Recentemente foi
veiculado na imprensa o caso de um trabalhador que ingressou com uma ação
trabalhista relatando que, ao desempenhar as suas atividades, o seu animal de
estimação, que estava deitado em sua perna, fez um movimento brusco sobre um de
seus pés, o que acarretou a torção de um dos seus joelhos e, como consequência
do ocorrido, teve que ser operado [1].
À vista disso, o
empregado pretendeu a responsabilização do seu empregador, ao argumento de que,
durante as suas atividades laborais desempenhadas em sua residência, a empresa
teria sido omissa ao não fornecer orientações específicas sobre os cuidados
necessários para evitar acidentes envolvendo animais de estimação no ambiente
doméstico.
Nesse sentido, para
além da grande repercussão nas redes sociais, diversos foram os questionamentos
sobre a responsabilidade do empregador quando as atividades são realizadas
em home office: a empresa deve ser responsabilizada, em qualquer situação,
quando acontecer um acidente no regime de teletrabalho? Existem limites para
essa responsabilização civil?
Por certo, dada a
enorme polêmica que girou em torno do assunto, a temática foi indicada por
você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, da
revista Consultor Jurídico (ConJur) [2],
razão pela qual agradecemos o contato.
Caso real
Na decisão proferida
pela Vara do Trabalho de Senhor do Bonfim (BA), o pedido de indenização por
danos morais, materiais e restabelecimento do plano de saúde foi julgado
improcedente, de modo que a magistrada de 1º grau ponderou:
"Nesta situação em
específica, não se pode considerar, em hipótese alguma, que a presença de um
cachorro aos pés do trabalhador enquanto se encontra laborando, sabendo-se da
natureza vigorosa do animal e atenta a qualquer sinal de alerta, seja risco
para a atividade em home office, mas sim algo que não se imagina como
admissível!." [3]
Irresignado com a
decisão, o trabalhador recorreu da decisão para o Tribunal Regional do Trabalho
da Bahia da 5ª Região, insistindo na tese de responsabilização da empresa por
ausência de treinamentos ou orientações para impedir o risco de acidentes com
animais "pets". Porém, para orRelator, a situação se mostrou inusitada e
desprovida de fundamento jurídico.
Em seu voto, o
desembargador Relator destacou[4]:
"Além disso, a
própria tentativa de atribuir responsabilidade à reclamada beira o irracional,
pois a dinâmica do acidente relatado - em que o reclamante foi atingido por seu
próprio cachorro durante o teletrabalho - não tem qualquer nexo com as
atividades exercidas em favor da reclamada. Não se trata de uma situação em que
o reclamante exercia funções que envolviam interação com animais, como um
cuidador ou adestrador de "pets", tampouco havia qualquer exigência nesse
sentido no seu contrato de trabalho. Portanto, atribuir à reclamada a
responsabilidade por um acidente provocado por um animal do qual o reclamante é
o tutor é, no mínimo, uma distorção dos princípios que regem a responsabilidade
civil no ambiente de trabalho."
Legislação
É cediço que a
redução dos riscos inerentes ao trabalho possui previsão na Constituição, em
seu artigo 7º, inciso XXII [5], assim como a CLT
possui um capítulo específico sobre a temática, tratando sobre os deveres da
empresa [6] e dos empregados [7] acerca da segurança e medicina do trabalho, para
além das próprias Normas Regulamentadoras (NR).
Lição de
especialista
A propósito,
oportunos são os ensinamentos de Sebastião Geraldo de Oliviera sobre
responsabilidade civil em casos de acidentes de trabalho [8]:
"Assentando o
cabimento de indenização à vítima de acidente de trabalho, quando o empregador
incorrer em dolo ou culpa de qualquer grau, ou ainda quando exercer atividade
de risco, cabe delinear uma breve noção a respeito do instituto jurídico que
oferece o suporte dogmático para tal direito, qual seja, a responsabilidade
civil.
Apesar de suas
raízes longínquas, a responsabilidade civil continua desafiando os estudiosos e
ocupando espaço considerável e crescente na literatura jurídica. Antigas ideias
são invocadas a todo momento para solucionar novas ocorrências, mantendo-se a
efervescência saudável do debate jurídico. (.). Onde houver dano ou prejuízo, a
responsabilidade civil é invocada para fundamentar a pretensão de ressarcimento
por parte daquele que sofreu as consequências do infortúnio."
Responsabilidade
empresarial
Sob a perspectiva da
responsabilidade empresarial, de acordo com as disposições do artigo 7º, XXII e
XXVIII, da Lei Maior, somente será imputado ao empregador o dever de indenizar
os seus empregados em caso de ocorrência de dolo ou culpa, bem como se
identificada a prática de ato ilícito.
Por isso que a
constatação de negligência por parte da empresa, com relação às normas de saúde
e segurança do trabalho, pode atrair sua responsabilização subjetiva, quando
evidenciada a culpa empresarial. Assim, salvo nas hipóteses de atividades de
riscos e/ou quando a lei imponha o dever de que a responsabilidade seja objetiva
ao empregador, a regra é de que a obrigação de responsabilização civil às
empresas pressupõe a prática de condutas que pela legislação repute
antijurídicas, sobretudo a justificar, por consequência lógica, o pagamento das
indenizações correspondentes.
Vale dizer, se é
verdade que a obrigação de indenizar, decorrente da responsabilidade civil
subjetiva, pressupõe a prática de ato comissivo ou omissivo pelo ofensor, para
além da violação da ordem jurídica, a prova do dano efetivo, como também o nexo
de causalidade entre a conduta e o resultado lesivo e a culpa lato sensu,
de igual modo a falta de algum desses elementos elide a obrigação empresarial
de reparação do dano.
Conclusão
É importante lembrar
que o contrato de trabalho é sinalagmático, devendo, pois, existir entre as
partes respeito mútuo, com reciprocidade de direitos e obrigações, sendo que a
boa-fé e a lealdade processuais se encontram disciplinadas no artigo 422 do
Código Civil [9]. E aqui oportuno lembrar a
Recomendação nº 159, de 23.out.2024, do Conselho Nacional de Justiça, que
sugere medidas para identificação, tratamento e prevenção da litigância
abusiva [10], "entendida como o desvio ou
manifesto excesso dos limites impostos pela finalidade social, jurídica,
política e/ou econômica do direito de acesso ao Poder Judiciário, inclusive no
polo passivo, comprometendo a capacidade de prestação jurisdicional e o acesso
à Justiça".
Em arremate, é
preciso ter cautela no momento do ajuizamento de qualquer ação judicial, eis
que o Poder Judiciário não pode ser movimentado de forma inútil. Logo, em que
pese seja garantido o direito de ação a todas as pessoas, vale lembrar que não
é todo e qualquer acidente que a empresa deve ser responsabilizada, sobretudo
em casos que fogem da razoabilidade, além daquelas impossibilitem configurar o
nexo de causalidade.
[1] Disponível aqui.
Acesso em 24.03.2025.
[2] Se você
deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática
Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua
sugestão para a próxima semana.
[3] Processo
0000437-49.2022.5.05.0311:
[4]Processo
0000437-49.2022.5.05.0311:
[5] CF, Art. 7º
São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social: (.). XXII redução dos riscos inerentes ao
trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
[6] CLT, Art.
157 - Cabe às empresas: I - cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e
medicina do trabalho; II - instruir os empregados, através de ordens de
serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do
trabalho ou doenças ocupacionais; III - adotar as medidas que lhes sejam
determinadas pelo órgão regional competente; IV - facilitar o exercício da
fiscalização pela autoridade competente.
[7] CLT, Art.
158 - Cabe aos empregados: I - observar as normas de segurança e medicina do
trabalho, inclusive as instruções de que trata o item II do artigo anterior. Il
- colaborar com a empresa na aplicação dos dispositivos deste Capítulo.
Parágrafo único - Constitui ato faltoso do empregado a recusa injustificada: a)
à observância das instruções expedidas pelo empregador na forma do item II do
artigo anterior; b) ao uso dos equipamentos de proteção individual fornecidos
pela empresa.
[8] Indenizações
por acidente de trabalho ou doença ocupacional - De acordo com a reforma
trabalhista - 11ª ed. São Paulo: LTr, 2019. Página 81/82.
[9] CC, Art.
422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato,
como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
[10] Disponível
em aqui. Acesso em 24.3.2025.
Ricardo Calcini. Professor, advogado, parecerista e
consultor trabalhista, sócio fundador de Calcini Advogados, com atuação
estratégica e especializada nos tribunais (TRTs, TST e STF), docente da
pós-graduação em Direito do Trabalho do Insper, coordenador trabalhista da
Editora Mizuno, membro do comitê técnico da revista Síntese Trabalhista e
Previdenciária, membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito
Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo
(Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.
Ricardo Calcini. Advogado de Calcini Advogados.
Graduação em Direito pela Universidade Braz Cubas. Especialista em Direito
Material e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito. Especialista
em Direito Contratual pela PUC-SP. Especialista em Diretos Humanos e Governança
Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha (Espanha). Especialista em
Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC - IUS Gentium
Coninbrigae), da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal).
Pós-graduando em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da USP
(Universidade de São Paulo). Pesquisador do Núcleo de pesquisa e extensão:
"O Trabalho Além do Direito do Trabalho" do Departamento de Direito
do Trabalho e da Seguridade Social da USP, coordenado pelo professor Guilherme
Guimarães Feliciano.