O artigo analisa a decisão do STF no Tema
816, que declarou inconstitucional a cobrança de ISS sobre a industrialização
por encomenda em etapas intermediárias do ciclo produtivo. O estudo destaca a
importância do respeito à competência tributária da União para a incidência do
IPI. A decisão reforça a segurança jurídica e a previsibilidade no ambiente de
negócios.
Introdução
A delimitação das competências tributárias
entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios representa um dos
pilares do pacto federativo brasileiro, sendo essencial para a manutenção da
ordem fiscal e da segurança jurídica. No contexto dessa divisão, a tributação
das atividades de industrialização por encomenda - especialmente quando
inseridas em etapas intermediárias do ciclo produtivo - tem sido objeto de
intensos debates, dado o entrelaçamento conceitual entre serviço e
industrialização.
Nesse cenário, o STF, ao julgar o RE
882.461/MG, reconheceu a inconstitucionalidade da incidência do ISS sobre
operações de industrialização por encomenda destinadas à comercialização ou à
industrialização. O julgamento, realizado sob a sistemática da repercussão
geral (Tema 816), firmou um precedente de grande relevância para a
interpretação do sistema tributário nacional, reafirmando a necessidade de
respeito às balizas constitucionais que regem a competência tributária de cada
ente federado.
O julgamento do Tema 816 pelo STF
O STF, ao julgar o RE 882.461/MG, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema 816), firmou importante entendimento
acerca da tributação das operações de industrialização por encomenda. Na ocasião,
por maioria de votos, a Corte decidiu pela inconstitucionalidade da incidência
do ISS - Imposto Sobre Serviços sobre atividades que consistem em
etapas intermediárias do ciclo produtivo de mercadorias destinadas à
comercialização ou à industrialização, por configurarem hipótese de tributação
pelo IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados, de competência da
União.
A controvérsia acerca da tributação das
etapas intermediárias do ciclo produtivo de mercadorias destinadas à
comercialização ou à industrialização foi instaurada a partir de uma ação
ajuizada por uma empresa estabelecida em Contagem (MG), cuja atividade
econômica era a requalificação de chapas de aço por encomenda. A empresa
sustentava que tais atividades deveriam ser consideradas como industrialização,
inseridas no processo produtivo de terceiros, o que afastaria a incidência do
ISS, previsto no subitem 14.05 da lista de serviços anexa à LC 116/03. O
município, por sua vez, defendia que as operações seriam classificadas como
prestação de serviços, atraindo, assim, a tributação municipal.
Em seu voto, o ministro Dias Toffoli,
relator do caso, destacou que a industrialização por encomenda, quando ocorrida
como parte do processo produtivo, não se caracteriza como prestação de serviço,
mas sim como operação típica de industrialização, cujo regime tributário está
constitucionalmente delimitado no art. 153, IV, da CF/88, que atribui à União a
competência para instituir o IPI.
Tal entendimento reafirma o compromisso da
Suprema Corte com o respeito aos limites constitucionais de competência
tributária entre os entes federativos, princípio estruturante do sistema
tributário brasileiro, previsto no art. 145 da Constituição da República, e
detalhado nos arts. 153 a 156.
Ainda nessa linha, a CF/88 estabelece que
compete aos municípios instituir impostos sobre serviços de qualquer natureza,
não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar (art. 156,
III). Por outro lado, compete à União instituir impostos sobre produtos
industrializados (art. 153, IV). Assim, a incidência do ISS sobre operações que
se caracterizam como industrialização por encomenda, inseridas no ciclo
produtivo, configura invasão da competência tributária da União.
O respeito à divisão de competências
tributárias é um dos pilares do pacto federativo, assegurando que a União, os
Estados, o Distrito Federal e os municípios exerçam seu poder de tributar de
maneira coordenada e dentro das balizas constitucionais.
A tentativa de tributar a industrialização
por encomenda por meio do ISS, quando essa atividade integra uma cadeia
produtiva e configura hipótese de incidência do IPI, representa não apenas uma
violação da legislação infraconstitucional, mas sobretudo uma afronta direta à
CF, que impede a sobreposição de competências.
No caso concreto do Tema 816, o STF não
apenas solucionou a controvérsia em favor do contribuinte, mas também reafirmou
a necessidade de observância estrita das normas constitucionais que delimitam o
espaço de atuação tributária de cada ente federado. Tal definição é fundamental
para assegurar previsibilidade ao ambiente de negócios e para garantir que
incentivos industriais e políticas fiscais regionais não sejam neutralizados
por atuações tributárias conflitantes.
Por fim, destaca-se que a decisão proferida
no âmbito do Tema 816 possui efeito vinculante para as demais instâncias do
Poder Judiciário e para a Administração Pública, devendo ser observada em casos
idênticos, o que contribui para a uniformização da jurisprudência e para a
estabilidade das relações jurídico-tributárias.
Conclusão
A decisão do STF no Tema 816 representa um
marco relevante para a segurança jurídica e para a estabilidade das relações
tributárias no Brasil, ao reafirmar a inconstitucionalidade da incidência do
ISS sobre atividades de industrialização por encomenda inseridas no processo
produtivo de terceiros. O entendimento da Corte reafirma a lógica
constitucional da distribuição de competências tributárias, assegurando que
cada ente federativo atue dentro dos limites estabelecidos pela CF/88.
Nesse sentido, podemos dizer que o
posicionamento contribui não apenas para a uniformização da jurisprudência, mas
também para a previsibilidade das relações comerciais e fiscais, evitando
conflitos entre as esferas municipal e Federal. Trata-se de uma vitória do
princípio federativo e do respeito à legalidade tributária, aspectos essenciais
para a preservação de um ambiente de negócios saudável e para a eficácia das
políticas públicas voltadas ao desenvolvimento industrial no país.
Autores:
-Alexsander
Matheus Bispo Xavier, Advogado com atuação voltada para Contecioso Estratégico
e Consultivo Tributário, Direito Constitucional e Direito Eleitoral. Bacharel
em Direito pelo UniCeub.
-Giovana
Sousa Ferreira, Advogada Tributarista. Bacharel em Direito pelo UniCeub.
Especialização em Direito Administrativo pela FGV. MBA em Gestão Tributária
pela USP. Ex-Conselheira Fiscal da International Association of Artificial
Intelligence (I2AI) - Biênio 2023/2024. Membro da Comissão de Assuntos Tributários
da OAB/DF.
-Gustavo
Borges de Melo, Advogado Tributarista. Bacharel em Direito pela UDF.
Especialização em Direito Civil e Processo Civil. Cursando MBA em Gestão
Tributária na USP
-Menndel
Assunção Oliver Macedo, Advogado Tributarista. Bacharel em Direito pelo
UniCeub. Especialização em Direito, Estado e Constituição pelo SuiJuris. MBA na
Massachusetts Institute of Business (MIB) Especialização em Contabilidade
Tributária no IBET. Diretor Jurídico da Câmara Brasil-Ásia (CBA). Cientista
Tributário da Federação Nacional das Operações Portuárias (FENOP).
Fonte:
https://www.migalhas.com.br/depeso/429275/inconstitucionalidade-da-incidencia-do-iss-sobre-ciclo-produtivo