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Direito de retirada do sócio na sociedade limitada e seus pontos controvertidos


Publicada em 12/08/2023 às 09:00h 

Desde o Código Comercial de 1850, passando pelo Decreto nº 3.708/1919, até o atual Código Civil, o direito de retirada imotivada de sócio de sociedade empresária limitada sempre foi objeto de fervorosas discussões doutrinárias e jurisprudenciais. As diferentes aplicações do instituto e o papel de revés que desempenha frente à figura do direito de recesso criam um ambiente fértil para o debate acadêmico e prático do direito empresarial.


O foco do presente trabalho é analisar de forma crítica os aspectos práticos de cada instituto e a razão pela qual pode-se observar uma preponderância da utilização do direito de retirada imotivada em detrimento da utilização do instituto do direito de recesso.  Portanto, não se pretende analisar as controvérsias teóricas sobre a aplicabilidade do artigo 1.029 do Código Civil às sociedades empresárias limitadas e sua convivência com o artigo 1.077 do Código Civil, tampouco reviver os debates sobre a natureza jurídica das sociedades empresárias limitadas e a regência supletiva da Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/1976).


O presente trabalho partirá da premissa, que permeia a prática jurídica atual, de que tanto o direito de retirada imotivada quanto o direito de recesso são medidas cabíveis e válidas para efetivar a resolução do vínculo societário.


Antes de adentrar na questão, cabe um lembrete inicial: de acordo com a previsão legal do Código Civil de 2002 (CC/02), no tocante às formas em que o sócio poderá se retirar de uma sociedade limitada, existem três diferentes hipóteses. As duas primeiras modalidades são aquelas previstas no artigo 1.029 do CC/02, quais sejam, a saída, mediante notificação com 60 dias de antecedência aos demais sócios, em caso de sociedade de prazo indeterminado (retirada imotivada), e a saída com a prova judicial de justa causa, nas sociedades com prazo determinado (retirada com justa causa).


Já a terceira hipótese é aquela prevista no artigo 1.077 do CC/02, que prevê a chamada retirada motivada ou direito de recesso. Aqui, o sócio poderá retirar-se da sociedade nas ocasiões em que tiver ocorrido modificação no contrato social, incorporação (na qualidade de incorporada ou incorporadora) ou fusão da sociedade, quando ele tiver sido dissidente, no prazo de 30 (trinta) dias contados a partir da data da realização da reunião, gerando, assim, a dissolução parcial da sociedade.


Na prática empresarial, o que se verifica é a opção do exercício do direito de retirada imotivada em detrimento do exercício do direito de recesso pelo sócio retirante. Mas quais são os motivos que justificam essa escolha por empresários e seus causídicos?


O primeiro diz respeito ao escopo de aplicação dos dispositivos supramencionados, pois as normas específicas para o direito de recesso são aplicáveis a situações pontuais, que, embora verificadas em momentos da vida empresarial, não acontecem com tanta frequência, o que já limita, por si só, a sua aplicabilidade. Mesmo as alterações de contrato social, que ocorrem com maior frequência em comparação com as operações de incorporação e fusão, não são tão comuns - quiçá necessários - no dia a dia dos negócios sociais.


Ainda sobre o escopo de aplicação, observa-se que o direito de recesso previsto no artigo 1.077 do CC/02 tem por vocação a proteção de sócios minoritários, uma vez que a dinâmica das sociedades limitadas permite que uma maioria (simples ou qualificada) possa impor alterações substanciais no contrato social ou a realização de operações de fusão, incorporação ou cisão, contra a vontade dos sócios minoritários.


Dessa forma, a expressão "sócio que dissentir", prevista no artigo 1.077 do CC/02, traduz-se como o sócio vencido nas deliberações sociais que, por sua vez, aponta para os sócios minoritários. Por outro lado, o direito de retirada imotivada previsto no artigo 1.029 do CC/02 não faz qualquer distinção na legitimidade ativa para o exercício do referido direito, podendo ser exercido por qualquer sócio, controlador ou minoritário.


Cabe mencionar também a simplicidade da retirada imotivada, visto que o seu procedimento é extrajudicial, ocorrendo mediante notificação aos demais sócios e à sociedade, sem necessidade de comprovação de qualquer justa causa ou motivação específica. Em contrapartida, tanto a retirada por justa causa quanto o direito de recesso geram um ônus probatório aos retirantes de comprovar sua adequação a uma das hipóteses mencionadas nos dispositivos legais discutidos.


Além disso, existem casos em que determinado sócio, já antecipando a ocorrência futura de uma operação societária dentro das hipóteses para o direito de recesso e discordando dela, não aguarda a realização da assembleia que avaliará e possivelmente aprovará a operação, apresentando notificação extrajudicial para a saída imotivada. Assim, mesmo em casos concretos que se enquadrariam na previsão legal, o que se vê na prática é a opção pela retirada imotivada.


Em contrapartida, existe um outro aspecto em que as hipóteses de saída da sociedade podem trazer diferenças extras, no que diz respeito à apuração de haveres do sócio retirante.


Independentemente da forma de dissolução escolhida, a apuração de haveres se dará na forma do contrato social ou, silente esse, de acordo com a previsão do artigo 1.031 do CC/02, ou seja, com a liquidação do valor da quota do sócio retirante, considerando o patrimônio da sociedade aferido em balanço patrimonial especial, com o pagamento em noventa dias após a liquidação. Quanto ao capital social, este sofrerá redução referente à quota liquidada, exceto se os demais sócios suprirem o valor da quota, nos termos do §1º do artigo, 1.031 do CC/02.


Apesar disso, neste particular, verifica-se a diferença supramencionada, no que toca o marco temporal que deveria ser considerado como "data da resolução" e contabilizado como base para a apuração de haveres: a data em que a notificação aos outros sócios foi por eles recebida ou a data posterior ao término do prazo legal para a referida notificação.


Antes da entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/15), que definiu a questão, o tema era controvertido. Os defensores do primeiro entendimento aduziam que ele impediria que os sócios remanescentes se utilizassem do prazo da notificação para dilapidar o patrimônio da sociedade, alterando o balanço que seria realizado e afetando os valores a serem recebidos pelo sócio que desejava se retirar. Em contrapartida, os que defendiam a segunda hipótese citavam o fato de que o prazo legal seria o verdadeiro marco na retirada, de forma que seu fim deveria ser a data-base para apuração de haveres.


O legislador tentou dirimir essas controvérsias quando da edição do CPC/15, com a previsão do seu artigo 605. O dispositivo em tela prevê três datas diversas como data de resolução do vínculo associativo, a depender do tipo de retirada. Em caso de retirada imotivada, o marco seria o sexagésimo dia após o recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio retirante (artigo 605, inciso II, do CPC/15).


Já na retirada por justa causa, a resolução ocorreria no trânsito em julgado da decisão que dissolve a sociedade (artigo 605, inciso IV, do CPC/15). Por fim, no caso de direito de recesso, nos termos do artigo 1.077 do CC/02, a data de resolução seria o dia do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio dissidente (artigo 605, inciso III, CPC/15).


A inclusão do rol taxativo do artigo 605 não foi suficiente para pôr um fim às controvérsias quanto à data base para a apuração de haveres de sócio retirante. Tal discussão chegou ao Superior Tribunal de Justiça [1], que analisou a questão em sede de Recurso Especial, em demanda envolvendo sócios de uma sociedade limitada de prazo indeterminado, que se retiraram imotivadamente mediante notificação extrajudicial nos termos do artigo 1.029 do C?/02.


Nesta ocasião, a Terceira Turma do STJ decidiu que a data-base para o cálculo dos haveres do sócio retirante seria o sexagésimo dia seguinte ao do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio retirante, por entender que o vínculo da sociedade somente se encerra após o transcurso do lapso temporal, nos termos do artigo 605, II do CPC/15.


Em uma tentativa de pacificar o tema e instruir o registro de atos perante as Juntas Comercias, o Departamento de Registro Empresarial e Integração (Drei) publicou, em 23 de dezembro de 2022, a Instrução Normativa nº 88/2022 (IN DREI 88) que, dentre outras disposições, alterou o Manual de Registro de Sociedade Limitada - que compõe o Anexo IV à Instrução Normativa Drei nº 81/2020 - para regular os regimes de retirada de sócios de sociedades limitadas nos casos de prazo determinado ou indeterminado [2].


A In Drei 88 adotou entendimento contrário ao da 3ª Turma do STJ, ao estabelecer que a data da resolução da sociedade limitada em relação a um sócio será: 1) no caso de retirada imotivada extrajudicial, o sexagésimo dia posterior à data em que o último dos sócios tiver recebido a notificação de retirada motivada do sócio retirante; e 2) no caso de retirada motivada extrajudicial (recesso), a data em que o último dos sócios tiver recebido a notificação de retirada motivada do sócio retirante.


Portanto, é notável o alinhamento da In Drei 88 com o disposto no artigo 1.029 e 1.077 do CC/02, no sentido de vincular a data de retirada ao recebimento da notificação por todos os sócios da sociedade.


A opção do legislador, ao criar diferenças a depender do tipo de saída da sociedade, não é a melhor solução possível. Isto pois ele cria divergência em situações que são, em análise ampla, idênticas, qual seja a retirada de um sócio de uma sociedade limitada.


Não obstante, a data-base prevista para apuração de haveres na retirada imotivada cria situação perigosa para o sócio retirante, visto que concede sessenta dias, após o recebimento da notificação, para que os demais sócios reduzam o patrimônio da sociedade, conforme já mencionado. Isso torna-se ainda mais danoso considerando a possibilidade do sócio retirante ser minoritário, o que é algo plenamente possível e consideravelmente comum na hipótese ora tratada.


Desta feita, se faz necessária uma alteração legislativa, para que a data-base para a apuração de haveres na retirada imotivada siga o mesmo critério do verificado na hipótese de direito de recesso do sócio, ocorrendo na data do recebimento da notificação extrajudicial pela sociedade. Tal alteração já está sendo avençada no trâmite legislativo do PLS nº 487/2013 que institui o Novo Código Comercial, dentre outras matérias que aqui não cabe analisar. O artigo 252 do PLS nº 487/2013 determina que o balanço de determinação terá por referência temporal, no caso de retirada imotivada, a data do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio retirante.


Assim, conforme demonstrado, existe uma clara predileção dos empresários pela retirada imotivada, que tende a ser ainda mais exacerbada com uma eventual aprovação do PLS nº 487/2013 com a sua redação atual. Neste particular,  uma revisita ao instituto já moribundo do direito de recesso se faz obrigatória, seja para sepultá-lo de uma vez, com o entendimento que partilhamos de que a vivência prática, ao optar pela retirada imotivada, já demonstrou sua falta de uso, seja para salvá-lo, mediante adaptações que lhe trouxessem vantagens concretas em face da hipótese de retirada imotivada.


[1] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.735.360/MG (2018/0086019-6), Terceira Turma, relatora ministra Nancy Andrighi. Data de Julgamento: 12 de março de 2019. DJe: 15 de março de 2019. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=93251782&num_registro=201800860196&data=20190315&tipo=5&formato=PDF


[2] BRASIL. MINISTÉRIO DA ECONOMIA Secretaria Especial de Produtividade e Competitividade. Secretaria de Inovação e Micro e Pequenas Empresas. Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração. Instrução Normativa Drei/ME nº 88, de 23 de dezembro de 2022. Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/drei/legislacao/arquivos/legislacoes-federais/indrei882022-1.pdf.


Autores: 
Fernando Naegele é advogado do Bastilho Coelho Advogados. Mestrando em Direito da Regulação (FGV). Especialista em Advocacia Empresarial (Ceped). Graduado em Direito (Ibmec).

Matheus Chagas Lamarca é advogado do Bastilho Coelho Advogados e especialista em Advocacia Empresarial pelo Centro de Estudos e Pesquisas no Ensino do Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Ceped/Uerj).









Fonte: Revista Consultor Jurídico





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