Trabalhos manuais, farmácia, cosméticos e alimentação
são segmentos
explorados por empresários que desejam se manter ativos e gerar renda
É numa casa grande
com quintal, jabuticabeira e móveis antigos que muitas mulheres, boa parte
idosa e já aposentada, dedicam parte do seu tempo a dar origem a bolsas, jogos
de mesa, roupas e o que mais a imaginação permitir. Localizado no bairro Santo
Antônio, na região Centro-Sul, o ateliê O Fio da Trama, que oferece cursos de
bordado e outras artes manuais, também é a realização de um sonho de Rijane de
Mont'Alverne, de 70 anos. Ela decidiu que não ficaria em casa depois de se
aposentar e abriu o negócio em 2017 - fazendo parte do grupo de idosos que
resolveram empreender após os 60 anos.
"Trabalhei por mais
de quatro décadas como executiva de recursos humanos e decidi não parar de
trabalhar quando encerrei a carreira no mundo corporativo. Na verdade eu sempre
tive o sonho de ter um espaço como esse e fui me planejando antes mesmo de me
aposentar. É uma forma de me manter ativa, de não ficar em casa vendo a vida
passar", diz.
De acordo com
levantamento do Sebrae, baseado em dados da Receita Federal e do Portal do
Empreendedor, no Brasil há 15.862.868 empreendedores com 60 anos ou mais na
categoria Microempreendedor Individual (MEI), que engloba empresas com
faturamento anual de até R$ 81 mil. Em Minas Gerais, são 1.735.945
empreendedores nesta categoria.
Laurana Viana,
analista do Sebrae Minas, aponta que esse perfil de empresário "traz na
bagagem" diversas habilidades técnicas aprendidas ao longo da vida e que isso
faz total diferença na hora de empreender. "Eles geralmente também têm a
habilidade de lidar com pessoas, que é muito valorizada no mercado. A
experiência traz maturidade, sensatez e jogo de cintura para saber conviver com
diferentes temperamentos e situações desafiadoras", diz.
Para Rijane, a
maturidade e a experiência agregam tranquilidade ao processo. "O jovem tem sede
de ganhar dinheiro rápido, de sempre acertar, o que é normal para a idade. Mas,
esse é um tipo de angústia que não tenho mais. Fui construindo aos poucos,
começamos com cinco alunas e hoje temos mais de 85. É uma forma de lidar com os
negócios sentindo menos pressão, com mais foco em um propósito mesmo."
No ateliê de Rijane,
além das aulas de crochê e bordado, as alunas também compartilham lanches e
confidências, em um processo de acolhimento mútuo. "Lá elas falam das questões
com maridos e filhos, sem tabus. Também é um lugar onde elas são vistas. Reparamos
em quem cortou o cabelo ou chegou de roupa nova. Muitas pessoas adoecem quando
saem do trabalho porque deixam de ser notadas, é como se elas 'perdessem' a
importância fora do mundo corporativo", afirma.
Além de ocupar a
mente e socializar, muitas das alunas vão além do hobbie e fazem do trabalho
manual uma nova forma de renda. "Temos várias alunas acima dos 50 que criaram
suas próprias grifes e já estão comercializando seus produtos, inclusive
exportando para outros países. Também é uma forma de incentivar o
empreendedorismo das alunas", comemora.
Faturando com a
beleza
Viúva, mãe de três
filhos que já saíram de casa e aposentada. Poderia parar por aí a biografia de
Jurema Moraes, de 67 anos. Mas, há cerca de três anos, ela resolveu incorporar
outro atributo: empreendedora. Aproveitou a experiência do passado, quando
produzia cosméticos em seu salão de beleza, e hoje fatura cerca de R$ 8 mil por
mês com sua linha de shampoos, condicionadores e leave-in - incluindo itens
específicos para cabelos de pessoas negras.
"Eu tinha o hábito
de ir à igreja para me manter ativa, mas faltava algo a mais. Foi então que
conheci um projeto social voltado para empreendedores e fui incentivada a
retomar o trabalho com os produtos. Por lá aprendi muito sobre redes sociais e
como empreender no digital. O mercado é muito competitivo, é preciso entregar
excelência", aponta.
Jurema refere-se ao
Instituto de Pesquisas e Projetos Empreendedores (IPPE), que se mantém graças
ao Fundo do Idoso, uma lei de incentivo fiscal que capta recursos privados para
investimento em projetos sociais. Com estes recursos, a instituição já
capacitou gratuitamente mais de 50 mil idosos desde 2018.
"Ter acesso às
capacitações gratuitas é uma mão na roda para quem não ganha muito com a aposentadoria
e ainda tem poucos recursos para investir no próprio negócio. Ainda planejo me
aprofundar mais na parte de gestão financeira. Costumo misturar as contas da
empresa com as pessoais e isso me impede de analisar os resultados reais da
empresa", argumenta a empresária.
As conquistas
individuais, como de Jurema, contribuem para um ganho que é coletivo. A
analista do Sebrae Minas Laurana Viana aponta que a economia do Brasil agradece
a esse movimento empreendedor. "Mais pessoas produzindo é de extrema importância
para manter a economia funcionando. A maioria não encontra oportunidades no
mercado formal de trabalho, então trabalhar por conta própria acaba sendo uma
forma de ganhar dinheiro e continuar consumindo", analisa.
Com o envelhecimento
da população, a tendência é que as pessoas com idade acima de 60 anos estejam
ainda mais presentes no mercado de trabalho - seja como empregados ou como
empreendedores. Segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE) neste mês, os idosos deixaram de ser a menor fatia da
população brasileira em 2023 e, daqui a duas décadas, vão ser a maior delas.
Segundo o instituto, atualmente, 15,6% da população tem 60 anos ou mais,
ultrapassando os 14,8% dos que têm 15 a 24 anos. É a primeira vez que a
população mais velha ultrapassa a mais jovem.
"Faro apurado" para
as oportunidades
Depois de trabalhar
por mais de três décadas no setor da construção civil e se aposentar em 2015,
Carlos Henrique Araújo, de 67 anos, resolveu apostar em um segmento totalmente
diferente para continuar na ativa. Após auxiliar um amigo na construção de um
edifício em Sete Lagoas, a 60 km da capital mineira, ele recebeu uma das lojas
como pagamento pelo serviço e começou a pensar em como poderia aproveitar o
espaço. Após identificar uma demanda de mercado, acabou abrindo uma farmácia há
quatro anos atrás.
"Era uma bairro onde
não havia muitos negócios desse tipo, enxerguei uma oportunidade e esse foi o
fator decisivo. Eu investi cerca de R$ 500 mil, incluindo a montagem da loja e
a compra de medicamentos, e tenho quatro funcionários, três atendentes e um
farmacêutico. É um universo totalmente novo para mim, cada dia traz novos
aprendizados", garante.
O novo negócio
também é uma oportunidade de ficar mais próximo da mãe Gisélia, de 99 anos, com
quem convive durante a semana e faz aulas de pilates. No fim de semana ele ruma
para BH para ficar com a esposa Luciana, de 63 anos, que também é engenheira
aposentada, e o filho Lucas, de 27.
"Os dois também me
ajudam no negócio. Minha esposa cuida da parte de perfumaria de forma remota e
faz o trabalho via home office. Não gostamos de ficar parados, quem passa a
vida toda trabalhando não se acostuma a ficar em casa após se aposentar. Nosso
objetivo é nos manter ativos", diz.
Para Luiz Alves,
psicólogo e professor da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, se
manter ativo após a aposentadoria, além dos ganhos financeiros, também traz
benefícios pessoais. "Boa parte da nossa vida é ocupada pelo trabalho, é onde
construímos uma rotina e estabelecemos relações. A aposentadoria provoca uma
quebra desse ciclo, no qual nos sentimos úteis, e é aí que um outro trabalho
pode ajudar a manter essa percepção de que conseguimos produzir, ser
independentes e trazer algo benéfico para a sociedade", diz.
Da horta para a mesa
Neta de italianos e
apaixonada por cozinha, Maria Virgínia Andrade Guimarães, de 68 anos, empreende
há poucos anos, mas usa a experiência de uma vida inteira em sua empresa de
temperos e produtos congelados. Após a aposentadoria, ela e o marido Marcelo
Guimarães, de 69 anos, deixaram o apartamento em BH e se mudaram para um sítio
em Casa Branca, em Brumadinho, em busca de novos ares e qualidade de vida.
Passar os dias descansando, no entanto, não estava nos planos.
"Eu já tinha o
hábito de fazer temperos, receitas da minha avó, e minha filha Marcela deu a
ideia de começar a vender para complementar a aposentadoria. Fizemos tudo com
muito cuidado. Ela desenvolveu a identidade visual e eu fui pesquisar o mercado
para encontrarmos o que nos diferenciaria. Descobri que a maioria dos produtos
tinha muito sal e conservantes, então fomos no caminho oposto, fazendo produtos
naturais e com ingredientes da nossa horta", conta.
A marca, batizada
justamente de Casa Branca Especiarias, homenageia o ecossistema da região, que
inclui a Serra do Rola Moça, e os produtos encantam pelas cores vivas e
chamativas. O tempero Canela de Ema, que leva pó de hibisco, levou dois anos
para ser desenvolvido para chegar à tonalidade lilás que Virgínia tanto
almejava. Com o negócio, o casal fatura cerca de R$ 9 mil por mês.
"Hoje, já vendemos
também azeites saborizados, antepastos e pratos congelados, como panquecas e
lasanhas. Além das vendas pelo site, também participamos de muitas feiras, umas
três ou quatro por mês. Também desenvolvemos kits de Natal para empresas
presentearem os funcionários, é uma importante fonte de renda para 'segurar' as
contas nos primeiros meses do ano, que geralmente são mais fracos em vendas",
diz.
Virgínia também
afirma que, desde o início, fez questão de procurar diversos cursos e
consultorias, incluindo capacitações oferecidas pelo Sebrae, para fazer a coisa
"do jeito certo". Para ela, isso é essencial não apenas para a saúde financeira
do negócio, como também para a saúde "no sentido literal" da clientela.
"Negócio alimentar é
coisa séria, não é porque é artesanal que é 'fundo de quintal'. É essencial
sabermos fazer um produto que, além de gostoso, é seguro. Também precisamos
entender sobre aspectos contábeis e precificação, para obter lucro. Esse último
ponto, aliás, é um ponto em que muitos empreendedores acabam escorregando."
Para a analista do
Sebrae Minas, é fundamental que os empreendedores da terceira idade continuem
buscando capacitações para não ficarem defasados no mercado. "Em um mundo
cada vez mais digital, pessoas idosas muitas vezes têm uma dificuldade em lidar
com mudanças cada vez mais rápidas. É preciso continuar aprendendo sempre para
trabalhar por mais tempo e obter bons resultados", afirma Laurana.
Ninho vazio? Aqui
não!
Muitas vezes, o
empreendedorismo é uma forma de transformar um hobby em negócio e, de quebra,
ocupar o tempo para evitar a "síndrome do ninho vazio" - sentimento de solidão
provocado pela saída dos filhos de casa. Nutricionista de formação, Laura
Couto, de 61 anos, já não atuava na área há muitos anos. O que não significa
que ela era "livre de serviço" em seu dia a dia. Fera na máquina de costura,
ela tinha o hábito de produzir toucas cirúrgicas para a filha Maria Teixeira,
que é médica. E daí surgiu um novo negócio, que se profissionalizou no ano
passado.
"No início eu fazia
sem pretensão, até que participei de um curso de empreendedorismo e percebi que
poderia começar a vender. Me aperfeiçoei nas redes sociais e no WhatsApp e
minha filha me indica clientes, que são colegas de profissão. Em meses bons eu
chego a faturar mais de um salário mínimo por mês", conta.
Planejando sua
aposentadoria para daqui alguns anos, ela afirma que o novo negócio tem trazido
"uma renda extra", além de facilitar sua inserção no mercado de trabalho, "uma
vez que nem sempre as empresas estão dispostas a contratar os mais velhos".
Além disso, é uma forma de manter a cabeça ocupada e não sentir a falta dos
três filhos, que já saíram de casa. A última foi justamente Maria, que se mudou
neste ano.
"Empreender neste
momento, em que estou morando sozinha, tem sido essencial. A síndrome do ninho
vazio é terrível. A gente vive naquela rotina de servir marido e filhos e,
quando o pessoal sai, a gente acaba se sentindo 'inútil'. Ter um negócio mostra
que nosso tempo não passou. Me sinto útil, faço novos amigos e dou minha
contribuição para a sociedade. Além da graninha que entra, é claro", diz.
De acordo com
Juliana Marcondes, coordenadora do curso de psicologia da Estácio BH, a
ausência de uma rotina de trabalho pode potencializar a solidão provocada pela
saída dos filhos da casa dos pais. "Nesse cenário, empreender vai permitir que
esse idoso descubra novas habilidades e novos conhecimentos, construindo novos
laços sociais e preenchendo esse espaço deixado pela aposentadoria ou pela
ausência dos filhos", explica.
Além disso, ela
também frisa que é possível "se preparar" para este momento mesmo antes da
chegada da terceira idade. "Em algum momento, muitos de nós iremos nos
aposentar e nossos filhos vão decidir seguir a vida fora de casa. Assim, é
benéfico investir em algumas áreas, como a prática de atividades físicas e a
construção de grupos afetivos com quem você possa contar."
Nota M&M: A M&M Assessoria Contábil tem expertise
no atendimento aos empreendedores, São mais de 35 anos ao lado da comunidade
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Fonte: O Tempo