O PIS e a Cofins têm a sua previsão no
artigo 195 da Constituição da República Federativa do Brasil. Tratam-se,
portanto, de contribuições para custeio da seguridade social.
As duas contribuições podem ser apuradas
pelos regimes cumulativo, ou, com fundamento no §12 do artigo 195 da CF, não
cumulativo.
Quando elas são apuradas pelo regime não
cumulativo, há o desconto de crédito, para que não haja o efeito cascata na
cadeia circulatória. Tal regime de apuração é previsto nas Leis n°s 10.637/02 e
10.833/03, respectivamente para o PIS e para a Cofins.
O dispositivo que trata do desconto de
crédito é o artigo 3°. Tal artigo prevê a possibilidade de desconto de crédito
em determinadas circunstâncias e impõe algumas condições. Veja-se:
"Art. 3º. Do
valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos
calculados em relação a:
I - bens adquiridos para
revenda, exceto em relação às mercadorias e aos produtos referidos:
II - bens e serviços,
utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de
bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes,
exceto em relação ao pagamento de que trata o art. 2º da Lei no 10.485, de 3 de
julho de 2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela
intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04
da TIPI;
IV - aluguéis de prédios,
máquinas e equipamentos, pagos a pessoa jurídica, utilizados nas atividades da
empresa;
V - valor das
contraprestações de operações de arrendamento mercantil de pessoa jurídica,
exceto de optante pelo Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e
Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte - SIMPLES;
VI - máquinas,
equipamentos e outros bens incorporados ao ativo imobilizado, adquiridos ou
fabricados para locação a terceiros ou para utilização na produção de bens
destinados à venda ou na prestação de serviços.
VII - edificações e
benfeitorias em imóveis de terceiros, quando o custo, inclusive de mão-de-obra,
tenha sido suportado pela locatária;
VIII - bens recebidos em
devolução, cuja receita de venda tenha integrado faturamento do mês ou de mês
anterior, e tributada conforme o disposto nesta Lei.
IX - energia elétrica
consumida nos estabelecimentos da pessoa jurídica.
IX - energia elétrica e
energia térmica, inclusive sob a forma de vapor, consumidas nos
estabelecimentos da pessoa jurídica.
X - vale-transporte,
vale-refeição ou vale-alimentação, fardamento ou uniforme fornecidos aos
empregados por pessoa jurídica que explore as atividades de prestação de
serviços de limpeza, conservação e manutenção.
XI - bens incorporados ao
ativo intangível, adquiridos para utilização na produção de bens destinados a
venda ou na prestação de serviços."
Esse é o chamado crédito ordinário. Isso
porque, em determinadas circunstâncias, ou para fomentar alguns segmentos, a
lei reduz a zero as alíquotas de PIS e de Cofins, e concede crédito presumido,
como é o caso do crédito previsto no artigo 8° da Lei n° 10.925/04.
Portanto, todo o arquétipo das mencionadas
contribuições, no regime não cumulativo, está previsto nas Leis 10.637/02 e
10.833/03. São elas que balizam o mencionado regime.
A Receita Federal tem o entendimento de
que, quando o crédito é presumido, ele só seria ressarcível se a lei que
instituir o crédito assim prever. Veja-se o entendimento externado no Ato Declaratório
Interpretativo SRF nº 15/2005:
"Art. 1º. O
valor do crédito presumido previsto na Lei nº 10.925, de 2004, arts. 8º e 15,
somente pode ser utilizado para deduzir da Contribuição para o PIS/Pasep e da
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) apuradas no
regime de incidência não-cumulativa.
Art. 2º. O valor do
crédito presumido referido no art. 1º não pode ser objeto de compensação ou de
ressarcimento, de que trata a Lei nº 10.637, de 2002, art. 5º, § 1º, inciso II,
e § 2º, a Lei nº 10.833, de 2003, art. 6º, § 1º, inciso II, e § 2º, e a Lei nº
11.116, de 2005, art. 16."
Seguindo este entendimento, veja-se decisão
do Carf:
"Período de
apuração: 01/10/2005 a 31/12/2005
COFINS. NÃO
CUMULATIVIDADE. CRÉDITO PRESUMIDO. PRODUTOS AGROPECUÁRIOS. COMPENSAÇÃO E
RESSARCIMENTO. IMPOSSIBILIDADE.
O valor do crédito
presumido previsto no art. 8º da Lei nº 10.925/2004 somente pode ser utilizado
para desconto do valor devido das contribuições, não podendo ser objeto de
compensação ou de ressarcimento de que trata a Lei nº 10.833, de 2003, art. 6º,
§ 1º, inciso II, e § 2º, e a Lei nº 11.116, de 2005, art. 16."
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também
possui decisões a respeito do tema, impedindo o direito:
"PROCESSUAL
CIVIL E TRIBUTÁRIO. CRÉDITO PRESUMIDO DO PIS E DA COFINS. LEI 10.925/2004.
POSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO COM OUTROS TRIBUTOS ADMINISTRADOS PELA RECEITA
FEDERAL. VEDAÇÃO IMPOSTA PELO ATO DECLARATÓRIO INTERPRETATIVO SRF 15/05.
ILEGALIDADE INEXISTENTE. 1. Não se confunde o crédito presumido instituído
pelos arts. 8º e 15 da Lei 10.925/2004 com o resultante do art. 3º das Leis
10.637/2002 e 10.833/2003. 2. O primeiro representa benefício fiscal concedido
exclusivamente para o fim de dedução das contribuições ao PIS e à Cofins
devidas pelas empresas que atuam no setor alimentício. 3. De modo diverso, o
outro saldo credor tem origem na aplicação da sistemática da não
cumulatividade, e em tal hipótese a compensação é expressamente autorizada pelo
art. 16 da Lei 11.116/2005, por força das vendas efetuadas com suspensão,
isenção, alíquota zero ou não incidência da contribuição ao PIS e à Cofins. 4.
Inexistindo, ademais, norma autorizativa (art. 170 do CTN), conclui-se que o
ato interpretativo do Fisco não extrapolou os limites do art. 8º da Lei
10.925/2004. Precedente do STJ."
O artigo 16 da Lei n° 11.116/05, mencionado
pela decisão acima transcrita, tem a seguinte redação:
"Art. 16. O saldo credor da
Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins apurado na forma do
art. 3º das
Leis 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003, e
do art. 15 da Lei nº 10.865, de 30 de abril de 2004, acumulado ao final de cada
trimestre do ano-calendário em virtude do disposto no art. 17 da Lei nº 11.033,
de 21 de dezembro de 2004, poderá ser objeto de:
I - compensação com
débitos próprios, vencidos ou vincendos, relativos a tributos e contribuições
administrados pela Secretaria da Receita Federal, observada a legislação
específica aplicável à matéria; ou
II - pedido de
ressarcimento em dinheiro, observada a legislação específica aplicável à
matéria.
Parágrafo único.
Relativamente ao saldo credor acumulado a partir de 9 de agosto de 2004 até o
último trimestre-calendário anterior ao de publicação desta Lei, a compensação
ou pedido de ressarcimento poderá ser efetuado a partir da promulgação desta
Lei." (no original não consta destaque)
O artigo 16 da Lei nº 11.116/05 prevê que o
saldo credor de PIS e de Cofins será ressarcível quando apurado na forma do
artigo 3° das Leis 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de
dezembro de 2003.
O artigo 3° das mencionadas leis tem a
mesma redação. Veja-se:
"Art. 3º. Do
valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:" (no original não consta destaque)
A definição da palavra "forma"
é: "característica
dos seres e das coisas, como decorrência da estruturação das suas partes;
formato".
Ou seja, para extrairmos o conceito de
forma previsto na lei mencionada, podemos entender que é uma ou mais
características que estão previstas no artigo 3° das leis da não cumulação de
PIS e de Cofins. Todavia, este artigo prevê, como visto acima, que a não
cumulação das contribuições será operacionalizada por meio de desconto de
créditos calculados em relação a algumas situações expressamente previstas.
Uma das possibilidades de desconto de
créditos previsto no artigo 3° das mencionadas leis é sobre os "bens e serviços, utilizados
como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou
produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes".
O núcleo da estrutura da não cumulação,
escolhida pelo legislador, é o insumo. Tanto que a redação do inciso II, do
artigo 3° das Leis 10.637/02 e 10.833/03, é repleta de condições e
características do insumo a ser aproveitado como crédito.
Ou seja, a Lei nº 11.116/05, ao prever que
o saldo de crédito de PIS e de Cofins será ressarcível quando apurado na forma
do artigo 3° das Leis 10.637/02 e 10.833/03, abre a possibilidade, por exemplo,
de que créditos apropriados em relação a insumos, ainda que não apropriados no
método específico do artigo, sejam ressarcíveis, pois o crédito apurado em
relação a insumos está compreendido na forma prevista nos artigos 3° das Leis
10.637/02 e 10.833/03.
A condição de o crédito presumido sobre
insumos não estar previsto no rol do artigo 3° das mencionas leis não é
suficiente para descaracterizar a forma de apropriação do crédito, que será,
igualmente, aplicado sobre o insumo, como, por exemplo, no caso da Lei nº
10.925/04.
Portanto, uma lei que prevê um crédito
presumido, como é o caso da Lei n° 10.925/04, está substituindo o crédito
previsto nas Leis n°s 10.637/02 e 10.833/03, e o crédito presumido, neste caso,
mantém a característica do crédito a ser descontado em função do insumo,
portanto, preserva a forma de apuração do crédito (única exigência do artigo 16
da Lei n° 11.116/05), diferençando-se apenas por ser uma condição específica
prevista em lei específica e com alíquota diferençada. Logo, os créditos
presumidos concedidos pela Lei n° 10.925/04 são ressarcíveis, por estarem
abrangidos no artigo 16 da Lei n° 11.116/05.
O núcleo estruturante da não cumulação é a
possibilidade de abatimento, ou desconto, para ser mais preciso tecnicamente,
do valor a ser recolhido com créditos. A forma, que é o termo essencial para
que se autorize o ressarcimento do crédito, conforme o artigo 16 da Lei n°
11.116/05, é em relação a que será possível se apropriar dos créditos. Como já
exposto, entre outras possibilidades, a forma adotada pela não cumulação do PIS
e da Cofins foi o desconto de crédito sobre insumos. O termo forma não deve ser
entendido como a apuração ordinária do PIS e da Cofins, pois este tipo de
apuração é apenas um método utilizado pelo legislador. O crédito presumido, que
também é capaz de caracterizar a não cumulação das contribuições, possui método
distinto, mas quando aplicado sobre insumo, possui a mesma forma de apuração.
Pois, a única diferença é a alíquota que será aplicada sobre determinada base
de cálculo, no caso, o valor do insumo.
Atente-se para o fato de que o valor do
insumo é a base de cálculo da apuração do crédito apurado pelo método ordinário
ou pelo método de crédito presumido.
Uma lei, ao conceder crédito presumido, não
é capaz de modificar a regra estruturante do regime de não cumulação, se
expressamente não prever. Pelo contrário, ela se insere na regra matriz da não
cumulatividade, só divergindo em relação ao método de apuração do crédito, que,
no caso de desconto de crédito presumido, tem-se a presunção de créditos em
determinada cadeia.
Como o STF decidiu no RE n° 841.979, a lei
pode estabelecer restrições a crédito das contribuições ao PIS e a Cofins no
regime não cumulativo de cobrança.
Isso leva à inafastável conclusão de que a
omissão sobre o ressarcimento, pela lei que prevê o crédito presumido, é
proposital, pois, caso quisesse, ela restringiria ou vedaria expressamente o
ressarcimento do saldo de crédito. O que não há na Lei n° 10.925/04, por
exemplo.
O STF, embora reconhecendo que o modelo
legal do regime não cumulativo das contribuições ao PIS e Cofins, abstratamente
considerado, não viola o conteúdo mínimo do artigo 195, § 12, da Constituição,
aprofundou-se no exame da compatibilidade das normas legais em questionamento
com a matriz constitucional das citadas exações, mormente o núcleo de sua
materialidade, bem como com outros preceitos constitucionais, como os
princípios da razoabilidade , da isonomia e da livre concorrência.
A toda evidência, o crédito presumido é
concedido em substituição ao crédito previsto nos artigos 3° da Leis 10.637/02
e 10.833/03, mas, como já exposto, este crédito não desconfigura a não
cumulatividade, pelo contrário, à mantém.
Portanto, as contribuições, quando apuradas
pelo regime não cumulativo, são ressarcíveis. Esta é a intenção do legislador,
pois, caso não fossem, haveria um acúmulo de crédito "podre" pelos
contribuintes, o que desvirtuaria o regime de não cumulação e anularia a finalidade
legal justificadora da própria diferenciação entre os contribuintes, já que o
que se teria um aumento da carga tributária, pois, na prática, no regime não
cumulativo, subsistiria apenas o aumento de alíquota, que no regime cumulativo
era de 0,65% para o PIS e 3% para a Cofins, e que, no regime de não cumulação,
passou a ser de 1,65% para o PIS e 7,6% para a Cofins. Ou seja, caso não fosse
garantido o ressarcimento do saldo credor aos contribuintes, haveria apenas a
majoração da carga tributária, sobre o falso pretexto de aplicar a sistemática
da não cumulação.
Isto posto, podemos afirmar que, embora em
alguns casos não se tenha os créditos ordinários de PIS e de Cofins, pois são
concedidos créditos presumidos, por exemplo, as leis estruturais do regime de
não cumulação subsistem na ausência de especificação na estrutura das
contribuições pela lei concedente dos créditos. Em outras palavras, as Leis
10.637/02 e 10.833/03 preenchem as lacunas normativas deixadas pelas leis que
concedem créditos específicos.
Tal conclusão é extraída da Lindb. Veja-se:
"Art. 2º. Não
se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique
ou revogue.
§ 1º. A lei posterior
revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela
incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei
anterior.
§ 2º. A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes,
não revoga nem modifica a lei anterior." (no
original não consta destaque)
Ou seja, uma lei que estabeleça disposições
gerais ou especiais, a par das já existentes, como é o caso da Lei n°
10.925/04, que zerou a alíquota de PIS e de Cofins sobre a receita bruta de
venda no mercado interno de uma série de mercadorias, e concedeu crédito
presumido das contribuições, não tem o condão de modificar as leis
estruturantes do regime de não cumulação do PIS e da Cofins, mas, tão somente
alteram o que expressamente prevê.
O artigo 9°-A da Lei n° 10.925/04, dispõe
que o crédito presumido previsto no artigo 8° da mesma lei, será ressarcível.
Veja-se:
"Art. 9º-A. A
pessoa jurídica poderá utilizar o saldo de créditos presumidos de que trata o
art. 8º apurado em relação a custos, despesas e encargos vinculados à produção
e à comercialização de leite, acumulado até o dia anterior à publicação do ato
de que trata o § 8º deste artigo ou acumulado ao final de cada trimestre do
ano-calendário a partir da referida data, para:
I - compensação com
débitos próprios, vencidos ou vincendos, relativos a tributos administrados
pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, observada a legislação aplicável
à matéria; ou (Incluído pela Lei nº 13.137, de 2015) (Vigência)
II - ressarcimento em
dinheiro, observada a legislação aplicável à matéria."
Essa previsão não quer dizer que os
créditos apurados na forma do artigo 8° da lei, que não sejam sobre a produção
e comercialização de leite, não são ressarcíveis, mas apenas prevê regras
específicas para que o crédito presumido apurado na forma do artigo 8° da
citada lei seja ressarcível, determinando períodos, por exemplo, ou condição,
como é o caso, que determina a adoção ao programa Leite + Saudável.
Portanto, o crédito apurado sobre a receita
de outras mercadorias previstas no artigo 8° obedece à regra geral, prevista
nas Leis n°s 10.637/02 e 10.833/04, em relação ao que não há expressamente
previsão na Lei n° 10.925/04.
Autor: Gustavo Leite é
advogado no escritório Martins Freitas.
Fonte: Revista Consultor Jurídico