O ICMS é imposto tipicamente não-cumulativo
(artigo 155, parágrafo 2º, I da CF/1988 e artigos 19 e 20 da Lei
Complementar nº 87/1996) e sua apuração, salvo circunstâncias específicas,
obedece ao regime de conta gráfica. A despeito de sua criação (como ICM) há
mais de 50 anos, com expressa previsão de abatimento do montante cobrado nas
operações anteriores (EC nº 18/1965, artigo 12, parágrafo 2º), subsistem
inúmeros litígios entre contribuintes e fiscos estaduais, com relação às
hipóteses em que é permitido o crédito do imposto incidente na aquisição de
mercadorias ou de serviços utilizados no processo produtivo.
O tema é recorrente nos tribunais e
espera-se, para breve, a definição de ao menos um dos aspectos envolvidos, no
âmbito da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ, EResp 1.723.889, não
obstante recentemente retirado de pauta, para melhor exame de alegação no
sentido de que o crédito tributário objeto da demanda estaria extinto).
O ponto nodal da discussão situa-se na
definição de insumo, em especial verificar se, para qualificar-se como tal e
ensejar o direito ao crédito, o item adquirido precisa ou não ser agregado
fisicamente ao produto final e/ou consumido de imediato e integralmente no
processo produtivo.
A esse respeito, sequer os Estados possuem
orientação uniforme. Em regra, prevalece o entendimento de que, se não houver
agregação física ao produto final ou consumo imediato/integral, o item
caracteriza-se como material de uso e consumo, cujo direito ao crédito tem sido
sucessivamente postergado e atualmente está previsto apenas para 2033 (Lei
Complementar nº 171/2019).
Em São Paulo, por exemplo, a definição de
insumo encontra-se regulamentada há quase 20 anos na Decisão Normativa CAT
nº 1/2001 (que também trata da definição de ativo permanente e bens de
uso/consumo). Consta a assertiva de que insumos são os itens "consumidos no processo
industrial ou empregados para integrar o produto objeto da atividade de
industrialização" (item 3.1.). Na prática, no entanto, o
entendimento que tem prevalecido na Câmara Superior do Tribunal de Impostos e
Taxas é no sentido da exigência que o consumo ocorra de modo imediato e
integral, sob pena de o bem ser caracterizado como de uso ou consumo [1]. Os tribunais administrativos de Minas Gerais e do Rio
de Janeiro possuem entendimento semelhante ou até mesmo mais gravoso [2].
No STJ - foro mais adequado para
a definição dessa questão, situada majoritariamente no âmbito
infraconstitucional -, há decisões conflitantes sobre o tema.
A 1ª Turma tem decisões no sentido de
que "após o
advento da LC 87/96, é possível o aproveitamento dos créditos referentes à
aquisição de quaisquer produtos intermediários, desde que comprovada a
necessidade de sua utilização para a realização do objeto social da
empresa" [3], reconhecendo-se que "as mercadorias
adquiridas como insumos ou produtos intermediários utilizados na consecução da
atividade-fim da empresa afasta a sua classificação como de uso e consumo do
estabelecimento" [4], ainda que "consumidos ou
desgastados gradativamente" [5], sendo
irrelevante "a
forma (integrante ou não do produto final) e o tempo de duração (imediato ou
prolongado)" [6].
A 2ª Turma, de modo contrário, tem decisões
no sentido de que "somente
exsurge o direito ao creditamento do ICMS quando se tratar de insumos que se
incorporam ao produto final ou que são consumidos no curso do processo de
industrialização, na forma do §1º do artigo 20 da Lei Complementar
87/1996" [7]. Outros julgados
vão além e exigem que os itens adquiridos "sejam incorporados ao produto final, de forma a
modificar a maneira como esse se apresenta" [8]. Outros, ainda, comungam a linha de que é necessária "sua integração ao
produto final, ou seja, consumidos no processo de forma imediata a
integral" [9]. Há, também,
decisões na linha de que, para ser considerado "consumido no processo de
industrialização", deva ser atendido o requisito da
essencialidade [10]. A distinção do que é ou não
essencial é casuística. Já se decidiu, por exemplo, que os sacos e os filmes
plásticos utilizados pelos supermercados para o fornecimento de produtos
perecíveis ensejam o creditamento, enquanto as sacolas e bandejas em geral,
não [11].
É nesse contexto que assume relevância a
decisão proferida pela 1ª Seção do próprio STJ em matéria de creditamento de
PIS e Cofins na aquisição de insumos, adotada no recurso repetitivo
nº 1.221.170 [12], na qual foram definidos os
conceitos de essencialidade e relevância como
critérios delimitadores do direito ao crédito [13].
Na ocasião, foi fixada a tese de que "o conceito de insumo
deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja,
considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item - bem ou serviço - para o desempenho da atividade
econômica desempenhada pelo contribuinte". A
essencialidade diz respeito aos bens que "se
retirados (do processo produtivo) impossibilitariam ou, ao menos,
diminuiriam o resultado final do produto", enquanto a
relevância significa que o item "embora
não indispensável à elaboração do próprio produto ou à prestação do serviço,
integre o processo de produção".
Se, de um lado, é evidente que os regimes
não-cumulativos do PIS/Cofins e do ICMS possuem características que lhe
são singulares e não se confundem, sendo regulados por legislações próprias e
com técnicas diversas de eliminação da não cumulatividade, de outro, não é
menos certo que o precedente repetitivo da 1ª Seção em matéria de PIS/Cofins
pode ter parte de seus efeitos irradiados para outra situação em que a questio iuris tiver
o mesmo substrato fático-jurídico. Isso se põe especialmente quanto à discussão
acerca do item intermediário como parte do processo produtivo.
A despeito da não utilização do termo insumo na Lei
Complementar nº 87/1996, as discussões sobre o creditamento do ICMS na
aquisição de bens intermediários giram quase exclusivamente em torno de sua
definição. Basta ler os acórdãos sobre o tema e os entendimentos firmados no
âmbito da Secretaria de Fazenda de cada Estado. Afere-se em que medida um item
intermediário participa do processo produtivo e se ele pode, em função de suas
características, qualificar-se como insumo para fins de creditamento, ou se
melhor se qualifica como material de uso/consumo.
Insumo é uma qualidade do
bem ou serviço diante de sua inserção no processo produtivo. Evidentemente que
essa qualidade não se modifica em razão da natureza da demanda em que se
pleiteia o crédito ou do tributo envolvido. Se a essencialidade e
a relevância qualificam
um item intermediário como insumo,
a ele se aplicam todas as consequências jurídicas advindas. É daí que surge
plenamente viável a aplicação, com relação ao ICMS, dos critérios delimitadores
de insumo fixados para o PIS/COFINS, a fim de manter a jurisprudência estável, íntegra e coerente (artigo 926
do CPC), no âmbito daquele tribunal (STJ).
De outro lado, muito embora no âmbito do
Supremo Tribunal Federal (STF) encontrem-se precedentes de Turma na linha de
que "a aquisição
de produtos intermediários aplicados no processo produto que não integram
fisicamente o produto final não gera direito ao crédito de ICMS, uma vez que a
adquirente, nesse caso, mostra-se como consumidora final" [14], outros são no sentido de que "a discussão referente ao
creditamento de ICMS por incorporação de bens ao processo industrial na
condição de produto intermediário revela-se adstrita ao âmbito
infraconstitucional o princípio constitucionalidade da
não-cumulatividade" [15].
Tudo isso reafirma a necessidade de a 1ª
Seção do STJ definir se os materiais intermediários de produção geram créditos
de ICMS, considerando, inclusive, o entendimento já adotado para fins de
creditamento de PIS/Cofins.
[2] Em Minas
Gerais, há decisões na linha de rejeitar o crédito se os produtos forem "consumidos em linha marginal
à de produção". (PTA/AI 01.000258225-17, Acórdão
21.312/17/2ª, J: 01/02/2017), entendendo ainda "que o fato de determinado produto ser
utilizado na consecução da atividade econômica do contribuinte não assegura sua
classificação como produto intermediário (...)". (PTA/AI
01.000643081-28, Acórdão 22.683/17/3ª, J: 03/10/2017). No Rio de Janeiro, o
Conselho Pleno do Conselho de Contribuintes tem decisões na linha de que "para que um produto seja
classificado como insumo no processo industrial, faz-se mister (...) não
somente que integre o produto final ou seja consumido imediata e integralmente
no processo, mas, concomitantemente, que atue de modo intrínseco na
industrialização". (Recurso 72.046, Acórdão 10.009, J:
08/01/2020).
Autor: Luís Henrique da Costa Pires é
advogado no Dias de Souza Advogados Associados e mestre em Direito pela
Universidade de São Paulo (USP).
Fonte:
Revista Consultor Jurídico