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LTDA vs. S.A.: análise do direito de voto e vantagens do voto plural


Publicada em 22/03/2024 às 09:00h 


Ao empreender, a escolha da estrutura legal adequada para a empresa é uma das decisões mais importantes. Duas das opções mais comuns são a sociedade limitada (LTDA) e a sociedade por ações (S.A.). Cada uma delas possui aspectos distintos que influenciam a forma como o negócio é administrado, suas responsabilidades e a captação de recursos.


A LTDA é a estrutura empresarial mais popular no Brasil e é regulada pelo Código Civil. As principais características são a responsabilidade limitada dos sócios em relação aos negócios realizados pela sociedade, maior flexibilidade nas regras de administração e impacto tributário reduzido.


A S.A é a estrutura mais adequada para empresas de maior porte e que buscam captação de recursos via mercado de capitais, por meio da venda de ações e outras alternativas. Além disso é regulada por lei específica, a Lei das S.A. (Lei nº 6.404/76). As principais características dessa estrutura são a divisão do capital social em ações emitidas e possibilidade de voto plural em deliberações sociais, bem como a exigência de um nível maior de governança corporativa.


É importante destacar que não existe um tipo societário melhor do que o outro, apenas aquele que melhor se adequa a determinada empresa, em seu momento de existência, sempre levando-se em consideração o segmento de atuação.


Responsabilidade dos sócios e dos acionistas


Dada a respectiva visão geral de ambas as estruturas, cabe ressaltar suas principais diferenças e particularidades.


Inicialmente, no que tange à responsabilidade dos sócios, na LTDA estes não são pessoalmente responsáveis pelas dívidas e obrigações da empresa além do valor de suas respectivas cotas no capital social, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social, bem como por eventuais débitos da sociedade com terceiros, caso este não esteja integralmente integralizado.


Já na S.A., a responsabilidade dos acionistas é limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas, e os acionistas não respondem pela parcela de capital não integralizado.


Gestão

No que concerne à administração, a LTDA possui maior flexibilidade em suas regras, em razão da não obrigatoriedade de ter executivos e diretores, reuniões de conselho ou de acionistas, e na S.A. há menos flexibilidade face as exigências específicas da lei.

A administração na LTDA pode ser exercida por uma ou mais pessoas, desde que previsto no contrato social ou em ato separado, e não há necessidade de estipular prazo de mandato para os administradores.

Existe também a possibilidade de a empresa ser gerida por terceiro, mesmo que não faça parte do quadro societário, desde que aprovado por no mínimo, 2/3 dos sócios, enquanto o capital não estiver integralizado, ou por mais da metade do capital social, após a integralização.


Face previsão legislativa própria, nas S.A, para a administração da empresa há a necessidade de transitoriedade no cargo e a previsão de, no mínimo, dois diretores, além da obrigatoriedade de criação de um conselho fiscal no estatuto social, sendo facultativo o seu funcionamento, ou seja, caso os acionistas considerem desnecessário à época, o órgão fica desativado.


Em relação aos prazos, tanto a diretoria quanto os membros do conselho não podem permanecer mais de três anos nos cargos sem que haja uma votação, sendo permitida a reeleição.


Além disso, na Lei das S.A. está prevista a possibilidade de existência de um conselho de administração, que não é obrigatório, mas, se constituído, será responsável por definir diretrizes gerais da empresa. Referidas particularidades acarretam maior organização interna, possibilitando uma governança melhor corporativa.


Lucros e dissolução


Em relação à distribuição de lucros aos sócios e acionistas, na LTDA a distribuição ocorre conforme decisão da maioria ou previsão contratual, podendo ser dividido ou reinvestido, sem qualquer obrigatoriedade de distribuição mínima de lucros. Na S.A. a lei prevê que os acionistas devem receber, obrigatoriamente, uma parcela dos lucros previstos nos estatutos.


Outro ponto em que há considerável diferença entre as estruturas societárias é em relação a dissolução parcial da sociedade. Na LTDA independente da finalidade, o cotista tem o direito de sair da sociedade com reembolso de capital, havendo a liberdade de retirada e possibilidade de exclusão, tanto judicial quanto extrajudicial.

Entretanto, na S.A. o acionista não pode sair por vontade própria sem qualquer motivo, havendo a previsão específica na legislação das hipóteses para o direito de recesso, como em casos de redução de dividendo mínimo, fusões entre outros.


Quanto a exclusão, no contexto das S.A. não há previsão legal expressa acerca da exclusão de sócio. A Lei das S.A. contempla apenas as possibilidades em relação ao acionista remisso, ou seja, aquele que inadimpliu sua obrigação de integralização do capital.


Voto

Em relação ao capital social e poder de voto dos sócios e acionistas, a LTDA deve conter a definição das cotas no contrato social, podendo estas serem iguais ou desiguais, cabendo uma ou diversas a cada sócio, sendo o voto proporcional à cota, ou seja, quanto maior o valor das cotas, maior o poder.


Contudo, a Instrução Normativa nº 81/2020 do Departamento de Registro Empresarial e Integração (Drei) em seu Anexo IV contempla a possibilidade de regência supletiva da Lei das S.A., oportunizando a criação de uma classe especial com cotas preferenciais com restrição de voto, podendo atribuir direitos econômicos e políticos diversos, conforme destacado abaixo:


"[.] 5.3. REGÊNCIA SUPLETIVA DA LEI Nº 6.404, DE 1976

O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima, conforme art. 1.053, parágrafo único, do Código Civil. Para fins de registro na Junta Comercial, a regência supletiva:


I - poderá ser prevista de forma expressa; ou

II - presumir-se-á pela adoção de qualquer instituto próprio das sociedades anônimas, desde que compatível com a natureza da sociedade limitada, tais como:


a) quotas em tesouraria;


b) quotas preferenciais;


c) conselho de administração; e


d) conselho fiscal.

5.3.1. Quotas preferenciais


São admitidas quotas de classes distintas, nas proporções e condições definidas no contrato social, que atribuam a seus titulares direitos econômicos e políticos diversos, podendo ser suprimido ou limitado o direito de voto pelo sócio titular da quota preferencial respectiva, observados os limites da Lei nº 6.404, de 1976, aplicada supletivamente.


Havendo quotas preferenciais sem direito a voto, para efeito de cálculo dos quóruns de instalação e deliberação previstos no Código Civil consideram-se apenas as quotas com direito a voto. [.]"


Na S.A. o capital é dividido em ações, ordinárias ou preferenciais, com ou sem voto. O direito de voto é atrelado à quantidade de ações de cada acionista, sendo que as ações podem ser emitidas em valores distintos. O voto se dá por ações ordinárias nominativas e o acionista com o maior número de ações, tem maior poder.


Voto plural

Em 2021 foi introduzido pela Lei nº 14.195 a possibilidade de atribuir a determinada classe de ações ordinárias o voto plural (com maior peso), conferindo ao acionista direito a mais de um voto por ação, limitado a até dez votos por ação.


Além da atribuição de até dez votos por ação, o voto plural possui diversas particularidades a serem observadas pelas companhias.


Cabe ressaltar que a Lei das S.A. permite a criação do voto plural na companhia aberta somente antes da negociação de títulos conversíveis em ações, no mercado de valores mobiliários.


Tal característica visa não prejudicar e/ou alterar a expectativa inerente nas negociações previamente realizadas com investidores. E uma vez criada a classe de ações com voto plural, após o início de negociação destas no mercado de capitais é vedada a alteração de suas características, exceto nos casos de redução dos direitos e vantagens.


Além disso, a implementação do voto plural está condicionada à realização de assembleia especial convocada para essa finalidade e instalada nas formalidades estipuladas na lei. Na votação a ser realizada, deve haver o voto favorável de pelo menos metade do total de votos das ações votantes e metade das ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito, caso existam.


Entretanto, o estatuto social da empresa pode majorar o quórum de deliberação acerca do voto plural, exigindo quantidade maior de votos para aprovação.


Aos acionistas que discordem da criação do voto plural a Lei assegura o direito de retirada com reembolso do valor das suas ações, exceto nos casos em que a criação da referida classe de ações já esteja prevista pelo estatuto.


Outra característica que pode ser estabelecida previamente no estatuto da empresa é o prazo de vigência do voto plural. A lei determina até sete  anos, prorrogável por qualquer prazo desde que sejam observados os incisos do parágrafo 7º do artigo 110-A, sendo estes a aprovação da prorrogação nos mesmos termos para criação, a exclusão dos titulares de ações da classe cujo voto plural se pretende prorrogar da votação e a garantia do direito de retirada dos acionistas dissidentes na prorrogação.


Outro ponto a ser observado são as hipóteses de conversão automática das ações com voto plural para ações sem voto plural. A primeira hipótese é a transferência da ação a terceiros, salvo nos casos em que o alienante permanece indiretamente como único titular das ações e no controle dos direitos políticos conferidos a elas, como por exemplo, a transferência das ações para uma holding em que o controlador é o mesmo titular das ações.


Ainda, haverá a conversão automática caso o contrato ou acordo de acionistas firmado entre titulares de ações com voto plural e acionistas titulares de ações sem voto plural disponha acerca do exercício conjunto do direito de voto.


Além disso, excetua-se à conversão automática a hipótese em que o terceiro seja titular da mesma classe de ações com voto plural a ele alienadas, e também caso a transferência ocorra em caráter de titularidade fiduciária para fins de constituição do depósito centralizado.


Pertinente destacar trecho importante da obra de José Edwaldo Tavares Borba:


"As operações de incorporação, incorporação de ações, fusão e cisão, que envolverem companhia aberta, com ações ou valores mobiliários conversíveis em ações negociados em mercados organizados, e que não adotem o voto plural, encontram-se proibidas quando a incorporadora, ou a outra empresa a ser com elas fusionada, ou ainda em caso de cisão, a nova sociedade ou a incorporadora da parcela cindida sejam companhias que adotem o voto plural (§ 11 do art. 110-A). Evita-se, com esse preceito, que o voto plural seja adotado de forma indireta" [1].


Outrossim, quanto aos cenários em que o voto plural não pode ser exercido:


"Existem, ainda (§ 12), algumas hipóteses em que o voto plural não poderá ser exercido, ou seja, situações em que a ação, mesmo contando com o voto plural, terá apenas um voto. São estas as seguintes: a) remuneração dos administradores; e b) transações com partes relacionadas, em casos cuja relevância será definida pela CVM. Cabe lembrar, todavia, que, se a operação envolver parte relacionada, a hipótese, em tese, já recairia sob o impedimento de voto concernente ao conflito de interesses" [2].


Conclui-se, portanto, que o sistema de voto plural nas S.A. é uma prática valiosa para as empresas que visam a manutenção do poder de direção de acionistas controladores, independente da participação de diversos investidores para captação de recursos e acúmulo de capital, o que pode ser importante para determinadas empresas, nas quais manter o controle nas mãos dos fundadores, por alguma razão, é imprescindível, ao menos temporariamente.


Prós e contras


Mediante as respectivas características elencadas, resta evidente que as referidas estruturas societárias possuem diferenças significantes, tornando pertinente a análise de algumas vantagens e desvantagens de cada uma.


No que tange à LTDA, destaca-se a menor onerosidade em comparação à S.A. e possibilidade de adesão ao regime de tributação pelo Simples Nacional, reduzindo o impacto tributário. Além disso, há uma gestão mais desburocratizada e de maior autonomia, face a ausência de obrigatoriedade em publicar os atos societários e informações financeiras.


Não obstante às diversas vantagens, a ausência de legislação específica é um dos pontos desfavoráveis da LTDA, além de as liberalidades em relação a certas questões poderem provocar conflitos e menos organização interna.


Cabe ressaltar que, o formato da S.A. atrai mais investidores em razão da estrutura mais formal e robusta, principalmente no tocante à governança e prestação de contas, tornando a referida estrutura um tipo societário mais propício a receber investimentos do que a LTDA.


No tocante às vantagens da S.A., evidencia-se principalmente a regulação especifica pela Lei nº 6.404/76. As disposições legislativas fomentam uma melhor estruturação corporativa como um todo, principalmente face a incumbência de reservas, distribuição de lucros e demonstrações financeiras bem definidas e organizadas, o que auxilia na gestão financeira da empresa.


Entretanto, a maior restrição para saída da sociedade e impossibilidade de exclusão de sócios, bem como a estrutura mais complexa que a da LTDA, podem ser considerados como pontos de desvantagem.


Conclusão

Em suma, a escolha entre LTDA e S.A. é uma decisão estratégica que deve ser baseada nas necessidades e características específicas de cada empresa. Ambas as estruturas oferecem benefícios únicos e apresentam diferenças substanciais em relação as suas possibilidades e exigências legais.


Outro ponto crucial a ser analisado são as perspectivas e planejamentos futuros em relação ao negócio, além da respectiva observância aos contextos em que a S.A. é a única estrutura societária permitida, como nos casos das instituições financeiras privadas por exemplo.


É essencial considerar cuidadosamente os objetivos empresariais, pretensões de crescimento e requisitos de governança antes de tomar uma decisão e independentemente das eventuais percepções é amplamente aconselhável recorrer a uma consultoria jurídica de profissionais especializados em direito empresarial e societário, bem como aconselhamento financeiro e contábil, visando garantir o cumprimento das imposições pertinentes e viabilizando a tomada da decisão mais adequada para a prosperidade da empresa diante das respectivas particularidades.

 

[1] BORBA, José Edwaldo T. Direito Societário. Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN 9786559772810. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559772810/. Acesso em: 4/1/2024.

[2] BORBA, José Edwaldo T. Direito Societário. Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN 9786559772810. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559772810/. Acesso em: 4/1/2024.

Autores:
Antônio de Pádua Faria Júnior, é advogado no escritório Pádua Faria Advogados, graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Franca, pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (Ibet) e LLC em Direito Empresarial pelo Insper e mestre em Direito pela Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Maria Eduarda Oliveira Romeiro, é advogada no escritório Pádua Faria Advogados, graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Franca e pós-graduanda em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).








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