A recente decisão
unânime da 3ª Turma do TRF-3, de relatoria da desembargadora Consuelo Yoshida
(apelação/remessa necessária 5003160-32.2024.4.03.6128), é uma corajosa lição
de sensatez e equilíbrio, que renova a esperança dos contribuintes em não
sofrerem o "calote do século" que se avizinhava após a incompreensível
reviravolta do entendimento do STJ quanto à prescrição tributária nos casos em
que o contribuinte tem seu indébito solvido pela via da compensação (REsp nº
2178201/RJ).
a) O prazo do artigo
168 do CTN é para início da compensação
Há pelo menos 10
anos a jurisprudência dos tribunais brasileiros consolidou-se no sentido de que
o prazo prescricional previsto no artigo 168 do CTN diz respeito ao momento em
que o contribuinte deverá dar início à execução do julgado que condenou o ente
público a ressarcir o indébito tributário, sendo indiferente que esse
ressarcimento se faça pela via ordinária do precatório ou se exerça pela via da
compensação (AgRg no REsp nº 1.469.926/PR, REsp nº 1.480.602/PR e REsp nº
1.469.954/PR).
A quaestio
iuris está lapidarmente formulada, em incontáveis julgados, nos seguintes
termos:
"A orientação
jurisprudencial do c. Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que o prazo
de 5 (cinco) anos, a que se refere o caput do artigo 168 do Código Tributário
Nacional, é para pleitear a compensação, e não para realizá-la integralmente"
(TRF3, 3ª T, Ap. Cív. 5022732-92.2023.4.03.6100)
E nem poderia ser de
outra forma, já que não seria isonômico dar prazos diferenciados a credores do
mesmo indébito fiscal apenas em razão de a forma de sua devolução realizar-se
pela via do precatório ou mediante a extinção de obrigações tributárias vincendas,
por compensação.
Como se sabe, o
artigo 170 do CTN confere ao legislador ordinário a prerrogativa de estabelecer
condições e estipular garantias para a compensação tributária.
Recordo-me vivamente
que foi a Lei nº 8.383, de 1991, em seu artigo 66, que veio, pela primeira vez,
prever a possibilidade da compensação de créditos decorrentes de pagamento
indevido ou a maior de tributos e contribuições federais, estabelecendo, em seu
§1º, que "a compensação só poderá ser efetuada entre tributos e contribuições
da mesma espécie".
A evolução
legislativa da compensação foi no sentido de cada vez mais ampliar seu
espectro, facilitando o exercício pelos contribuintes, especialmente depois da
unificação do INSS com a Receita Federal, e a criação da RFB. Houve, inequivocamente,
um incentivo da fazenda federal para os contribuintes habilitarem à compensação
seus créditos decorrentes de decisões condenatórias em processos judiciais
transitados em julgado.
Aí veio a decisão do
STF na dita Tese do Século, onde se reconheceu a inconstitucionalidade da
incidência do PIS e da Cofins sobre as parcelas do faturamento das empresas
correspondente ao ICMS. A magnitude desse indébito tributário trouxe
gravíssimas consequências para os contribuintes: derrotas sistemáticas em disputas
tributárias [1] e, agora, a iminência de
sofrerem o "calote do século".
b) O artigo 106 da
IN 2.055/2021
Tudo isso por conta
de uma intepretação tortuosa e descontextualizada de um ato administrativo - a
IN RFB 2.055/2021 -, que em seu artigo 106 estabelece um prazo de cinco anos,
contado da data do trânsito em julgado da decisão ou da homologação da
desistência da execução do título judicial, para apresentação da declaração de
compensação, prazo esse que fica suspenso no período compreendido entre a data
da protocolização do pedido de habilitação do crédito decorrente da ação
judicial e a data da ciência do seu deferimento.
Uma interpretação
sistemática e contextualizada da norma administrativa somente pode levar à
conclusão de que ela está em perfeita sintonia com o artigo 168 do CTN, que dá
ao contribuinte um prazo de cinco anos para pleitear a restituição do indébito.
Querer interpretar o artigo 106 da dita IN como estabelecendo um prazo para
esgotar a compensação em cinco anos, se nos afigura uma descabida e inconstitucional
autorização para o enriquecimento sem causa do Estado, que ficaria livre de
restituir o que indevidamente arrecadou, livre para, no dito popular, dar o
"calote" nos contribuintes.
Não é concebível
tratar de forma diferenciada, recusando a restituição plena, os contribuintes
que têm tributos a pagar, no prazo de cinco anos contados da habilitação, em
montante suficiente para abarcar todo o indébito executado daqueles que assim
não os têm.
Nem se diga, como se
insinua em algumas decisões, que os contribuintes teriam realizado uma opção
consciente ao elegerem a compensação como modalidade de recuperação do indébito
e que saberiam que levariam o calote caso não esgotassem os créditos em cinco
anos.
Ora, não há qualquer
lei que diga isso! Nem mesmo o artigo 106 da IN 2.055/2021 isso o diz e, como
já se viu, a orientação jurisprudencial sempre foi firme no sentido de que o
prazo de cinco anos é para iniciar a compensação e não para esgotá-la. Com base
nesse entendimento comportamentos foram adotados e, agora, sem qualquer pudor,
pretende-se trair a confiança legítima do cidadão? Por essas e outras que a
percepção de insegurança jurídica quanto à consistência das decisões judiciais
no Brasil chega a patamares de acachapantes 86% [2].
c) O artigo 74-A da
Lei n.º 9.430/96
Acresce que a nova
disciplina da compensação introduzida pelo artigo 74-A da Lei nº 9.430/96,
visando, justamente, limitar quantitativamente os montantes compensáveis, e,
com isso, alongar, no tempo, a devolução dos indébitos pelo Executivo federal,
só vem a confirmar a inexistência de prazo para esgotamento dos créditos
compensáveis.
Essa circunstância
foi não passou despercebida pelo voto da desembargadora Consuelo Yoshida, que
assim desvelou a inconsistência da tese fazendária:
"A leitura do caput
do art. 106 da IN SRF permite inferir que ele se refere, em específico, a
hipóteses em que apenas uma declaração de compensação é apresentada, não sendo
suficiente para pacificar o entendimento a ser seguido nas situações em que o
contribuinte necessita apresentar declarações subsequentes até que reste
esgotado o seu direito creditório.
A questão, no entanto, comporta solução pela exegese de dispositivo legal
acrescentado à Lei 9.430/1996 pela Medida Provisória 1.202/2023, convertida na
Lei 14.873/2024. Trata-se do art. 74-A, § 2º, o qual estabelece que, com
relação à compensação de crédito decorrente de decisão judicial transitada em
julgado, a primeira declaração de compensação deverá ser apresentada no prazo
de até 5 (cinco) anos, contado da data do trânsito em julgado da decisão ou da
homologação da desistência da execução do título judicial:
Art. 74-A. A compensação de crédito decorrente de decisão judicial transitada
em julgado observará o limite mensal estabelecido em ato do Ministro de Estado
da Fazenda. (Redação dada pela Lei nº 14.873, de 2024)
[.]
§ 2º. Para fins do disposto neste artigo, a primeira declaração de compensação
deverá ser apresentada no prazo de até 5 (cinco) anos, contado da data do
trânsito em julgado da decisão ou da homologação da desistência da execução do
título judicial. (Redação dada pela Lei nº 14.873, de 2024)
É possível concluir, da leitura do dispositivo legal em apreço, que o prazo
prescricional deverá ser observado apenas com relação à primeira declaração de
compensação, máxime ao se considerar que inexiste previsão legal de que as
declarações subsequentes não possam ser apresentadas após esse prazo.
Embora o inciso III do art. 74-A da Lei 9.430/1996 preceitue que o limite
mensal referido no caput não poderá ser estabelecido para crédito decorrente de
decisão judicial transitada em julgado cujo valor total seja inferior a R$
10.000.000,00 (dez milhões de reais), por medida de isonomia e razoabilidade o
disposto no § 2º deve ser aplicado também para as situações em que o valor a
ser compensado é menor."
Essa limitação
quantitativa do montante a compensar guarda certa analogia com a chamada
"trava" de 30% aplicável à compensação de prejuízos fiscais. Recorde-se que
quando o limite de redução do lucro do exercício pela compensação de prejuízos
de exercícios anteriores foi criado, pretendeu-se cumulá-lo com o prazo de
quatro anos que vigorava na legislação anterior. A pretensão de arrecadação
mínima atingida com a fixação da "trava" pela Lei 8.981, de 20 de janeiro de
1995, para ser constitucionalmente admissível, pressupunha a extinção do prazo
decadencial de utilização, o que foi feito posteriormente pela Lei 9.065, de 20
de junho de 1995 [3].
Conclusões
Pode-se, pois,
concluir que a orientação dos tribunais sempre foi no sentido de que há prazo -
e isso é o normal no direito - para iniciar a execução, mas assim não há para
esgotar a compensação, eis que essa pressupõe a existência de débitos de
tributos compensáveis, e esses montantes podem ser inferiores ao indébito, ou
mesmo, agora, sob a nova disciplina limitativa do artigo 74-A da Lei nº
9.430/96, ainda que superiores, "travados" pela limitação mensal fixada pelo
ministro da Fazenda.
Assim, não é
razoável, nem isonômico, querer transformar da noite para o dia, credores de
uma repetição de indébito em devedores de tributos compensados para além dos
cinco anos do trânsito em julgado.
Como bem apontado
pela desembargadora Consuelo Yoshida, o precedente contrário da 2ª Turma do
STJ, além de não ser de obrigatória observância, não considerou a inovação
legislativa (artigo 74-A da Lei nº 9.430/96), que é expressa em fixar prazo
prescricional apenas para primeira declaração de compensação.
E, como
brilhantemente concluiu seu voto, a solução mais adequada ao caso concreto, que
representa medida de isonomia e razoabilidade, é considerar que, "(.)
apresentada a primeira declaração de compensação dentro do lustro prescricional
explicitado acima, podem as eventuais declarações subsequentes serem
apresentadas posteriormente, até que ocorra o exaurimento de crédito
reconhecido na respectiva decisão judicial transitada em julgado".
Espera-se que o
Judiciário siga decidindo [4] forte no
magistério de isonomia e razoabilidade da desembargadora Consuelo Yoshida,
retome à orientação tradicional e, assim, impeça o "calote do século".
[1] Aqui
[2] Fonte:
Insejur/Insper
[3] "Conforme
abordamos inicialmente, as Leis nº 8.981/1995 e nº 9.065/1996 inauguraram um
regime jurídico não previsto até então no ordenamento jurídico pátrio. Os
regimes pretéritos à instituição da limitação percentual contavam tão somente
com o prazo decadencial, sem qualquer tipo de limite percentual de
aproveitamento de prejuízos fiscais. A possibilidade de compensação era
integral, limitada tão somente ao prazo decadencial. A imposição da limitação
consistiria em uma verdadeira contrapartida da liberação do prazo decadencial.
Ocorre que, em razão
da inovação advinda com as Leis nº 8.981/1995 e nº 9.065/1996, o legislador
tributário, visando a manutenção de um fluxo de arrecadação mínima, instituiu a
limitação percentual com a retirada do prazo decadencial previsto nos regimes
anteriores.
Em uma análise da
Exposição de Motivos da Medida Provisória n. 998/1995, é de imediata percepção
que a intenção do legislador jamais foi tolher o direito à compensação dos
prejuízos fiscais. A leitura conjugada da imposição da limitação percentual,
aliada ao fato da retirada do histórico prazo decadencial para o exercício da
compensação integral, não leva a outra conclusão que não seja a adoção da
premissa da continuidade da pessoa jurídica como requisito para aplicação da
limitação interperiódica percentual para compensação de prejuízos fiscais."
(Lucas Celso Ruschel, aqui)
[4] Cfr.
Apelação Cível 5036220-95.2024.4.04.7200/SC (1ª T TRF 4, Rel. Des. Fed. Marcelo
de Nardi).
Autor: Roberto Duque Estrada, é sócio-fundador do
Brigagão, Duque Estrada Advogados.