitadas
sempre geraram um empecilho para aqueles que gostariam de aderir a tal tipo,
mas tinham sócios minoritários com mais de 25% do capital social. Criava-se uma
dificuldade para a condução dos negócios sociais, uma possibilidade de
obstrucionismo pelo minoritário mal-intencionado, e aumentava-se o custo de
controle societário de tais sociedades.
Essa diferença de quóruns de deliberação entre as sociedades limitadas (75%) e
as S/A (50%+1) acabou gerando uma indesejável "fuga" dos empresários, a partir
da vigência do Código Civil, levando uma série de empresas a serem constituídas
sob forma de S/As unicamente para assegurar a tranquilidade do controle.
Em razão do seu propósito de fomentar projetos de grande porte, as S/As exigem
da empresa maiores formalidades registrais, obrigações de publicações e
controle de informações e deliberações. Em complemento, a Lei das S/As também
descreve os deveres e responsabilidades com que os administradores devem gerir
a empresa, junto a hipóteses de descumprimento dessas obrigações, de modo a
requerer uma maior fiscalização sobre os órgãos administrativos.
Consequentemente, esse tipo societário sujeita os empresários à necessidade
periódica de desembolsar custos com burocracia e trâmites que não teriam que
incorrer no caso das limitadas.
A despeito disso, os empresários viram
nesse regime um trade-off: a renúncia da flexibilidade organizacional das
limitadas e das menores despesas administrativas em prol da detenção do
controle societário com mais facilidade nas S/As.
Esse panorama na escolha do tipo societário perdurou durante duas décadas, até
que, recentemente, em 21.09.2022, foi promulgada a Lei nº 14.451, que revogou o
artigo 1.076, I, do Código Civil de 2002, e trouxe uma nova redação ao seu
inciso II, segundo a qual, de agora em diante, as deliberações de sócios nas
limitadas que antes dependiam de 75%+1, passam a depender de votos
representativos de mais da metade do capital social.
A idealização dessa mudança veio do Projeto de Lei nº 4.498/16, apresentado
pelo então Deputado Carlos Bezerra. Na justificação do projeto, o autor explica
como o atual ordenamento jurídico se tornou confuso e com diversos erros que
configuravam entraves ao empreendedorismo brasileiro, sobretudo a
obrigatoriedade de aprovação de 75% do capital social para alteração do
contrato social de limitadas. Com isso, o deputado sugeriu o projeto para
simplificar os quóruns de deliberações do Código Civil de 2002 e eliminar essa
exigência que retardava o desenvolvimento das sociedades limitadas.
A aprovação da lei foi muito bem recebida pela comunidade jurídica empresarial,
que viu nela um conserto do percalço imposto pelo atual Código Civil. Essa
alteração entra em vigor no dia 21.10.2022, e, com ela, soluciona-se o problema
que tantos empresários vinham enfrentando, possibilitando a constituição de
seus empreendimentos como sociedades limitadas, sem perder o controle
societário pela detenção da maioria absoluta do capital social. Agora, os
empresários que tenham sócios minoritários relevantes poderão usufruir do tipo
societário da limitada para seus negócios, sem a necessidade de incorrer em
burocracias e custos desnecessários impostos às S/As.
Autores:
Ivo Bari é sócio do BVZ Advogados,
professor de pós-graduação do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e mestre
em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo (USP).
Renato Vilela é sócio do BVZ Advogados, professor de pós-graduação do
Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), doutorando em Direito Comercial pela
Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Direito pela Fundação Getúlio
Vargas (FGV-SP).
Rodolfo Arbex é graduando em Direito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Nota M&M: Os contratos sociais elaborados pela M&M Assessoria Contábil
já estão ajustados as novas disposições abordadas neste artigo.
Fonte: Revista Consultor Jurídico
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