O direito societário historicamente sempre
buscou preservar o princípio da maioria de votos como quórum legal para as
deliberações sociais, seja em razão da participação no capital social ou no
total de ações com direito a voto.
Essa era a regra a que as sociedades
limitadas estavam sujeitas desde 1919, com o Decreto 3.708, e que atendiam
plenamente às demandas do mercado. Porém, com a publicação do Código Civil de
2002, consubstanciado na Lei nº 10.406/2002, quóruns importantes aplicáveis às
limitadas foram aumentados. Por exemplo: o quórum deliberativo para alteração
do contrato social passou a ser ¾ do capital social e a designação de
administradores não sócios passou para 2/3 do capital.
Em que pese o fundamento teórico para o
incremento dos quóruns, fato é que, repentinamente, aqueles que detinham o
controle absoluto de sociedades limitadas por deter a maioria do capital social
- porém em proporção inferior a ¾ do capital - deixaram de tê-lo.
Evidentemente que naquele momento houve
quem sustentasse que a lei nova, no caso o novo Código Civil, não poderia
modificar direito adquirido e o ato jurídico perfeito, entendimento este que era
embasado inclusive por precedentes do STF (Supremo Tribunal Federal) acerca da
matéria.
Julgados mais modernos, todavia, entendiam
que não haveria direito adquirido quando se tratasse de mudança de regime
jurídico, como o que foi introduzido pelo novo Código Civil. Muito em razão
disso, o mercado brasileiro de maneira geral buscou se adaptar ao novo modelo
de governança societária introduzido pelo Código Civil.
Com o advento recente da Lei nº 14.451, de
21 de setembro 2022, foi dado um passo importante na direção de retorno aos
quóruns legais anteriores ao advento do Código Civil de 2002. Com isso, o
quórum para a modificação do contrato social voltou a ser o de maioria do
capital social e a designação de administradores não sócios passou para 2/3 dos
sócios, enquanto o capital não estiver integralizado, e da aprovação de
titulares de quotas correspondentes a mais da metade do capital social, após a
integralização.
Em um primeiro momento pode parecer uma
alteração singela, sem grandes repercussões. Porém, em uma análise mais detida
é necessário considerar alguns elementos importantes. A exemplo do ocorrido em
2002, quando sócios majoritários deixaram de deter o controle das sociedades
quando detivessem menos do que ¾ do capital, agora, em 2022, sócios minoritários
no capital detentores de mais de ¼ do capital deixaram de ter o direito de veto
ou de decidir conjuntamente com a maioria do capital acerca de matérias
importantes como a alteração do contrato social.
Seria prudente, de início, avaliar sob o
ponto de vista jurídico se haveria casos em que a Lei nº 14.451 de 21 de
setembro 2022 teria o potencial de prejudicar o ato jurídico perfeito e o
direito adquirido.
A prática societária nos indica haver
basicamente duas circunstâncias muito comuns aos contratos sociais de
sociedades limitadas: 1) contratos sociais que fazem referência vaga à lei
aplicável para determinar os quóruns deliberativos; e 2) contratos sociais que
trazem expressamente os quóruns deliberativos.
No primeiro caso, a alteração legal que reduz
o quórum é de fácil aplicação. Observa-se de imediato os novos preceitos da Lei
nº 14.451/2022.
Já a segunda circunstância é mais
desafiadora. Considere, por exemplo, um contrato social que estabeleça
expressamente o quórum de ¾ para abertura de filiais. Ora, poderia agora, com a
nova regra da Lei 14.451/2022 o detentor de maioria simples (50% + 1) do
capital social alterar o contrato social para reduzir o quórum estabelecido no
contrato social e, em seguida, deliberar a abertura de uma filial? Na letra fria
da lei, não prevalecem mais as exigências de quóruns de ¾ para alteração do
contrato e, portanto, poderia o sócio assim proceder sem restrições.
Por outro lado, e apenas para fins
argumentativos, seria essa uma ação cometida em abuso de direito, conforme
previsto no artigo 187 do Código Civil? Em uma primeira análise, a resposta
parece-nos que deverá sempre levar em consideração as circunstâncias
específicas aplicáveis ao caso e os elementos considerados na formação
contratual.
Uma outra hipótese é a de contratos sociais
que repetem expressamente o quórum de ¾ para alterar-se o próprio contrato
social. Nessa circunstância, será mais desafiador admitir-se que a maioria
detentora de 50%+1 do capital altere a letra do contrato social para reduzir o
quórum, pois valeria o quórum qualificado superior àquele estabelecido em lei
para as relações societárias.
Essas são questões relevantes para o
relacionamento entre sócios de sociedades limitadas e que certamente serão
objeto de análise pelos tribunais. É importante, porém, que os órgãos de
registro empresarial deixem claras as diretrizes que serão seguidas frente ao
novo arcabouço jurídico.
Autor:
Guilherme Vieira da Silva é sócio das
áreas de Fusões e Aquisições e Life Sciences do Demarest Advogados.
Fonte:
Revista Consultor Jurídico
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