É sabido que o debate em torno do
reconhecimento do grupo econômico na fase de execução está sendo travado
perante o Supremo Tribunal Federal, tanto que as execuções trabalhistas que
abarcam essa temática estão atualmente paralisadas [1].
Aliás, a suspensão nacional, determinada em 25/5/2023, decorreu do fato de que
"o tema é objeto de discussão nas instâncias ordinárias da Justiça do Trabalho
há mais de duas décadas, ocasionando, ainda hoje, acentuada insegurança
jurídica". E, mais, complementou a decisão que "não se pode olvidar que o
deslinde da controvérsia por esta Suprema Corte terá repercussão direta no
âmbito de incontáveis reclamações trabalhistas, acarretando relevantes
consequências sociais e econômicas".
Entrementes, quando do início do julgamento
virtual ocorrido em 3/11/2023, o relator, ministro Dias Toffoli, trouxe em seu
voto a seguinte proposta de tese ao Tema 1.232 da Tabela de Repercussão Geral
do STF:
"É permitida a inclusão, no polo passivo da execução trabalhista, de pessoa
jurídica pertencente ao mesmo grupo econômico (art. 2º, §§ 2º e 3º da CLT) e
que não participou da fase de conhecimento, desde que o redirecionamento seja
precedido da instauração de incidente de desconsideração da pessoa jurídica,
nos termos do art. 133 a 137 do CPC, com as modificações do art. 855-A da CLT.
Aplica-se tal procedimento mesmo aos redirecionamentos operados antes da Reforma
Trabalhista de 2017."
O julgamento, porém, foi interrompido no dia 6/1/2023, em razão do pedido de
vista do ministro Alexandre de Moraes, e não se sabe, ao certo, se ainda será
retomado até o final deste ano [2].
Claro que o tema é por demais polêmico, tanto que reputado como o "julgamento
do ano na área trabalhista", de sorte que o assunto foi indicado por você,
leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, da
revista eletrônica Consultor Jurídico [3], razão pela qual
agradecemos o contato.
Com efeito, nos casos que abrangem esse assunto, discute-se o possível
desrespeito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, quando
a empresa que não participou do processo na fase de conhecimento passa a ser
incluída apenas na fase de execução.
Sobre o assunto, oportunos são os
ensinamentos de Rafael Guimarães, Ricardo Calcini e Richard Wilson Jamberg [4]:
"Com o cancelamento da súmula 205 do TST, formou-se o entendimento de que as
empresas do grupo econômico podem ser alcançadas em execução, independentemente
de constar do título executivo, sendo possível a declaração incidental da
responsabilidade solidariedade e inclusão no polo passivo da execução, podendo
este se defender através dos embargos à execução.
Todavia, sempre houve resistência a essa orientação jurisprudencial, com
alegação de violação ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa,
cuja tese foi revigorada com o novo CPC, que estabeleceu a vedação da inclusão
de devedores solidários que constam no título executivo (.).
Apesar de tais argumentos, essa tese foi rechaçada pelo TST, prevalecendo o
entendimento de que, constituindo as empresas do grupo econômico empregador
único, não há violação ao direito de defesa, que foi exercido por uma das
empresas - que consta como empregadora formal do trabalhador - além, do que é
reconhecido o direito à defesa em sede de embargos à execução".
A propósito, vale lembrar que, de acordo com o Relatório Justiça em Números
2023 [5], que se consolida como um dos documentos basilares de publicidade
e transparência do Poder Judiciário, há indicativos de que a quantidade de
processos baixados é sempre maior na fase de conhecimento do que na fase de
execução, razão pela qual se verifica que a fase executiva continua sendo um
dos gargalos na Justiça do Trabalho.
Do ponto de vista normativo, de um lado, a Constituição Federal assegura
expressamente o direito ao devido processo legal [6], ao contraditório e à
ampla defesa [7]. Lado outro, de igual modo, garante a razoável duração do
processo, assim como a sua celeridade [8].
Ora, de acordo com a proposta da tese do relator, ministro Dias Toffoli, para
que a empresa possa ser incluída na fase de execução, a partir do
reconhecimento do grupo econômico, se fará necessária a prévia instauração do
incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ), previsto nos
artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil [9], com as inovações
advindas com a Lei 13.467/2017, que introduziu o artigo 855-A na Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT) [10].
Em seu voto, o relator destacou o seguinte:
"Assim, antes de se operar o redirecionamento da execução à(s) empresa (s)
pertencente(s) ao mesmo grupo econômico da reclamada / executada e praticar,
contra ela(s), atos de constrição de bens, deve-se intimar essa(s) empresa(s) -
até então estranha(s) à lide - para que se manifeste(m) a respeito e produza(m)
as provas pertinentes, sendo o provimento judicial que decidir desse incidente
recorrível, independentemente de garantia do juízo, por aplicação do art.
855-A, § 1º, II, da CLT, ressalvadas, obviamente, as situações excepcionais em
que concedida a tutela provisória."
Contudo, uma questão sensível diz respeito aos possíveis impactos decorrentes
dos efeitos retroativos, afinal, segundo a proposta de voto, o incidente de
desconsideração da personalidade jurídica deverá ser instaurado até mesmo nos
casos anteriores à vigência da Lei 13.467/2017, em clara alusão ao fato de que
a regulamentação do procedimento do IDPJ, conquanto positivado na CLT em
2017, tem seu fundamento o CPC de 2015.
Nesse sentido, caso venha a prevalecer essa tese junto ao Plenário do Pretório
Excelso, sobretudo sem os necessários esclarecimentos acerca da extensão da
decisão, isso poderá ensejar, em tese, em nulidades de diversas decisões da
Justiça do Trabalho que, na época, reconheceram validamente a existência de
grupo econômico empresarial.
Neste cenário, seriam anulados também todos os atos executórios praticados,
inclusive os de constrição,
de modo que surgirão aqui novos e polêmicos debates, a saber: reconhecido o
grupo econômico e já satisfeito do crédito exequendo, será possível relativizar
o trânsito em julgado e ordenar a devolução dos valores pagos? Ainda, os
magistrados poderão, de ofício, rever as suas decisões ou somente mediante
provocação da parte? Tal provocação se dará via simples manifestação no
processo (se ativo), via ação rescisória (se não decorrido o prazo de dois
anos) ou via ação anulatória?
À vista disso, se torna imprescindível, a prevalecer a proposta de voto do
relator, que a Suprema Corte defina os efeitos modulatórios de tal decisão, a
fim de assegurar o respeito o direito aquirido, o ato jurídico perfeito e a
coisa julgada, uma vez que são direitos e garantias fundamentais.
Em arremate, impede ressaltar que, exceção feita à controvertida aplicação
retroativa da tese, a proposta do voto do relator buscou respeitar garantias
constitucionais (artigos 5º, II, LIV e LV, 97 e 170 da Constituição Federal),
autorizando a inclusão, via IDPJ (artigos 133 a 137 e 795, § 4º, do CPC), no
polo passivo de execução trabalhista, de pessoa jurídica reconhecida como do
grupo econômico, sem ter participado da fase de conhecimento, em
compatibilidade com a exigência do artigo 513, § 5º, do CPC, e sem incorrer em
afronta à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante 10 do STF).
[1] Disponível em https://www.conjur.com.br/2023-jun-01/pratica-trabalhista-grupo-economico-suspensao-nacional-execucoes-trabalhistas .
Acesso em 7/11/2023.
[2] Disponível em https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6422105 .
Acesso em 7/11/2023.
[3] Se você deseja que algum tema em
especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em
contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima
semana.
[4] Execução Trabalhista na prática -
Leme - SP: Mizuno, 2021. Páginas 394.
[5] Disponível em https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/justica-em-numeros/.
Acesso em 7/11/2023.
[6] Art. 5 (..) LIV - ninguém será privado
da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
[7] LV - aos litigantes, em processo
judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
[8] LXXVIII - a todos, no âmbito
judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os
meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
[9] Art. 133. O incidente de
desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou
do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo. §1º - O pedido
de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos
previstos em lei. §2º - Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de
desconsideração inversa da personalidade jurídica. Art. 134. O incidente de
desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no
cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo
extrajudicial. §1º - A instauração do incidente será imediatamente comunicada
ao distribuidor para as anotações devidas. §2º - Dispensa-se a instauração do
incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na
petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica. § 3º
- A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2º.
§4º - O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais
específicos para desconsideração da personalidade jurídica. Art. 135.
Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para
manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias. Art.
136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por
decisão interlocutória. Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo
relator, cabe agravo interno. Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a
alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em
relação ao requerente.
[10] Art. 855-A. Aplica-se ao
processo do trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica
previsto nos arts. 133 a 137 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 - Código
de Processo Civil.
Autores:
Ricardo Calcini, é professor, advogado, parecerista e consultor trabalhista.
Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs, TST e STF).
Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista
Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos
de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de
São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.
Leandro
Bocchi de Moraes, pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e
Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD),
pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pós-graduado em Diretos Humanos e
Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha, pós-graduando em
Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae)
da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial
da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva
da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do
Direito do Trabalho, da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).