Em sessão virtual encerrada no
último dia 7 de março, a 1ª Seção do STJ (Superior Tribunal de Justiça)
afetou ao rito dos recursos repetitivos controvérsia atinente à possibilidade
de exclusão de benefícios/incentivos fiscais de ICMS da base de cálculo do IRPJ
e da CSLL [1].
O resultado de julgamento enuncia a tese
controvertida nos seguintes termos: "Definir
se é possível excluir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS, - tais como redução de base de
cálculo, redução de alíquota, isenção, imunidade, diferimento, entre outros - da base de cálculo do IRPJ e da
CSLL (extensão do entendimento firmado no Eresp 1.517.492/PR que excluiu o
crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL)".
Fundamental para melhor compreensão da
questão a ser discutida é a análise do citado EResp nº 1.517.492/PR, por meio
do qual a 1ª Seção, por maioria, definiu que os créditos presumidos concedidos
a título de incentivo fiscal de ICMS não compõem a base de cálculo do IRPJ e da
CSLL [2]. A paridade entre os temas é perceptível
de plano.
Naquele julgamento prevaleceu o
entendimento sufragado pela ministra Regina Helena Costa, que, em suma,
concluiu que a tributação dos créditos presumidos de ICMS pela União violaria a
segurança jurídica e o princípio federativo. Isso porque, segundo a ministra,
este último se revela como "sobreprincípio
regulador da repartição de competências tributárias e, por isso mesmo, elemento
informador primário na solução de conflitos nas relações entre a União e os
demais entes federados".
A partir de um enfoque
ético-constitucional, o raciocínio ratificado pela seção é de que o juízo de
validade acerca do exercício da competência tributária deve tomar em conta os
objetivos da Federação inscritos na Constituição Federal e, portanto, a
tributação dos valores sob questão estimularia a competição indireta entre os
entes federativos, sob pena de malferimento da cooperação e da igualdade.
Ademais, assinalou-se a importância da
concessão de incentivos fiscais de ICMS como forma de se reduzir as
desigualdades regionais, alavancar o desenvolvimento social e econômico do país
(artigos 3º III, 151, I, e 155, §2º, XII, alíneas e, f e g, todos da CF/88).
Nesse contexto, a incidência do IRPJ e da CSLL sobre tais valores abriria a
possibilidade de a União retirar, por via oblíqua, o incentivo fiscal concedido
pelo estado-membro.
Importante ressaltar, ainda, que a ministra
Regina Helena Costa ponderou que a referida tributação seria incompatível com a
base de cálculo do IRPJ e da CSLL, considerando que os créditos presumidos de
ICMS representariam materialidade estranha à hipótese de incidência de tais
tributos.
Sob outro prisma, foram vencidos naquela
ocasião os ministros Og Fernandes (relator) e Assusete Magalhães, que
entenderam pela inclusão dos valores atinentes aos créditos presumidos de ICMS
na base de cálculo do IRPJ e da CSLL. A ratio adotada
pela corrente, forte nas razões levantadas pela Fazenda Nacional, parte da
premissa de que os valores, ao configurarem diminuição de custos e despesas,
aumentam indiretamente o lucro tributável e, portanto, devem compor a base de
cálculo dos tributos.
Traçado o enquadramento sobre o qual a
questão atinente à tributação dos créditos presumidos de ICMS pelo IRPJ e CSLL
foi apreciada, passemos ao horizonte do que será julgado nos REsps nº
1.945.110/RS e 1.987.158/SC, sem qualquer pretensão de exaurir os debates sobre
o tema.
De início, de notar a maior amplitude do
objeto de julgamento em tais repetitivos. Isto é: estará em jogo não apenas um
incentivo tributário de ICMS específico, mas sim qualquer incentivo. Até porque,
com base na proclamação do resultado de julgamento na sessão de afetação, resta
evidente que a decisão será aplicável para "redução
de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, imunidade, diferimento, entre
outros".
Apesar de que essa divergência quanto ao
espectro do julgamento pode conduzir ao afastamento das premissas fáticas que
nortearam o julgamento do EResp nº 1.517.492/PR, possuímos a percepção de que
essa linha de pensamento não parece ser acertada. Afinal, os créditos
presumidos de ICMS também são uma espécie de incentivo fiscal.
Com efeito, tal reflexão conduz à indagação
acerca do distinguishing entre
os casos afetados ao rito dos repetitivos e o multicitado embargos de
divergência. Fundamentalmente, sob o aspecto jurídico, compartilhamos a opinião
de que não há distinção entre as matérias, vez que o crédito presumido, assim
como outros benefícios, nada mais é do que uma forma de renúncia de receita por
parte do Estado [3].
E essa identidade entre os objetos nos
parece ter se tornado mais evidente à luz das alterações efetivadas pela Lei
Complementar nº 160/2017 à Lei nº 12.973/2014, que, ao cabo, equiparou todos os
incentivos fiscais de ICMS para caracterização como subvenções para
investimento [4].
Em antecipação à conclusão do presente
artigo, a consequência para tanto não poderia ser outra: a ratio decidendi do
EREsp nº 1.517.492/PR deverá ser replicada aos
recursos repetitivos a serem julgados.
Porém, em análise preliminar sobre o tema,
não foi esse o caminho adotado pela 2ª Turma ao julgar o REsp nº 1.968.755/PR,
onde o Colegiado apontou que a exclusão de isenções e reduções da base de
cálculo de ICMS concedidas pelos estados da base de cálculo dos IRPJ e CSLL
configuraria verdadeira isenção heterônoma, a qual é vedada pela CF/88. No
entanto, ressalvou o ministro Mauro Campbell Marques (Relator) que o pedido
merece acolhimento com fulcro no artigo 10 da LC nº 160/2017.
Esclareceu o ministro em sede de embargos
de declaração que o aludido dispositivo classificou incentivos fiscais de ICMS
como subvenções para investimento, as quais podem ser excluídas da base de
cálculo do IRPJ e da CSLL, observadas as condições previstas no artigo 30
da Lei nº 12.973/2014, qual seja: a necessidade de registro em reserva de
lucros e limitações correspondentes.
Desse modo, fixou-se que os efeitos do
EResp nº 1.517.492/PR estariam restritos aos benefícios de crédito presumido de
ICMS, aplicando-se as disposições da LC nº 160/2017 e da Lei nº 12.973/2014 aos
demais incentivos.
Diversa foi a compreensão adotada pela 1ª
Turma no julgamento do REsp nº 1.222.547/RS, em que novamente a ministra Regina
Helena Costa afastou a tributação pretendida pela União aos mesmos argumentos daqueles
expostos na discussão referente aos créditos presumidos. Contra esse acórdão,
houve a interposição de embargos de divergência pela Fazenda Nacional,
indicando como paradigma o citado REsp nº 1.968.755/PR.
A princípio, nos parece que o acerto do
entendimento da 1ª Turma parte de quatro premissas. A primeira é de que a
análise quanto à incidência do IRPJ e da CSLL sobre os incentivos fiscais de
ICMS à luz do contexto
federativo é rigorosamente a mesma daquela realizada no âmbito
do EResp nº 1.517.492/PR [5].
A segunda consiste no fato de que, tanto no
caso do crédito presumido, quanto no caso dos demais incentivos de ICMS, o
contribuinte apura receita contábil decorrente da redução do valor a pagar a
título de ICMS, evidenciando a identidade
prática entre os benefícios para fins de aplicação do racional
do citado EResp (mesmo tratamento).
A terceira diz respeito à incidência dos
tributos federais, que não pode se desvincular de sua materialidade. Em outras
palavras, não pode ser submetido à tributação pelo IRPJ e pela CSLL aquilo que
não representa riqueza ou efetivo
acréscimo patrimonial, mas sim contenção de custos de produção
concedido pelos estados.
Em quarto lugar, o entendimento pretendido
pela Fazenda Nacional não se coaduna com as disposições da LC nº 160/2017,
que equalizou o
tratamento dado a todos os incentivos fiscais de ICMS no que tange à sua
exclusão da base de cálculo do IRPJ e da CSLL [6].
Ao nosso ver, portanto, a expectativa é de
que a 1ª Seção do STJ reitere sua jurisprudência quanto à exclusão dos
benefícios/incentivos de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, na linha do
que restou decidido no Eresp nº 1.517.492/PR. Decisão em sentido contrário
desprestigiaria a segurança
jurídica e a coesão entre os julgados do STJ. Além disso,
relevante ponderar os efeitos da decisão com relação àquele precedente em caso
de alteração do entendimento.
Por fim, anote-se que a análise final sobre
a matéria deverá ser tomada a cabo pelo próprio STJ, considerando que o STF, em
sede de repercussão geral, reconheceu o caráter infraconstitucional da
discussão [7].
Autor:
Paulo Boechat Tôrres é pós-graduando
em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet),
mestrando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) e advogado no Mauler
Advogados.
Fonte: Revista Consultor Jurídico