O assunto
"reforma tributária" está há décadas em pauta; ganhou novo capítulo
em 2019 com duas propostas de emenda à Constituição apresentadas, uma pelo Senado
e outra pela Câmara, e por ter sido promessa de campanha política; e, em 2023,
vem fomentando os debates no campo jurídico e político.
Na trilha
argumentativa de simplificar o sistema tributário, as propostas não se limitam
a prefixar uma mera reforma e sim a um novel sistema
de tributação que impacta em mudanças de ordem constitucional, técnica e
arrecadatória em todos os âmbitos da federação.
A Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) nº 45/2019, de relatoria do deputado João Roma,
possui como pretensão promover "uma ampla reforma do modelo brasileiro de
tributação de bens e serviços, através da substituição de cinco tributos atuais
por um único imposto sobre bens e serviços" [1].
No que tange à
PEC nº 110/2019, que resgata a redação em sua integralidade do texto de reforma
tributária aprovado na Câmara dos Deputados em 2008 (Comissão Especial da PEC
nº 293/2004, de relatoria do deputado Luiz Carlos Hauly), apresenta como
justificativa que "a ideia é simplificar o atual sistema,
permitindo a unificação de tributos sobre o consumo e, ao mesmo tempo,
reduzindo o impacto sobre os mais pobres. Aumenta-se (sic)
gradativamente os impostos sobre a renda e sobre o patrimônio e melhora-se a
eficácia da arrecadação, com menos burocracia" [2].
Ambas as PECs
propõem, notadamente, inserções significativas no modelo atual do sistema
tributário nacional, de modo que os impostos que incidem sobre a produção,
comercialização de produtos e prestação de serviços sejam unificados.
O foco central é
a substituição do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), da
Contribuição para o Programa de Integração Social e Contribuição para o
Financiamento da Seguridade Social (PIS/Cofins) e do Imposto Sobre Serviços
(ISS) pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) ou Imposto sobre Valor Agregado
(IVA) nacional, modelo que vem sendo adotado em mais de 170 países.
Além disso,
propõem ainda, a criação de um Imposto Seletivo (IS) sobre alguns bens e
serviços específicos, com finalidade extrafiscal.
Ambos os modelos
preveem a possibilidade de devolução de imposto cobrado sobre o consumo da
população de baixa renda em formato de crédito, chamado de "cashback tributário".
Embora o
objetivo seja comum, a PEC nº 45/2019, da Câmara dos Deputados, e a PEC nº
110/2019, do Senado, trazem algumas diferenças de alterações constitucionais,
as quais resumidamente são:
· Impostos que serão extintos e substituídos pelo IBS
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PEC nº110
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IPI,
IOF, PIS/Pasep, Cofins, Salário-educação, Cide-combustíveis, ICMS e ISS
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PEC nº 45
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IPI,
ICMS, ISS, PIS e Cofins.
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· Competência dos Entes Federativos na criação do IBS
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PEC nº 110
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A
competência para a criação do imposto será estadual, mas por intermédio do
Congresso Nacional (representantes dos estados e dos municípios). A PEC
propõe que, para evitar perdas de arrecadação para alguns entes federados,
devem ser criados dois fundos, que vão compensar diferenças hipotéticas da
receita per capita entre estados e municípios.
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PEC nº 45
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A
competência para instituir o referido tributo é da União sendo regulada
exclusivamente por lei complementar e, após instituído, a competência
legislativa dos entes federativos (União, estados, Distrito Federal e municípios)
será restrita à fixação das alíquotas.
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· Fixação das alíquotas do IBS
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PEC nº 110
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As
alíquotas serão fixadas por lei complementar e serão uniformes em todo o
território nacional, possuindo regulamentação única
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PEC nº 45
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Cada
ente federativo irá fixar uma parcela da alíquota mediante previsão em suas
leis ordinárias específicas (lei federal, lei estadual, lei distrital e lei
municipal). Para os contribuintes, a alíquota aplicável a cada operação será
formada pela soma das alíquotas da União, dos estados, do Distrito Federal e
dos municípios previstas em suas leis específicas.
A
alíquota do Imposto sobre Bens e Serviços de cada ente federativo será
formada pela soma de um conjunto de subalíquotas - denominadas alíquotas singulares
- correspondentes às atuais destinações constitucionais dos tributos
substituídos pelo IBS. As alíquotas singulares poderão ser fixadas
individualmente, observado que as alíquotas singulares correspondentes à
destinação de recursos a outros entes federativos e à saúde e à educação não
poderão ser reduzidas
No
caso de operações interestaduais e intermunicipais será aplicada a alíquota
do estado e do município de destino, sendo a distribuição da receita feita de
forma correspondente ao ente do destino que a parcela pertencer.
No
ente federativo que não tiver legislação fixando a alíquota do imposto,
vigorará a respectiva alíquota de referência (federal, estadual, distrital ou
municipal), que é aquela que repõe a arrecadação dos tributos substituídos
pelo IBS.
Ou
seja, a alíquota de referência será para a União, a que repõe a receita dos
impostos federais que serão substituídos pelo IBS; para os estados, a que
repõe a receita de ICMS do conjunto dos estados; para o Distrito Federal, a
soma das alíquotas de referência estadual e municipal; e, por fim, para os
municípios, a que repõe a receita de ISS do conjunto dos municípios.
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· Concessão de benefícios fiscais - IBS
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PEC nº110
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Será
concedido benefício fiscal mediante lei complementar em relação às operações
com os seguintes produtos ou serviços: alimentos, inclusive os destinados ao
consumo animal, medicamentos, transporte público coletivo de passageiros
urbano e de caráter urbano, bens do ativo imobilizado, saneamento básico, e
educação infantil, ensino fundamental, médio e superior e educação
profissional.
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PEC nº45
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Não
prevê a concessão de isenções, incentivos ou benefícios tributários ou
financeiros.
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· Período de transição para a distribuição da receita do IBS
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PEC nº110
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Prevê
o período de quinze anos para a transição total, contados da criação dos
novos impostos, sendo o produto da arrecadação entregue integralmente a cada
ente correspondente.
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PEC nº 45
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Pela
proposta, esta transição se dará em cinquenta anos, contados do início da
redução das alíquotas do ICMS e do ISS.
Nos
primeiros quarenta e nove anos, a parcela da receita do IBS destinada a cada
estado e município será definida pela soma de três parcelas: 1) reposição da
perda de receita própria decorrente da redução das alíquotas do ICMS e do
ISS, corrigida monetariamente (integral nos primeiros 20 anos e decrescente
ao longo dos vinte e nove anos seguintes); 2) aumento ou redução da receita
de IBS decorrente da fixação da alíquota do Imposto pelo estado ou pelo
município acima ou abaixo da respectiva alíquota de referência; e 3)
distribuição da diferença entre a receita total do imposto atribuível aos
estados e municípios e o valor correspondente às demais parcelas, a qual será
feita com base no princípio do destino, com base nas alíquotas de referência
do imposto. A partir do quinquagésimo ano, a receita do IBS será distribuída
integralmente pelo princípio do destino.
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· Sobre o Imposto Seletivo que tem natureza extrafiscal
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PEC nº110
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O
Imposto Seletivo incidirá sobre produtos específicos, como petróleo e
derivados; combustíveis e lubrificantes; cigarros; energia elétrica e
serviços de telecomunicações. Especifica-se que os serviços de telecomunicação
passíveis dessa taxação são apenas aqueles regulados pela União.
Lei
complementar definirá quais os produtos e serviços estarão incluídos no
Imposto Seletivo.
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PEC nº 45
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Prevê
que a União poderá, com base na competência residual, criar impostos seletivos,
com finalidade extrafiscal, destinados a desestimular o consumo de
determinados bens, serviços ou direitos, por exemplo, consumo de álcool ou de
tabaco.
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No contexto das
propostas não se encontra a resposta a uma autêntica indagação: a criação de um
IBS/IVA substituindo alguns (não todos) tributos dará espaço para uma carga
tributária simples e reduzida?
Distante do
objetivo principal, uma leitura nos permite ver que não há nada de simples na
nova forma de tributação, tanto é verdade que podemos ter até 50 anos de
transição completa de um sistema para o outro, conforme consta na literalidade
da PEC nº 45/2019.
O argumento de
uma tributação mais justa com a adoção do "cashback tributário"
pode ser sanado no atual sistema, que possui mecanismos e possibilidades de
diminuição da carga tributária para as famílias de baixa renda (vide caso de
Rio Grande do Sul com o "Devolve ICMS" desde 2021 e a experiência de
países como Canadá, Uruguai e Colômbia), basta apenas vontade política para tal
medida social.
O novo sistema
tributário proposto pelas PECs nº 45 e nº 110 impacta muitos setores da
economia e a forma de arrecadação dos entes da federação. O que se percebe é
que muito diálogo ainda precisa ser promovido antes de qualquer aprovação.
Autores:
Renata Elaine Ricetti Marques é
sócia-fundadora do Ricetti Oliveira Advogados, pós-doutora pela Universidade
São Paulo (USP), doutora e mestre em Direito Tributário pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), coordenadora e professora do curso
de pós-graduação lato sensu em Direito Tributário da Escola Paulista de Direito
(EPD), presidente do Instituto Acadêmico de Direito Tributário e Empresarial
(IADTE) e membro da Comissão de Direito Constitucional e Tributário da Ordem
dos Advogados do Brasil - Subseção de Pinheiros.
Ilmara Oliveira é sócia- fundadora do Ricetti Oliveira Advogados, mestre
em Direito Tributário pela Universidade Católica de Brasília,
ex-vice-presidente da Comissão de Estudos Tributários da OAB-SE, membro da
Comissão de Direito Tributário da OAB-BA, professora de graduação e autora de
artigos científicos em matéria tributária.
Fonte:
Revista Consultor
Jurídico
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