A transação
tributária tem ganhado crescente relevância no Brasil, representando um novo
paradigma na relação entre a administração tributária e os contribuintes. Ao
invés de um modelo baseado no conflito permanente e prolongado, com elevados
custos para ambas as partes, a transação possibilita a composição de posições
divergentes, estabelecendo um equilíbrio que visa à estabilização das disputas
fiscais em bases razoáveis.
Esse movimento busca
imprimir maior consensualidade nas relações tributárias, eliminando incertezas
e custos relacionados às disputas judiciais. De um lado, a transação atende aos
interesses do Fisco, pois a execução dos créditos tributários enfrenta uma
crise de eficiência. De outro, beneficia os contribuintes, ao proporcionar um
meio estruturado de retorno à regularidade fiscal, com condições adaptadas à
sua realidade financeira.
Além de funcionar
como ferramenta de arrecadação, a transação tributária visa estimular a
conformidade fiscal, prevenindo externalidades negativas, como a inadimplência
estratégica e o acúmulo excessivo de litígios tributários. A Lei nº
13.988/2020, que regulamentou a transação no âmbito federal, teve justamente
esse objetivo: romper o ciclo vicioso de parcelamentos reiterados e oferecer
uma solução estruturada e definitiva para a recuperação do crédito público.
A transação
tributária difere dos parcelamentos extraordinários, como o Refis, que
historicamente influenciaram negativamente o comportamento dos contribuintes.
Estudos demonstram que a recorrente oferta de programas de parcelamento
especiais desestimula o pagamento regular de tributos, pois os contribuintes
passam a prever novos programas de benefícios futuros, optando pela
inadimplência estratégica como forma de reduzir encargos tributários e obter
vantagens competitivas.
Esse fenômeno cria
um ambiente de insegurança jurídica, pois o Estado acaba por reforçar a
expectativa de concessão de anistias futuras, enquanto contribuintes que se
mantêm adimplentes percebem-se em desvantagem em relação àqueles que postergam
o pagamento para obter descontos e prazos mais vantajosos. Em contrapartida, a
transação tributária se diferencia por estabelecer critérios objetivos e
transparentes, ajustando-se à capacidade contributiva dos devedores e exigindo
compromissos concretos de regularidade futura.
Seguindo essa
tendência nacional, o estado do Rio Grande do Sul adotou um modelo próprio de
transação tributária por meio do programa Acordo Gaúcho, instituído pela Lei nº
16.241/2024. Esse programa oferece condições especiais para a regularização de
débitos inscritos em dívida ativa, alinhando-se à necessidade de recuperação
fiscal do Estado e ao propósito de promover segurança jurídica e
previsibilidade para os contribuintes.
O Acordo Gaúcho
segue a lógica da transação tributária federal e de outros estados, mas traz
particularidades próprias, como critérios específicos de concessão de descontos
e modalidades de adesão. A seguir, analisaremos suas disposições e impactos.
A Lei nº 16.241/2024
estabelece as diretrizes para que o estado do Rio Grande do Sul, suas
autarquias e outros entes estaduais celebrem transações tributárias e não
tributárias, com o objetivo de regularizar créditos vencidos e inscritos em
dívida ativa. Segundo o art. 1º, o programa busca:
"Estabelecer os
requisitos e as condições para que o estado do Rio Grande do Sul, suas
autarquias e outros entes estaduais, e os devedores ou as partes adversas
realizem transação resolutiva de litígio relativo à cobrança de créditos
vencidos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária,
inscritos em dívida ativa."
Ao instituir o
programa Acordo Gaúcho, a lei estabelece um conjunto de princípios essenciais
para sua aplicação e regulamentação, buscando assegurar que a transação ocorra
dentro de parâmetros claros, objetivos e equitativos. Dentre esses princípios,
destaca-se a cooperação, que incentiva a colaboração entre Fisco e contribuinte,
permitindo a negociação de créditos de forma mais eficiente e reduzindo
litígios desnecessários. O princípio da isonomia, que visa garantir que os
benefícios concedidos pela transação tributária sejam acessíveis de maneira
equilibrada a todos os contribuintes, sem privilégios indevidos.
Além disso, a
capacidade contributiva se apresenta como um critério fundamental na avaliação
da possibilidade de concessão de benefícios, assegurando que os descontos e as
condições de pagamento sejam proporcionais à realidade financeira do devedor.
Diferentemente dos parcelamentos convencionais, que oferecem benefícios
padronizados sem considerar a real condição econômica do contribuinte, a
transação tributária exige uma análise mais aprofundada da capacidade de
pagamento do devedor.
No âmbito do Acordo
Gaúcho, essa avaliação se baseia em critérios objetivos definidos pela
Procuradoria-Geral do Estado (PGE-RS) e pela Receita Estadual, conforme
estabelecido no artigo 13 da Lei nº 16.241/2024. A regulamentação permite que a
transação esteja condicionada a uma entrada mínima, à apresentação de garantias
ou mesmo à manutenção de garantias já existentes, fatores que variam de acordo
com a classificação da dívida e o histórico do contribuinte.
Além disso, a
aferição da capacidade de pagamento do devedor leva em consideração diversos
elementos, incluindo o tempo de inscrição da dívida na Dívida Ativa, a liquidez
das garantias associadas ao crédito, a existência de parcelamentos anteriores e
o histórico de regularidade fiscal do contribuinte. Outros fatores incluem a
perspectiva de êxito de eventuais execuções fiscais, o custo da cobrança
administrativa e judicial e a situação cadastral e econômico-financeira do
sujeito passivo, conforme demonstrado pelo cumprimento de suas obrigações acessórias.
Essa análise detalhada minimiza os riscos de inadimplência futura e assegura
que a transação seja aplicada de maneira justa e equilibrada, evitando
concessões excessivas ou ineficazes.
Critérios próprios
O Acordo Gaúcho
adota um modelo similar à transação tributária federal promovida pela PGFN, mas
com algumas particularidades. Entre suas principais diferenças, destacam-se a
adoção de critérios próprios para a concessão de descontos sobre juros, multas
e encargos, bem como a abrangência ampliada para créditos não tributários
inscritos na dívida ativa.
Além disso, um
importante ponto do programa gaúcho é a possibilidade de utilização de
precatórios e créditos de ICMS para compensação de débitos fiscais, tornando o
modelo mais atrativo e flexível para empresas e contribuintes com dificuldades
financeiras. Essa alternativa permite que empresas e contribuintes utilizem
valores já reconhecidos pelo Estado para quitar até 75% do valor devido,
abrangendo dívida principal, multas e juros. Isso representa uma vantagem
estratégica para empresas que possuem créditos tributários acumulados,
possibilitando uma redução significativa no desembolso financeiro necessário
para regularização. A compensação de ICMS-ST também está prevista, oferecendo
um mecanismo adicional para a utilização eficiente de créditos fiscais.
No que se refere às
modalidades de transação disponíveis no Acordo Gaúcho, o programa prevê duas
formas, garantindo maior flexibilidade e previsibilidade aos contribuintes. A
primeira delas, a transação por adesão, segue os termos fixados em editais da
PGE-RS e da Receita Estadual, nos quais os contribuintes interessados devem
aceitar integralmente as condições estabelecidas, sem possibilidade de
negociação individual.
Já a transação por
proposta individual permite uma negociação personalizada, podendo ser iniciada
tanto pelo devedor quanto pelo Fisco. Nessa modalidade, são analisadas as
circunstâncias específicas do contribuinte, sendo possível negociar valores,
garantias e prazos de pagamento. No entanto, a adesão a essa modalidade está
sujeita a uma avaliação detalhada da viabilidade econômica do acordo,
garantindo que os benefícios concedidos estejam alinhados à capacidade
financeira do devedor e assegurem a efetividade da arrecadação.
Entre os incentivos
oferecidos pelo programa, destaca-se a redução de juros, multas e encargos, que
pode chegar a 70% para pessoas físicas, microempresas e empresas de pequeno
porte e até 65% para demais contribuintes. O programa também prevê prazos de
parcelamento diferenciados, permitindo a quitação em até 120 meses para a
maioria dos contribuintes e até 145 meses para micro e pequenas empresas.
Além disso, o
programa traz condições especiais para empresas em dificuldades financeiras,
incluindo benefícios diferenciados para empresas em recuperação judicial e
tratamento especial para negócios impactados por calamidades climáticas,
especialmente aqueles afetados pelos eventos climáticos extremos de abril e
maio de 2024. Para esses contribuintes, o desconto máximo e os prazos de
pagamento podem ser ampliados, assegurando maior viabilidade para a recuperação
econômica e manutenção das atividades empresariais.
Riscos da adesão
Apesar dos
benefícios significativos, é fundamental que os contribuintes estejam atentos
às restrições e riscos da adesão ao programa. Determinados débitos não podem
ser transacionados, como multas penais e ICMS de empresas optantes pelo Simples
Nacional, salvo autorização expressa do Comitê Gestor. Além disso, a PGE-RS e a
Receita Estadual estabelecem critérios rigorosos de elegibilidade, exigindo
comprovação da capacidade de pagamento e a manutenção da regularidade fiscal ao
longo do período de cumprimento do acordo. O descumprimento das obrigações
assumidas pode resultar na rescisão da transação, levando ao restabelecimento
do débito original, sem os benefícios concedidos.
O Acordo Gaúcho
representa um avanço significativo na modernização do sistema de cobrança
tributária do Rio Grande do Sul, proporcionando um meio estruturado e seguro
para que os contribuintes regularizem suas pendências fiscais. Ao introduzir
critérios mais flexíveis de negociação e conceder condições diferenciadas de
pagamento, o programa busca não apenas aumentar a recuperação de créditos
tributários, mas também promover maior previsibilidade e segurança jurídica,
evitando o acúmulo de litígios e contribuindo para a estabilidade financeira
das empresas e dos indivíduos que aderirem à transação.
Diante da
complexidade das normas e das diferentes condições oferecidas, é essencial que
os contribuintes avaliem cuidadosamente os impactos da adesão ao programa,
considerando sua capacidade de pagamento e a viabilidade financeira a longo
prazo. A assessoria de profissionais especializados em direito tributário é
fundamental para analisar os benefícios e as obrigações da transação, garantir
o cumprimento dos requisitos exigidos e evitar riscos que possam comprometer a
regularidade fiscal no futuro. Dessa forma, o Acordo Gaúcho se torna uma
ferramenta importante para a redução de passivos tributários, mas sua adesão
deve ser realizada com planejamento e orientação adequada.
Autor: Clairton Gama. É advogado, sócio do escritório
Kubaszwski Gama Advogados Associados, mestre em Direito pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pós-graduado em Direito Tributário pelo
Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), professor de Direito
Tributário na Faculdade Brasileira de Tributação (FBT), coordenador do Canal
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