Neste fim de ano, quando o desejo de
comprar e de viajar se acumula com as emoções da torcida na Copa do Mundo no
Qatar, parece-me bastante oportuno conversar a respeito da tributação sobre as
compras no exterior, tanto em viagens quanto em aquisições pela internet, bem
como acerca dos valores em espécie que podem ser portados nas viagens
internacionais. Essa é minha proposta ao leitor. Por favor, me acompanhe nessa
viagem!
O Imposto sobre a Importação, como sabemos,
onera produtos importados e é estabelecido com a finalidade de discriminar o
importado em favor do nacional. Podemos também encontrar alíquotas mais altas
com lastro na preocupação com a balança de pagamentos. Essa oneração é legítima
se estabelecida em conformidade com os compromissos internacionais,
especialmente aqueles administrados pela Organização Mundial do Comércio e pelo
Mercosul, e é praticada, com maior ou menor intensidade, mundo afora.
Há também tributos internos replicados
na importação: IPI, ICMS, contribuição para o PIS/Pasep, Cofins,
Cide-Combustíveis, ISS. Incidem ainda na importação pelo modal aquaviário o
Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) e a Taxa
Mercante. Tal tributação encontra respaldo no princípio do tratamento nacional
e também na função niveladora da tributação e, assim, visa a garantir que os
produtos importados tenham a mesma carga tributária dos nacionais em relação
aos tributos internos. Ou seja, vislumbra-se, do âmbito externo, o objetivo de
não criar barreiras comerciais e, do âmbito interno, o desígnio de garantir
equilíbrio de concorrência, ao não permitir menor oneração tributária dos produtos
importados [1].
Esse aspecto concorrencial é muito
relevante, pois a matriz tributária brasileira tem forte concentração na
tributação do consumo, o que além do grande potencial de regressividade (em um
país que se destaca pela grande desigualdade socioeconômica), exige constante e
intensa fiscalização dos tributos sobre o consumo na importação [2].
Por sua vez, na importação realizada por
pessoas físicas em viagem internacional, a situação é bastante diversa. Os bens
novos trazidos como bagagem são objeto de uma isenção generosa, e o valor que
ultrapasse o limite de isenção está sujeito exclusivamente ao Imposto sobre a
Importação em alíquota diferenciada. Os viajantes recebem ainda outra isenção,
para compras em free
shops ou lojas francas.
Um primeiro questionamento que poderia nos
tomar seria o fundamento dessa política de benefício fiscal. Por que conceder
esse tipo de isenção? Qual o interesse público envolvido? Geraria prejuízos
concorrenciais para a produção nacional?
A concessão da isenção de bagagem se
fundamenta no entendimento de que é uma concessão antiga e consolidada no
direito e nas relações
internacionais, com a expectativa de estímulo ao
intercâmbio e às trocas sociais e culturais, uma política de boas relações
entre os países. Quanto à isenção nas lojas francas de chegada, o escopo é
estimular o viajante a adquirir no Brasil, deixando de comprar no exterior,
como medida para incentivar a economia e o emprego nacionais.
Contudo, é importante ressaltar que, em um
país como o Brasil, dos mais desiguais do mundo, é necessário ter muito cuidado
para não conceder isenções tributárias que aumentem a regressividade do sistema
tributário [3].
No Brasil, mais do que na grande maioria
dos países do mundo, o poder aquisitivo e o poder de consumo se concentram de
maneira muito acentuada nos estratos mais ricos da população. Dessa forma, em
um câmbio favorável, o percentual mais rico da população intensifica as
viagens, aumenta as aquisições no exterior, usufruindo de isenções, para
bagagem e para as compras nas lojas francas, que afastam a pesada carga
tributária brasileira. Isso, além de impactar a tributação, afeta a economia,
com possibilidade de acirrar a desindustrialização e comprometer o nível de
riqueza e emprego nacionais. Portanto, com a recuperação da crise, com a
esperada apreciação da moeda brasileira, é necessário monitorar constantemente
a situação.
Após essas reflexões, que se revelam ainda
mais significativas com a iminência de um governo que prioriza a equidade e a
justiça fiscal e social, passemos à situação atual de oneração tributária das
bagagens, das remessas internacionais e das compras em lojas francas na chegada
no Brasil.
É considerada bagagem acompanhada aquela
que o viajante portar consigo no mesmo meio de transporte em que viaje, desde
que não amparada por conhecimento de carga ou documento equivalente [4].
Não é devido o imposto sobre a importação sobre livros, folhetos e periódicos;
roupas e outros artigos de vestuário, artigos de higiene e do toucador e
calçados, para uso próprio do viajante, em quantidade e qualidade compatíveis
com a duração e a finalidade da sua permanência no exterior [5].
A isenção para bens adquiridos no exterior
passou de US$ 500 para US$ 1.000 no ingresso via aérea ou marítima, e de US$
300 para US$ 500 no ingresso via terrestre, fluvial ou lacustre [6].
As compras que ultrapassarem a cota de isenção devem ser declaradas de
forma on-line por
meio da Declaração Eletrônica de Bens do Viajante (e-DBV) [7].
Cumpre lembrar que, além do limite de valor,
há limites quantitativos para a isenção como bagagem de bens adquiridos no
exterior [8]. Há ainda vedações expressas [9].
Ademais, é proibido trazer como bagagem
produtos que, pela sua qualidade ou quantidade, revelem finalidade comercial ou
industrial, excetuado apenas o caso em que se porte bem destinado à pessoa
jurídica estabelecida no Brasil e se informe espontaneamente tal condição ao
fisco. Nesta situação, cabe à pessoa jurídica promover os procedimentos do
regime comum de importação [10].
No caso de bens que se enquadrem no
conceito de bagagem, mas que ultrapassem o limite de valor ou quantidade para
isenção, é cobrado somente Imposto sobre a Importação em relação ao excedente,
com alíquota de 50% [11]. Se ocorrer omissão, falsidade ou inexatidão na
declaração, será exigida, além do imposto, multa de 50% sobre o valor excedente
da quota de isenção [12].
Nas lojas francas em porto ou aeroporto [13],
o viajante procedente do exterior pode adquirir na sua chegada, com isenção,
bens estrangeiros ou desnacionalizados, cujo limite de valor passou de US$ 500
para US$ 1.000 [14]. Nas lojas francas terrestres, o limite passou
de US$ 300 para US$ 500. Devem ser, em todos os casos, respeitados os limites
quantitativos [15].
No que concerne ao dinheiro em espécie, em
moeda nacional ou estrangeira, o valor que o viajante pode carregar sem
preencher e-DBV aumentou de R$ 10 mil para US$ 10 mil, por meio da Lei nº
14.286, de 2021, que entra em vigor no dia 29 de dezembro de 2022 [16].
Anote-se que, se não for feita a declaração, é aplicada a pena de perdimento
sobre o valor da moeda que ultrapassar o limite.
Para aqueles que ficam em casa, o desejo de
consumir e presentear pode ser apaziguado nas compras internacionais por meio
da internet, as denominadas remessas postais ou encomendas aéreas
internacionais. Essas compras podem ser no valor de até US$ 3.000, excluídos
bebidas alcóolicas e produtos de tabacaria [17].
Segundo a Secretaria da Receita Federal, há
isenção para remessa internacional de pessoa física para pessoa física no valor
de até US$ 50 [18]. Há previsão de alíquota zero para medicamentos com
valor de até US$ 10 mil importados por pessoas físicas para uso humano [19].
Nas remessas dentro do limite de valor de
US$ 3.000 que não se enquadrem na isenção, é aplicado o regime de tributação
simplificada [20]. Neste regime, há cobrança de Imposto sobre a Importação
com alíquota de 60%, podendo ainda incidir o ICMS. Nas operações acima de US$
500, é cobrado pelos Correios o valor de R$ 15, a título de "taxa de
despacho postal" [21].
Assim, evidenciando que foram concedidas
recentemente algumas benesses para aqueles que estão em condições de viajar e
comprar - aumento da isenção de bagagem, aumento da quota isenta nas lojas
francas e também do valor em espécie que pode ser portado em viagem
internacional - apresento este artigo como fechamento de minha participação na
coluna este ano, com meus votos aos leitores e aos colegas de coluna de feliz
Natal e um Ano Novo muito próspero! Muito obrigada pela companhia e que
possamos continuar juntos nossas viagens pelo Território Aduaneiro em 2023!
[3] Em relação
ao índice de Gini, que representa a desigualdade econômica, numa lista que
contém quase duzentos países, o Brasil tem figurado nos últimos anos entre os
que ostentam os dez piores índices (disponível em: https://www.worldeconomics.com/Inequality/Gini-Coefficient/Brazil.aspx.
Acesso em: 4 dez. 2022).
Em importante estudo publicado este ano
pelo World Inequality Lab, que integra a Escola de Economia de Paris, com
direção de Thomas Piketty e colaboração de cerca de uma centena de
pesquisadores internacionais, é possível enxergar nossa triste realidade.
Verificou-se que, mesmo com importantes programas de redistribuição de renda,
no Brasil, os 50% mais pobres possuem menos de 1% da riqueza (na
Argentina, por exemplo, esse grupo ficou com 6%). Os 1% mais abastados ficam com
quase metade da riqueza nacional (nos EUA, esse grupo fica com 35% da riqueza
(disponível em: https://wir2022.wid.world/country-appendix-glossary/.
Acesso em: 4 dez. 2022
[21] Trata-se
de valor exigido pelos Correios com base nos Atos da União Postal Universal
(UPU), acordo internacional assinado pelo Brasil, incorporado por meio do
Decreto Legislativo no 701, de 2009, e promulgado pelo
Decreto nº 9.358, de 2018. Essa cobrança também tem sido objeto de contestação
no Judiciário e foi objeto de uniformização de entendimento no TRF-4, no
sentido da abusividade da exigência (Pedido de Uniformização de Interpretação
de Lei nº 5012346-56.2018.4.04.7003/PR).
Autora: Liziane Angelotti Meira é
presidente da 3ª Seção do Carf, auditora fiscal da Receita Federal, professora,
pesquisadora e coordenadora adjunta do Programa de Mestrado em Políticas
Públicas e Governo da FGV-EPPG, membro da Academia Internacional de Direito
Aduaneiro, doutora em Direito Tributário pela PUC-SP, mestre em Direito e
especialista em Tributação Internacional pela Universidade Harvard e agraciada
com o Prêmio Landon H. Gammon Fellow por Harvard.
Fonte:
Revista Consultor Jurídico