Somente será competente para instituir e
efetivamente cobrar uma taxa a pessoa política que, antes, detenha a
competência político-administrativa para realizar o ato de polícia ou prestar o
serviço público
O constituinte de 1988, como de resto ocorreu com a Constituição de 1967,
adotou, em sede doutrinária, a teoria jurídica dos tributos vinculados e não
vinculados a uma atuação estatal para operar a resolução do problema da
repartição das competências tributárias, utilizando-a com grande mestria.
Predica dita teoria que os fatos geradores dos tributos são vinculados ou não
vinculados. O vínculo, no caso, dá-se em relação a uma atuação estatal. Os
tributos vinculados a uma atuação estatal são as taxas e as contribuições; os
não vinculados são os impostos.
Significa que o fato jurígeno genérico das taxas e das contribuições necessariamente
implica uma atuação do Estado. No caso das taxas, esta atuação corporifica ora
um ato do poder de polícia (taxas de polícia), ora uma realização de serviço
público, específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto a sua
disposição (taxas de serviço). Na hipótese da contribuição de melhoria, a
atuação estatal materializa-se através da realização de uma obra pública capaz
de beneficiar ou valorizar o imóvel do contribuinte. Nas contribuições
previdenciárias, é benefício à pessoa do contribuinte ou de seus dependentes.
O fato gerador, como é usual dizer, ou o fato jurígeno, como dizemos nós, ou,
ainda, a hipótese de incidência, como diz Geraldo Ataliba, implica sempre,
inarredavelmente, uma atuação estatal. Exatamente por isso as taxas e as contribuições
de melhoria e previdenciárias apresentam hipóteses de incidência ou fatos
jurígenos que são fatos do Estado, sob a forma de atuações em prol dos
contribuintes.
Com os impostos as coisas se passam diferentemente, pois os seus fatos
jurígenos, as suas hipóteses de incidência, são fatos necessariamente estranhos
às atuações do Estado (lato sensu). São fatos ou atuações ou situações do
contribuinte que servem de suporte para a incidência dos impostos, como, v.g.,
ter imóvel rural (ITR), transmitir bens imóveis ou direitos a eles relativos
(ITBI), ter renda (IR), prestar serviços de qualquer natureza (ISQN), fazer
circular mercadorias e certos serviços (ICMS). Em todos estes exemplos, o
"fato gerador" dos impostos é constituído de situações que não implicam
atuação estatal, daí o desvínculo do fato jurígeno a uma manifestação do Estado
(CTN, arts. 16, 77, 78 e 81).
Ora, exatamente por ser assim ou, noutro giro, por ter adotado a teoria dos
fatos geradores vinculados e não vinculados, pôde o constituinte operar a
repartição das competências tributárias do modo como o fez. Aliás, é de gizar
que o constituinte, no Capítulo I, que trata do Sistema Tributário, intitulou a
Seção I como sendo a "Dos Princípios Gerais".
Não a chamou de discriminação de rendas tributárias nem de repartição de
competências tributárias (o objeto da seção), preferindo referir-se aos
Princípios Gerais, por saber que neles se inspirava para o manejo da questão.
Assertiva fácil de provar, pois não tendo a Constituição expressado os conceitos
de tributo e imposto e tendo apenas se referido às taxas e a contribuições de
melhoria, com denúncia de seus respectivos fatos geradores genéricos, decerto
inspirou-se nos conceitos do direito tributário vigente e subjacente e nas
lições da doutrina justributária em voga.
Isto posto, os princípios gerais plasmados pelo constituinte trazem, por
subsunção, os insumos da teoria dos tributos vinculados e não vinculados, como
averbado linhas atrás.
Prosseguindo, adotando as técnicas da
competência privativa e comum e ligando-as às inspirações da teoria dos fatos
geradores vinculados e não vinculados, pôde o constituinte equacionar a
repartição das competências entre as pessoas políticas, segregando as
respectivas áreas econômicas de imposição, de modo a evitar conflitos de
competências ou superposições competenciais em detrimento dos contribuintes e
dos próprios entes tributantes.
No caso da competência comum, que comanda a instituição das taxas e das
contribuições, a sua adoção pôde ser feita exatamente porque, sendo os fatos
geradores desses tributos fatos do Estado, atuações dele, a competência
tributária firma-se na esteira da competência político-administrativa dos entes
tributantes. É dizer, a competência administrativa precede a tributária e a
determina.
Somente será competente para instituir e efetivamente cobrar uma taxa a pessoa
política que, antes, detenha a competência político-administrativa para
realizar o ato de polícia ou prestar o serviço público (taxas). Somente poderá
cobrar contribuição de melhoria a pessoa política que tenha realizado a obra
pública beneficiadora. Somente a pessoa política que concede o benefício pode
cobrar contribuição previdenciária do contribuinte.
Advirta-se, desde logo, porém, que o elemento pessoal da hipótese de incidência
dos tributos vinculados a atuações estatais é relevantíssimo. É precisamente a
pessoa do contribuinte que lhe confere consistência e singularidade, por ser o
destinatário do afazer estatal. No caso dos impostos, será preciso anunciá-lo e
atribuí-lo privativamente a cada pessoa política. É que nesse caso inexiste
atuação estatal à guisa de fato gerador.
Autor: Sacha Calmon - Advogado.
Fonte:
Correio Brasileiense
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