O regime de bens
adotado no casamento, ou na união estável, é de extrema importância para o
relacionamento, pois é ele quem determina de que forma serão comunicados os
bens adquiridos, em conjunto ou separadamente, pelos cônjuges. No Brasil são
permitidos, segundo o Código Civil [1], quatro
tipos de regime, sendo eles: A comunhão parcial de bens, a comunhão universal
de bens, a separação de bens e a participação final nos aquestos.
O regime de bens
aplicável automaticamente, em caso da não opção de outro pelos nubentes, é o da
comunhão parcial de bens, nos termos do que prevê o artigo 1.640 do Código
Civil Brasileiro, que determina: "Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou
ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão
parcial."
Esse regime também
se aplica à união estável, mesmo que não formalizada. Este modelo é aquele em
que se comunicam entre os parceiros todos os bens adquiridos na constância do
casamento.
Regime mais comum
Segundo a Associação
dos Registradores Civis de Pessoas Naturais do Estado do Mato Grosso do Sul[2], o regime de comunhão parcial de bens é o mais comum
entre os brasileiros. Em verdade, parece lógico e plausível a conclusão adotada
pelo casal de que tudo que conquistem juntos seja igualmente de propriedade de
ambos.
Entretanto, as
consequências patrimoniais dessa escolha são verdadeiramente complexas, na
medida em que permitem a divisão não só dos bens adquiridos, mas também de
eventuais dívidas contraídas, ainda que por ação exclusiva de somente um
cônjuge. Vejamos o que prevê o Código Civil Brasileiro sobre o tema:
Art. 1.663. A
administração do patrimônio comum compete a qualquer dos cônjuges.
§ 1 o As
dívidas contraídas no exercício da administração obrigam os bens comuns e
particulares do cônjuge que os administra, e os do outro na razão do proveito
que houver auferido.
Art. 1.666. As
dívidas, contraídas por qualquer dos cônjuges na administração de seus bens
particulares e em benefício destes, não obrigam os bens comuns.
Responsabilização
por dívidas
Assim, qualquer um
dos cônjuges pode contrair dívidas em nome da administração do patrimônio
comum, e ambos poderão ser responsabilizados caso o proveito tenha sido
compartilhado. A título exemplificativo, imagine o seguinte cenário: um dos
cônjuges renegocia uma dívida de energia elétrica/água do imóvel em que ambos
residem, na ocasião opta por um parcelamento extenso e com encargos.
Caso esse
parcelamento acabe inadimplido e somente o cônjuge não responsável pela
negociação tenha bens, considerando que o proveito foi revertido em prol do
casal (impedindo o corte de fornecimento de serviços essenciais), ambos poderão
ser responsabilizados pelo valor, no limite do respectivo proveito. Em casos
semelhantes, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul já tem
admitido, inclusive, a penhora de valores diretamente nas contas de
titularidade do companheiro:
AGRAVO DE
INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. EXECUÇÃO DE TÍTULO
EXTRAJUDICIAL. PENHORA E PESQUISA DE BENS EM NOME DO CÔNJUGE ALHEIO À
EXECUÇÃO. POSSIBILIDADE. REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE
BENS. RESGUARDO DA MEAÇÃO. RECURSO PROVIDO, POR DECISÃO MONOCRÁTICA.(Agravo de
Instrumento, Nº 50284663520258217000, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: João Pedro Cavalli Junior, Julgado em: 11-02-2025)
grifo nosso
AGRAVO DE
INSTRUMENTO. HONORÁRIOS DE PROFISSIONAIS LIBERAIS. PENHORA. CÔNJUGE DA
EXECUTADA. COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. POSSIBILIDADE ATÉ
O LIMITE DA MEAÇÃO. I. CASO EM EXAME: 1. A questão trata
da possibilidade de penhora de valores em contas de
titularidade do cônjuge da executada, observada
a comunhão parcial de bens e o limite da meação. O juízo de
origem indeferiu o pedido, por entender que seria necessária comprovação de
benefício para o casal. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO2. A discussão central é se,
no regime de comunhão parcial de bens, é possível a
constrição de valores do cônjuge da executada para o pagamento de dívida
contraída posteriormente ao casamento. III. RAZÕES DE DECIDIR 3.
No regime de comunhão parcial de bens, os bens
adquiridos na constância do casamento são comuns, exceto os bens particulares
conforme o art. 1.658 do Código Civil. 4. Inexistindo provas de que os valores
depositados sejam bens particulares, presume-se a comunhão do
patrimônio. 5. Conforme jurisprudência do STJ e desta Corte, é possível
a penhora dos bens do casal
no regime de comunhão de bens, respeitado o limite da
meação. IV. DISPOSITIVORecurso provido para deferir a penhora sobre
os bens comuns até o limite da meação do cônjuge.Resumo de julgamento:
"No regime de comunhão parcial de bens, os valores do
cônjuge da executada podem ser penhorados, observada a meação, para
satisfazer dívida contraída após a união." AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.
(Agravo de Instrumento, Nº 51881165520248217000, Décima Quinta Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto José Ludwig, Julgado em:
16-10-2024)
O Superior Tribunal
de Justiça, por sua vez, recentemente ratificou o entendimento nesse sentido ao
enfatizar que a dívida estudantil, proveniente do Fies, não se comunica, sendo
de responsabilidade exclusiva do cônjuge que a contraiu. (REsp n. 2.062.166/RS,
relatora ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 5/11/2024, DJe de
8/11/2024.). Assim, resta consolidado o entendimento no sentido de que:
A dívida decorre de
objeto cujo proveito reverteu em favor do casal: se comunica entre os cônjuges,
independente de quem a contraiu, reservada a meação;
A dívida é pessoal e
seu objeto reverteu em benefício exclusivo do contraente: não há comunicação,
sendo a responsabilidade exclusiva do cônjuge titular do débito;
Sociedade empresária
Ainda, é de suma
importância enfatizar a lógica pode ser aplicada em diferentes contextos,
dentre eles também aquelas relacionadas a dívidas de sociedade empresária de
propriedade do casal. Logo, nem sempre a dívida que atinge o patrimônio de
ambos os cônjuges foi adquirida por somente um, aplicando-se o mesmo
entendimento, ainda que, eventualmente, após sua constituição, um deles tenha
saído da sociedade empresária.
É igualmente
relevante enfatizar que a dívida deve ter sido contraída na constância da
relação para que a comunicabilidade seja aplicável. Afinal, onde não há
matrimônio não há reversão do proveito em prol do casal.
Portanto, o regime
de comunhão parcial de bens não apenas regula a divisão dos bens adquiridos,
mas também define os limites da responsabilidade patrimonial do casal,
influenciando a partilha tanto de conquistas quanto de eventuais dívidas.
[1] Vide Arts.
1.6.39 -1.688 do Código Civil Brasileiro, disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>
[2] Disponível
em: https://arpenms.org.br/regimes-de-bens-quais-as-principais-diferencas-entre-eles/#:~:text=A%20escolha%20mais%20comum%20entre,mais%20de%2075%20mil%20casamentos.
Autora: Franciele Guimarães é advogada, especialista em
Direito dos Negócios pela Unisinos.