O estudo da análise
das doutrinas, pelos intérpretes peritos nomeados e os assistentes indicados,
nos proporciona a oportunidade de apresentar uma reflexão sobre a distinção
entre doutrinas divergentes e convergentes. Porquanto, o perito deve apresentar
em seu laudo a sua fundamentação, inclusive a vinculada à utilização de
doutrinas indicando como alcançou suas conclusões, explicando a questão de
doutrinas divergentes e convergentes, arguidas nos autos do processo, por
determinação legal do CPC/2015: "Art. 473. O laudo pericial deverá
conter (.) § 1º No
laudo, o perito deve apresentar sua fundamentação em linguagem simples e com
coerência lógica, indicando como alcançou suas conclusões."
Apesar da regra
geral de que as doutrinas são decisivas para a solução de lacunas e silêncios
eloquentes ou de conceitos de termos jurídicos contábeis indefinidos na
legislação, podem surgir literaturas divergentes, e até mesmo as que levam a um
epistemicídio, motivo pelo qual, propomos uma reflexão sobre os referentes
conceituais que segue:
Doutrinas convergentes - são aquelas que apresentam relação
com outra, portanto, apresentam aspectos correlativos, onde as ideias são
próximas ou parecidas, logo, similares mas não iguais. Portanto, existem
doutrinas convergentes e divergentes, as quais devem ser enfrentados pelos
peritos, para contribuir positivamente na compreensão dos fatos e fundamentação
do diagnóstico. As doutrinas convergentes são uma forma válida de expressão da
ciência contábil consuetudinária. Na ambiência das perícias contábeis, as
doutrinas com aparência de convergentes, "uma situação de fato aceita pelos
cientistas" onde os intérpretes se manifestam como sendo algo verdadeiro,
tornam o fenômeno real como uma manifestação de ciência, e criam uma
fundamentação subjetiva, afastando o negativismo, mesmo com a constante
evolução da ciência.
Doutrinas divergentes - há divergências quando as ideias se
afastam para rumos diferentes, e representam ideias contrapostas, o que é
diferente de "erros", que são as opiniões com pontos ideológicos contradizentes
entre si, como também, é diferente de opiniões falaciosas que
partem de premissas equivocadas, e do abominável paralogismo, que é
o raciocínio falso que se estabelece involuntariamente, e dos repugnantes
sofismas que criam artificialmente a ilusão da verdade. São divergentes os
ensinamentos e descrições explicativas de um fenômeno estabelecendo parâmetros
distantes. O problema da divergência doutrinária deve ser enfrentado pelos
peritos, pois a atividade científica pericial é ligada à atividade doutrinária,
ou seja, unida pelos ensinamentos dos professores que tem liberdade de
convicção e notáveis conhecimentos, e apresentam paradigmas e paradoxos.
As divergências contribuem para a evolução científica do tema. Um ponto
divergente doutrinário apresentado em demandas, só será solucionado, se estiver
apoiado na ordenação de um raciocínio lógico-contábil[1] dos peritos, portanto, o perito quando
intérprete das doutrinas, desempenha o papel de crítico para desempatar o fator
divergente. Não afastamos a hipótese de uma nova doutrina, que seja divergente,
quiçá, venha quebrar paradigmas por uma versão melhorada do tema, daí a
importância do controle da prova pericial por parte dos assistentes indicados.
Solucionar questões doutrinárias não é tarefa fácil, por isto é que os Juízes e
litigantes são assistidos por peritos necessariamente especializados no tema.
Diante do inquestionável e contemporâneo entendimento sobre a necessidade de se
enfrentar as questões doutrinárias divergentes, pela via da metanoia
contabilística[2] e da semasiologia contabilística[3], devem os peritos, sem tergiversar,
lançar mão de uma técnica argumentativa, juízo de ponderações[4] diante de antinomias doutrinárias[5], que atenda, realmente, às necessidades do caso em
concreto. Segue exemplos básicos de doutrina convergente, divergente e erro, em
relação ao tema fundo de comércio, exemplos estes criados para fins didáticos.
Exemplo de
doutrinas convergentes em relação ao fundo de comércio.
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Doutrina
"A"
|
O
fundo de comércio surge a partir do superlucro em relação ao capital
investido.
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Doutrina
"B"
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O
fundo de comércio é criado quando existe excesso de lucro em relação ao ativo
operacional.
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Exemplo de
doutrinas divergentes em relação ao fundo de comércio.
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Doutrina "A"
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O superlucro é
precificado com um taxa de 6% ano.
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Doutrina "B"
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O superlucro é
precificado com um taxa de juros variável compatível a da do CDI.
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Exemplo de
doutrinas não divergentes, e sim de erro, seja intencional ou não.
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Doutrina "A"
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O fundo de
comércio pode ser precificado pelo método holístico (doutrina válida).
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Doutrina "B"
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O fundo de
comércio deve ser precificado pela métrica do fluxo de caixa descontado
(hipótese de erro, quiçá de: sofisma, falácia, ou paralogismo, pois depende
do contesto do caso em concreto e da argumentação a seu favor).
|
Estes
conceitos tidos como referentes: doutrinas convergentes e divergentes aqui grafados,
são uma reprodução, logo, uma citação, da nossa literatura, Laboratório de Perícia Forense-Arbitral. Aspectos
Técnicos e Científicos da Perícia Contábil - Teoria e Fundamentos. 2. ed.
Curitiba: Juruá Editora, 2023, que no momento desta reflexão estava no
prelo.
Uma divergência doutrinária pode ter uma magnitude de grande controvérsia e
interesse heurístico,[6] em função da relevância da matéria, do valor econômico ou social da demanda, vinculado aos aspectos da ampla defesa e
do contraditório, aonde a requerimento de um ou ambos dos litigantes, que
alegam cerceamento da ampla defesa e pleiteam o reexame do conjunto doutrinário
fático-probatório dos autos, ser deferida pelo julgador, que a questão
doutrinária divergente, seja submetida a um júri técnico[7],
em simetria ao art. 369 do CPC/2015, onde os assistentes técnicos das partes
fazem uma sustentação oral, antes do veredito do júri técnico. Uma demanda de
grande repercussão na sociedade e representatividade dos postulantes admite
também a figura do amicus
curiae, bancado por órgãos, pessoas naturais, instituições ou
associações, como previsto no art. 138 do CPC/2015. A fala do amicus curiae, concomitantemente,
com as sustentações orais dos peritos assistentes, pode trazer informações importantes
para a solução das questões doutrinárias divergentes, evitando-se com esta
prerrogativa de ampla defesa, decisões contrárias à ciência.
E por derradeiro, as análises das doutrinas com juízo de liberdade científica, contribuem
sobremaneira para a eliminação de conflitos doutrinários. Preenchendo os
requisitos básicos do §1º do art. 473 do CPC/2015.
Notadamente no que diz respeito à fundamentação das questões enfrentadas pelos
peritos, já que as fundamentações representam um conjunto coerente de ideias
basilares, que dão subsídio as respostas, pondo fim às questões controvertidas.
Lembrando que nem sempre o que é apresentado nos autos de um processo e
defendido como doutrina, é literalmente uma doutrina. Sugerimos, como uma
complementação a esta reflexão, antes de emitir uma opinião, se algo é ou não
uma doutrina, ver o sentido e alcance da categoria "doutrina", em nosso livro:
HOOG, Wilson A. Z. Moderno Dicionário Contábil -
da Retaguarda à Vanguarda. - Contém os Conceitos das IFRS. Revista, Atualizada
e Ampliada. 11. ed. Curitiba: Juruá, 2020.
[1] O método do
raciocínio lógico-contábil é um procedimento científico de análise e
investigação contabilística, é derivado da Teoria Pura da Contabilidade e
amplamente utilizado nas fundamentações periciais.
[2] Metanoia contabilística -
significa a ação, desbloqueio das ideias pré-concebidas, logo, a troca de
preconceitos por evidências científicas, onde se obtém a renovação e
aperfeiçoamento do conhecimento, afastando-se erros de cognição.
[3] Semasiologia -
significa técnica para criação e esclarecimento dos conceitos na
explicação dos fenômenos patrimoniais.
[4] Juízo de ponderações -
as bases filosóficas que subsidiam um critério para solucionar os casos de
conflitos de normas, doutrinas, postulados, convenções, métodos, métricas ou
princípios contábeis, diz-se, juízo de ponderações, que é uma situação diversa
de uma opinião pessoal. A doutrina de um modo em geral deve ser a solução de
casos conflitantes, mediante ponderações técnico-científicas que considerando
os princípios: da epiqueia contabilística, da razoabilidade, da
proporcionalidade e o da probabilidade. Pois, quando houver divergências ou
antinomia entre princípios, postulados, convenções, métricas, métodos, normas
ou critérios técnicos, um deles tem que ser flexibilizado diante do outro e
isto não significa declarar inválido o princípio ou a regra afastada, nem que o
princípio ou regra afastada tenha que ser uma exceção.
O que ocorre na ponderação, é que, sob certas circunstâncias, um dos princípios
ou regras precede ao outro. São as antinomias técnicas solucionadas pela via de
uma ponderação. Os princípios e regras têm diferentes pesos, logo, o que
prevalece é o de maior peso, "peso e sua proporcionalidade", logo, os
parâmetros com que se avalia uma situação. Um juízo de ponderação leva em conta
diversas variáveis (regras, princípios, técnicas, legislações, postulados,
convenções, métricas, entre outras), assim como, a complexidade do tema, e a
relevância da cronologia dos fatos, o perfil dos litigantes e do padrão de
conduta. Todo o juízo de ponderação deve ser construído a partir da
própria concretização de um entendimento extraído de uma literatura
conjuntamente com um determinado ato ou fato, à luz de um princípio, de
um postulado, de uma métrica ou de outra regra, ocasionando uma
prevalência do objeto do estudo, por este motivo, a prática da ponderação não
gera a desqualificação e não nega a validade de um princípio ou regra, mas, tão
somente, em virtude do peso menor apresentado ao caso em concreto, terá a sua
aplicação afastada. Desta forma, o labor pericial contábil não pode ser
entendido, à luz da Teoria Pura da Contabilidade, como a mera aplicação de
norma, de princípio ou de qualquer regra, ao caso concreto, sem que este seja
submetido a um juízo de ponderação em relação à situação fática. É necessário
que uma análise científica contábil contribua para o alcance de um resultado
probante de forma equânime. Um bom exemplo da aplicação do juízo de ponderações,
são as situações de arbitramento, de presunção, de recuperabilidade, da
aplicação da essência sobre a forma, além do uso de critérios de valorimetria.
E entre estes critérios temos: a média, a mediana, a moda, e a amostra
superlativa, na escolha do lucro normalizado, para fins da precificação do
fundo de comércio pela via do método holístico que possui quatro regras
distintas, e não existe hierarquia para solucionar antinomias, logo, o perito,
pode, por meio de um juízo de ponderações escolher qualquer um dos princípios
ou regras, desde que seja logicamente o mais adequado ao caso em concreto.
(HOOG, Wilson A. Z. Moderno Dicionário de
Contabilidade. 11. ed. Curitiba: Juruá, 2021.)
[5] Por antinomias doutrinárias entende-se os inúmeros posicionamentos
doutrinários. A antinomia representa fenômeno comum de divergência real entre
doutrinadores. O estudo das antinomias doutrinárias, divergências,
relaciona-se à questão da consistência de um fenômeno científico, eis que uma
teoria "doutrina de um mesmo autor" não pode apresentar simultaneamente leis
científicas que sejam excludentes entre si, pois, uma coisa não pode ser
verdadeira e falsa ao mesmo tempo, como ser lucro e prejuízo.
[6] Interesse heurístico -
para a teoria pura da contabilidade, no ramo da perícia, representa aquilo que
tem utilidade em uma descoberta científica. É a ideia ou a linha reguladora de
uma análise ou teste, efetuado no laboratório de perícia forense, logo, é a
diretriz de una pesquisa investigatória, ou seja, o processo criado com o objetivo
de encontrar soluções para uma dúvida. (HOOG, Wilson A. Z. Moderno Dicionário Contábil - da Retaguarda à
Vanguarda. - Contém os Conceitos das IFRS. Revista, Atualizada e Ampliada. 11.
ed. Curitiba: Juruá, 2020.)
[7] Júri técnico - o júri
técnico pode ser utilizado em procedimentos da Justiça Estatal ou de
Arbitragem, mediação e conciliação, é formado por profissionais da escol de
determinada área do conhecimento científico, escolhidos com base em acervo
técnico dos indicados pelos litigantes, que necessariamente não são os de
renome do mercado, e sempre em número ímpar, é um conjunto de técnicos tidos
como ícones de conhecimento, técnico-científico, escolhido por sorteio, que
servem como Juízes de fato em um julgamento técnico-científico e terão como
missão a escolha da alternativa, tese técnica mais adequada e que se aplica no
caso em concreto, normalmente devem ser utilizados em demandas que envolvem
questões complexas onde as partes pretendem, além de um testemunho técnico, a
submissão do fato a um corpo de jurados técnicos. Durante a escolha do corpo do
júri, podem as partes impugnar indicações por razões fundamentadas de suspeição
ou imparcialidade. Os jurados têm total competência sobre a matéria de fato,
enquanto os Árbitros têm competência, sobre a matéria de direito. Trata-se de
uma comissão ou órgão de apoio, que possui as seguintes características:
1. Número ímpar de seus membros;
2. A competência para definirem o
cronograma de julgamento, a ouvida da sustentação oral das teses e das
argumentações técnico-científicas de contra tese;
3. A independência de convicção e
liberdade de escolha;
4. Liberdade de juízo científico,
a escolha se dará pela maioria dos votos, em caso de empate prevalecerá o voto
do jurado presidente;
5. A plenitude da defesa e o
contraditório;
6. A soberania dos veredictos;
7. E a exclusividade quanto à
competência para julgar fatos e procedimentos técnico-científicos.
8. O dever de assegurar as partes,
a paridade de tratamento, em relação ao exercício de direitos vinculados aos
meios de defesa-técnica e aos deveres, competindo aos jurados zelar pelo
efetivo contraditório técnico. Afastando quando cabível, o abuso da
tecnicidade, que é a valorização excessiva dos recursos tecnológicos ou de uma
sustentação oral durante a atuação dos técnicos, para a descoberta da verdade.
O instituto do júri técnico, quiçá inédito para a maioria das pessoas, busca
privilegiar em um contexto histórico contemporâneo da Lei de Arbitragem, os
debates técnicos e científicos em torno do papel da ciência privilegiando os
esforços contra e a favor de argumentos "técnico-científicos" ou doutrinas
divergentes. Solucionando divergências técnicas no âmbito da ciência pela via
da cooperação técnico-científica do júri que promove esforços conjuntos na
identificação da melhor solução técnico-científica.
[i] Wilson A. Zappa Hoog é
sócio do Laboratório de Perícia-forense arbitral Zappa Hoog & Petrenco,
perito em contabilidade e mestre em direito, pesquisador, autor da Teoria Pura
da Contabilidade e suas teorias auxiliares, doutrinador, epistemólogo,
com 49 livros publicados, sendo que existe livro que já atingiram a marca
da 17ª edições.
REFERÊNCIAS
Brasil. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.
Disponível em: <http://www4.planalto.gov.br/legislacao/ >. Acesso em: 24
set. 2022.
HOOG, Wilson A. Z. Moderno Dicionário Contábil - da Retaguarda à
Vanguarda. - Contém os Conceitos das IFRS. Revista, Atualizada e Ampliada. 11.
ed. Curitiba: Juruá, 2020. 691 p.
______. Laboratório
de Perícia Contábil Forense-Arbitral. Aspectos Técnicos e
Científicos da Perícia Contábil - Teoria e Fundamentos. Curitiba: Juruá, 2023,
no prelo.
Autor: Prof. Me.
Wilson Alberto Zappa Hoog