Portaria, que deve entrar em vigor em 1º de julho de
2025, prevê abertura do comércio aos domingos e feriados somente se prevista em
convenção coletiva ou lei municipal. Shoppings estimam prejuízo de até 20% do
faturamento anual
Em 1º de julho de
2025 entra em vigor a portaria 3.665/2023, que limita o trabalho no comércio
aos domingos e feriados, exceto se estiver previsto em lei municipal ou
convenção coletiva.
A legislação atual
não proíbe o trabalho no comércio nesses dias, pois ele é regulamentado por uma
lei existente há 25 anos. Já a nova portaria muda uma norma anterior, publicada
na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (nº 671/2021), que permitia o
trabalho aos domingos e feriados por simples acordo entre patrões e empregados.
Porém, essa medida foi considerada ilegal pelo governo do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva e, com a nova portaria editada em seu mandato, os lojistas
serão obrigados a cumprir também a lei municipal.
Em tempos em que o
varejo sofre com a falta de mão de obra qualificada e a debandada de
funcionários para outras áreas, as particularidades de cada tipo de comércio levantam
a polêmica sobre a real necessidade da mudança. A reclamação do presidente da
Associação Brasileira de Supermercados (Abras), João Galassi.
Nos supermercados,
atacarejos, mini-mercados, hortifrútis e outros formatos correlatos, por
exemplo, o domingo é o primeiro ou segundo dia mais importante para vendas para
o setor, que emprega 9 milhões de pessoas e faturou R$ 1,067 trilhão, ou 9,12%
do PIB, segundo dados da Abras/Nielsen. "Somos completamente contra o
fechamento. Nós queremos olhar primeiro o consumidor e depois a nossa operação,
mas entendo que o diálogo e os dados estão acima de qualquer discussão."
No caso dos shopping
centers, que empregam mais de 1,5 milhão de pessoas no país, sendo que um
quinto está em São Paulo, estimativa da Alshop (Associação Brasileira de
Lojistas de Shopping) aponta que, se os centros de compras não abrissem aos
domingos e feriados, os lojistas contabilizariam 60 dias de "não-faturamento",
segundo Nabyl Sahyoun, presidente da Alshop.
Ou seja, a mudança
poderia representar uma queda de 20% no faturamento anual das empresas, afirma
ele, que considera a atitude do governo mais um retrocesso. "É um absurdo nos
tempos modernos, em que o varejo existe por causa do consumidor, e já foi
provado que esse consumidor quer a abertura do comércio aos domingos e
feriados. Ficamos estarrecidos com essa proposta no momento em que precisamos
gerar emprego e o Brasil precisa crescer: isso vai na contramão de tudo."
A liberdade de
negociação entre empresa e trabalhadores sem intervenção de sindicatos já
significa um avanço, segundo Marcel Solimeo, economista-chefe da Associação
Comercial de São Paulo (ACSP). Por isso, a entidade é contrária à portaria.
Cada empresa tem uma
necessidade diferente, lembrou, e em alguns segmentos, como o de supermercados
ou concessionárias de veículos, o domingo ou o feriado são os melhores dias.
Para o vendedor que ganha comissão, por exemplo, são os dias em que mais se
fatura, pois é quando as famílias saem para comprar. Em outros segmentos, vale
mais a pena fechar.
"A lei atual atende
melhor à economia, o comércio de São Paulo já trabalha bem em função dela há
muitos anos. A nova não trará benefício para ninguém, só mais burocracia. O
sindicato pode ser controlado por determinado setor e vai negociar como se
estivesse falando em nome de todos. Mas a negociação entre empresa e
trabalhador define o que é melhor para cada um", diz o economista-chefe da
ACSP.
Citando a Lei da
Liberdade Econômica, Solimeo lembra dos pequenos lojistas que, se não
trabalharem aos domingos, não vão faturar nem conseguir progredir nos negócios,
já que custos fixos como aluguel, energia elétrica e outros "funcionam dia e
noite e sem descanso semanal". "Se não trabalhar o suficiente para compensar os
custos, não vai gerar emprego. Por isso, não faz sentido a interferência de
terceiros em uma negociação que pode ficar a cargo dos próprios interessados."
Efeito jabuti?
Na região do Brás,
em São Paulo, que tem mais de 15 mil estabelecimentos comerciais, incluindo
lojas de rua, shoppings e galerias, o movimento aos domingos e feriados era
restrito ao final do ano. Até que o Busca Busca chegou à região em 2024 e essa
dinâmica mudou, segundo Lauro Pimenta, vice-presidente da Alobrás (associação
dos lojistas do polo de compras): puxado pelo "fenômeno chinês", o movimento
nas lojas aos domingos cresceu inacreditáveis 200%, considerando o primeiro
trimestre de 2025 (e não tendo como base os meses de novembro e dezembro, em
que as lojas tradicionalmente já abriam).
Em sua avaliação, a
mudança na lei do trabalho aos domingos e feriados funcionará como uma espécie
de validação, pois os lojistas paulistanos já remuneram conforme a lei
determina, em acordo com o Sindicato dos Comerciários de São Paulo, e por isso
fazem escala de descanso compatível. Portanto, questiona, o que os sindicatos
devem validar?
"Ainda não dá para
prever possíveis impactos, pois temos que ver o posicionamento do sindicato e
quais termos eles considerarão", explica ele, que também é proprietário da
Dejelone Jeans, e diz que a Alobrás acredita que é preciso sim ter leis que
assegurem o descanso e remuneração justa ao trabalhador para coibir abusos com
jornadas desproporcionais e remuneração "capenga". Mas, continua Pimenta, isso
deve ser feito dando autonomia ao empregado, onde ele possa expressar os abusos
de forma vertical, direto ao próprio Ministério do Trabalho.
"A validação via
sindicato nos preocupa pelo efeito 'jabuti', de colocar coisas forçadas em nome
de uma conquista política e não funcional na vida do trabalhador", comenta o
vice-presidente da Alobrás.
Na Rua 25 de Março,
em São Paulo, e adjacências, em que cerca de 20% a 30% das lojas abrem
aos domingos e feriados, com destaque para o Mercadão, Armarinhos Fernando e
algumas lojas em galerias, o impacto seria "teoricamente baixo", avalia Marcelo
Mouawad, diretor da Univinco (associação dos lojistas da região, que tem 17
ruas e mais de 3,2 mil CNPJs entre lojas de rua, prédios comerciais, galerias e
shoppings), e sócio do Grupo Semaan (que inclui lojas Semaan e Coleciona, em
shoppings).
Falando pelas duas
partes, Mouawad afirma que as lojas da região trabalham dentro da lei, seguindo
as regras do trabalho aos domingos, que incluem folgas e o tamanho da jornada,
e já estão negociadas no acordo coletivo do sindicato da categoria e da
FecomercioSP (sindicato patronal), apesar de uma "pequena parcela" de
empregados não estar formalizada.
Mas o que é preciso
olhar nesse momento, além da portaria da mudança de jornada aos domingos, é o
problema da falta de mão de obra: a mudança da lei vai na direção de melhorar a
proteção para o trabalhador, e por isso a jornada 5×2, em detrimento da 6×1, é
que vai acabar vencendo, acredita.
"Se você pensar na
roda da economia, a gente entende que um dia a mais de lazer também gera mais
consumo, e mais vendas para os lojistas que querem lucrar, é claro. A gente
também entende os custos que são envolvidos, mas também temos que nos preocupar
com a qualidade de vida."
Por isso, mais do
que o trabalho aos domingos e feriados, que Mouawad reforça que é uma regra
cumprida pelos lojistas há muitos anos e que ganhou força após a mudança que
permitiu o acordo direto entre lojista e trabalhador, a jornada 5×2 será a
melhor opção para resolver o problema da falta de mão de obra no comércio. E,
embora deva gerar aumento de custos, também deverá trazer mais funcionários,
além de melhorar a qualidade dessa mão de obra.
"Estamos
questionando a falta, a qualidade da mão de obra, mas o preparo (para atender),
a satisfação do consumidor, são muito importantes. Se a gente quiser oferecer
um bom atendimento, quiser oferecer um nível de serviço de maior excelência,
como empresários temos que cuidar disso para ter esse retorno", diz o diretor
da Univinco.
Negociado vale mais
que o legislado
Se em nível nacional
a nova portaria pode gerar perdas, na avaliação dos empresários, na Capital
paulista, onde há 500 mil trabalhadores do comércio em atividade, as regras do
domingo já estão "sacramentadas" pela convenção coletiva da categoria negociada
anualmente, segundo Ricardo Patah, presidente do Sindicato dos Comerciários de
São Paulo.
Só a questão dos
feriados é que precisava ser acertada, mas o sindicato também já se antecipou,
e estes foram negociados e inclusos na última convenção coletiva, que é
renovada todo mês de setembro. "Com base nas negociações feitas pela Reforma
Trabalhista de 2017, o negociado vale mais que o legislado, por isso, a partir
dessa nova regra do Ministério do Trabalho, tanto domingos como feriados vão
funcionar exclusivamente dessa forma", reforça ele, que também é presidente da
central sindical União Geral dos Trabalhadores (UGT).
Ele afirma que a
percepção é que muitos empresários não concordam que o movimento sindical faça
exigências para pedir benefícios aos trabalhadores, mas essa é uma forma de
trazer regras para quem quer abrir todos os dias. E não só no sentido de
proteger esse trabalhador, mas para evitar judicialização por ações
trabalhistas e custos inesperados para o lojista.
"A portaria fala em
13 feriados por ano só em São Paulo, então é preciso garantir que se receba o
dia trabalhado em dobro ou uma folga e o vale-refeição", diz. "O funcionário do
comércio é o que mais trabalha no Brasil, praticamente todo dia e nos feriados,
e o conquistado em negociação serve para diminuir os impactos em sua saúde e
pela ausência da sua família."
Fonte: Diário do Comércio, com edição do texto
pela M&M Assessoria Contábil