Na coluna de hoje voltamos a um tema que,
em alguma medida, já havia sido anteriormente objeto de análise nesse
espaço [1], o que se dá em razão de recente decisão
da 3ª Câmara Superior do Carf veiculada no Processo Administrativo nº
10865.902025/2013-56 [2], que autorizou o
aproveitamento de créditos de PIS/Cofins sobre os chamados "insumos dos
insumos".
No sobredito caso concreto, o contribuinte
pleiteava créditos sobre os gastos incorridos na produção de cana-de-açúcar,
que, por sua vez, é utilizada como insumo para obtenção de açúcar e álcool. A
discussão, portanto, envolve a extensão do conceito de insumo, para fins de
creditamento do PIS/Cofins, i.e., se adstrito ao processo fabril ou se
alcançando tudo o que componha o processo de produção em sentido amplo.
Como é de plena sabença, durante anos a
Receita Federal defendeu a posição de que insumo seria o bem ou serviço
diretamente empregado no processo produtivo, e nele consumido. De outro lado,
os contribuintes consideravam que a maioria, senão a totalidade de suas
despesas, deveria ser enquadrada como insumos. Enquanto, de forma restritiva, a
RFB aproximava o conceito de insumo àquele utilizado para fins de creditamento
do IPI, os contribuintes defendiam uma interpretação mais elástica, relacionada
ao conceito de despesas operacionais para fins de apuração do IRPJ.
No Carf, a respeito do alcance da expressão
"insumos", a jurisprudência se consolidou na posição intermediária,
no sentido de que insumo seria o gasto que contribui para a obtenção de
receita, a partir dos critérios
da essencialidade e da relevância no contexto específico da
atividade econômica desenvolvida pelo contribuinte, ou seja, a partir de uma
análise casuística da atividade empresarial sob julgamento.
Apesar disso, as controvérsias sobre o tema
não se encerraram. É possível encontrar decisões do Carf em que tais critérios
não foram, de forma isolada, suficientes para definir o que poderia ou não ser
considerado no cálculo do crédito de PIS/Cofins. O exemplo clássico de
controvérsia que se perpetuou é exatamente aquele objeto desse artigo.
A maioria dos casos envolve agroindústrias,
tal como no processo examinado pela CSRF, tanto que essa discussão também se
costuma denominar de "insumos da fase agrícola". Para ficar na
situação mais recorrente, as usinas sucroalcooleiras costumam produzir, na
etapa agrícola, a cana-de-açúcar que serve de insumo para a etapa industrial,
na qual se obtém o açúcar e o álcool a serem comercializados. Por isso, tais
contribuintes sustentam ter direito de crédito na aquisição, por exemplo, de
produtos para realização de testes de qualidade e para o preparo do solo,
exemplos de "insumos de insumos".
Apesar da profusão de decisões
favoráveis [3][4], o Carf,
pela sua Câmara Superior, já negou no passado recente os créditos nessa
hipótese particular. Em linhas gerais, o fundamento era de que gastos
incorridos na fase
anterior a de produção do bem não poderiam ser considerados
insumos, nos termos previstos na legislação (Leis 10.637/2002 e 10.833/2003).
Cita-se, exemplificativamente, o Acórdão 9303-005.806 (relator Rodrigo da
Costa Possas, j. 17/10/2017), do qual se observa a seguinte passagem do voto
vencedor:
"(...) As usinas de açúcar e álcool, como
se sabe, são estabelecimentos agroindustriais que produzem, a partir da cana, o
açúcar, o melaço, a aguardente e o álcool. Além de sua fabricação própria,
costumam adquirir a cana de outros estabelecimentos produtores. Pelos motivos
aqui adotados (existência autônoma da atividade
industrial propriamente dita), a aquisição da cana gera, sim, o direito à
apropriação dos créditos correspondentes, não, contudo, os gastos realizados, pela própria Recorrente, no plantio e
colheita da cana de açúcar. Pode-se até achar inconveniente, mas é assim que a
lei é."
No entanto, como se sabe, em 2018 foi
publicado o acórdão proferido pelo STJ no julgamento do REsp repetitivo
1.221.170. Na ocasião, a Corte adotou os mesmos critérios de essencialidade e
relevância que já vinham sendo empregados pelo Carf para exame do que pode ou
não ser considerado insumo.
Como decorrência, a Receita Federal editou
o Parecer Normativo Cosit 05/2018 para tratar de eventuais reflexos práticos do
precedente vinculante do STJ. Dentre outras questões, tratou da possibilidade de apuração de
créditos das contribuições na modalidade aquisição de insumos em relação a
dispêndios necessários à produção de um bem-insumo utilizado na produção de bem
destinado à venda ou na prestação de serviço a terceiros (insumo do insumo).
Em linha com a jurisprudência
administrativa e judicial, o referido Parecer reconhece a extensão do conceito de insumos
a todo o processo de produção de bens destinados à venda ou
de prestação de serviços a terceiros. Conclui expressamente
que a permissão de
creditamento retroage no processo produtivo de
cada pessoa jurídica para alcançar os insumos necessários à confecção do
bem-insumo utilizado na produção de bem destinado à venda ou na prestação de
serviço a terceiros,
beneficiando especialmente aquelas que produzem os próprios insumos.
Com isso, novos casos tratando dessa
matéria foram submetidos ao crivo da CSRF, oportunidade em que aquele órgão
julgador, curvando-se ao
entendimento exarado pelo Tribunal Superior no
citado leading case admitiu
o creditamento de PIS/Cofins para insumos empregados na fase agrícola de uma
determinada agroindústria, conforme se observa do acórdão 9303-007.864
(relator: Rodrigo da Costa Possas, j. 17/10/2017), assim ementado, verbis:
"(...).
CRÉDITO. ATIVIDADE
FLORESTAL COMO PARTE INTEGRANTE DO PROCESSO PRODUTIVO. INSUMOS DE INSUMOS. Afinando-se ao
conceito de insumos exposto pela Nota SEI PGFN MF 63/18, bem como considerando a atividade florestal como
parte integrante do processo produtivo, ao aplicar o Teste
de Subtração, é de se reconhecer o direito ao crédito das contribuições sobre: (i)
os dispêndios com bens e serviços
contratados a terceiros para o plantio clonagem, pesquisa, tratamento do solo,
adubação, irrigação, controle de pragas, combate a incêndio, corte, colheita,
transporte das toras de madeira, utilizados antes do tratamento físico-químico
da madeira, não caracterizados como despesas relacionadas com
bens do ativo permanente e que possuem classificação jurídica e contábil como
custos de produção, entre eles, serviços florestais de silvicultura/trato
cultural das florestas próprias, serviços de viveiros, serviço florestal de colheita,
serviços topográficos, controle de qualidade de madeiras, monitoramento
florestal, irrigação, terraplenagem; (ii) aluguéis de
guindaste operado para manejo de insumos; (iii) transporte de madeira entre a
floresta e a fábrica; (iv) lubrificantes, consumidos nos equipamentos, mesmo
durante a etapa agrícola; (v) gastos com correias de amarração, estrados,
paletes e caixas de papelão, desde que não se configurem em itens imobilizados
e (vi) combustíveis empregados no processo produtivo. (...)."
Entendemos que as recentes decisões estão
em linha com a racionalidade do PIS/Cofins não-cumulativos.
De fato, o artigo 195, §12 da Constituição
outorgou competência à lei ordinária para definir os setores de atividade
econômica que deverão se sujeitar à sistemática não-cumulativa de apuração das
contribuições incidentes sobre a receita ou o faturamento, tais como o PIS e a
Cofins. Definidos tais setores, a não-cumulatividade até pode ser objeto de
algum delineamento legal, mas desde que não haja a supressão da diretriz de
neutralidade que a norma da não cumulatividade busca realizar.
Repita-se: ainda que o legislador ordinário
tenha certa margem de discricionariedade para disciplinar o regime
não-cumulativo, conforme decidido pelo STF-Pleno [5],
é certo que o PIS e a Cofins apuradas nessa sistemática devem atender à
diretriz de neutralidade para o contribuinte. Do contrário, haverá superposição
das incidências ("tributação em cascata"), tornando o sistema
cumulativo e sobreonerando os produtos e serviços entregues aos consumidores.
Por isso, o modelo deve ser estruturado de forma a eliminar o custo tributário
suportado pelo contribuinte para gerar suas receitas.
Portanto, insumo não é somente aquele bem
ou serviço aplicado diretamente nos produtos ou serviços. Deve ser considerada
a completude do processo produtivo do contribuinte, sob pena de se restringir
indevidamente o conceito de insumo que confere lógica ao modelo não-cumulativo.
Assim, também são insumos os gastos
incorridos antes da
fase em que se obtém o produto, ou seja, também geram direito de crédito de
PIS/Cofins os bens e serviços empregados na elaboração de um novo insumo
aplicado na fase subsequente, dentro de sua própria cadeia produtiva.
Logo, é possível considerar como
"insumos" os produtos e serviços utilizados na produção dos próprios
insumos, desde que esses sejam essenciais e relevantes para a atividade da
empresa, tal como acertadamente tem reconhecido o Carf.
Aliás, diante da mais recente decisão do
Carf para a matéria, é possível afirmar que jurisprudência do Tribunal se
consolidou quanto à possibilidade de creditamento de PIS e Cofins na hipótese
de "insumos de insumos", o que é extremamente salutar para o prestígio do valor
segurança jurídica, colaborando para encerrar mais uma das controvérsias que se
arrasta há tempos nesse tema.
[1] ConJur - Carf analisa crédito de PIS/Cofins após
precedente vinculante do STJ.
Autores:
Diego Diniz Ribeiro é advogado
tributarista e aduanerista, sócio do Daniel & Diniz Advocacia,
ex-conselheiro titular do Carf na 3ª Seção de Julgamento, professor de Direito
Tributário, Direito Aduaneiro, Processo Tributário e Processo Civil, doutorando
em Processo Civil pela USP, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP,
pós-graduado em Direito Tributário pelo Ibet e pesquisador do NEF da FGV-SP e
do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.
Éric Imbimbo é pós-graduando em Direito Tributário pelo IBDT, advogado
tributarista e aduanerista e associado do Daniel & Diniz Advocacia
Tributária.
Fonte: Revista Consultor Jurídico