Algumas das maiores controvérsias
jurídico-tributárias dizem respeito à não cumulatividade da Contribuição ao PIS
e da Cofins, uma das grandes "vilãs" desse cenário de insegurança jurídica que
resulta no grande número de processos administrativos e judiciais no Brasil.
Embora o regime não cumulativo tenha sido
concebido para evitar a tributação em cascata, sua aplicação prática tem gerado
intensos debates, especialmente quanto à definição do conceito de "insumo" e
quanto à possibilidade de aproveitamento de créditos em operações específicas.
A complexidade se acentua diante das
sucessivas alterações legislativas e da jurisprudência oscilante sobre o tema.
A pretexto de dar uma solução definitiva no
que diz respeito à não cumulatividade do PIS e da Cofins, o Superior Tribunal
de Justiça afetou e julgou, em sede de recurso repetitivo, o icônico Tema nº
779 (REsp nº 1.221.170/PR), o qual, entretanto apenas fixou uma diretriz geral
sobre o conceito de insumos para fins de creditamento do PIS e da Cofins, não
esgotando todas as nuances do regime não cumulativo de apuração das referidas
contribuições.
O STF, por sua vez, em sede de repercussão
geral, julgou o Tema 756 (Recurso Extraordinário 841.979), que tratou do alcance
da não cumulatividade das Leis 10.637/02 e 10.833/03, tendo em vista a previsão
constitucional do artigo 195 § 12, da Constituição. Nessa decisão foi
consignado que a sistemática da não-cumulatividade do PIS e da Cofins previstas
nos citados comandos legais é constitucional, sendo a extensão do conceito de
insumo uma matéria infraconstitucional, reforçando que a competência para
disciplinar a não cumulatividade e o conceito de insumos é do legislador
ordinário, desde que respeitados os princípios da razoabilidade, da isonomia,
da livre concorrência e da proteção à confiança.
Esses debates são ainda mais acentuados
pelo fato de que a não cumulatividade do PIS e da Cofins difere
substancialmente daquela tradicionalmente adotada no Brasil para tributos como
o ICMS e o IPI. Enquanto nestes prevalece a lógica de "imposto contra imposto"
- em que o valor do tributo pago na etapa anterior é compensado com o devido na
etapa seguinte -, nas contribuições sociais vigora a metodologia de "base
contra base".
Isso significa que, se a base de cálculo da
saída é a receita auferida, a base da entrada, para fins de apuração dos
créditos, deve ser o gasto incorrido, o que, ao menos em tese, não dependeria
da incidência (ou não) de tributo sobre a aquisição.
Essa distinção metodológica tem implicações
relevantes na análise da possibilidade de apropriação de créditos em aquisições
sujeitas à alíquota zero, sobretudo quando a saída subsequente está onerada
pela incidência das contribuições. Nesta hipótese, negar o direito ao crédito
compromete a coerência do regime não cumulativo, contrariando os princípios da
neutralidade e da capacidade contributiva que orientam o sistema.
Tributação indireta
A discussão ganha relevância prática em
setores que adquirem insumos sujeitos à alíquota zero, mas comercializam
produtos ou serviços tributados, o que ocorre, por exemplo, em alguns setores
verticalizados no segmento do agronegócio.
A negativa de crédito nessas situações pode
representar uma tributação indireta sobre etapas anteriores da cadeia, onerando
o produto final, usualmente essencial à sociedade (vide alimentos, combustíveis
etc.). Assim, o reconhecimento do direito ao crédito, mesmo nas aquisições com
alíquota zero, revela-se essencial para preservar a integridade do regime e
evitar distorções econômicas.
Como é possível notar no artigo 3º, §2º,
II, da Lei nº 10.637/2002 (com idêntica redação na Lei nº 10.833/2003), o
aproveitamento de créditos apenas é vedado na hipótese de "aquisição de bens ou
serviços não sujeitos ao pagamento da contribuição, inclusive no caso de
isenção, esse último quando revendidos ou utilizados como insumo em produtos ou
serviços sujeitos à alíquota 0 (zero), isentos ou não alcançados pela contribuição".
Ou seja, apenas é vedada a apropriação de
créditos com relação a insumos isentos, exclusivamente quando estes sejam
utilizados em produtos ou serviços cuja saída subsequente seja sujeita à
alíquota 0 (zero), isenta ou não alcançada pela contribuição.
Portanto, a contrario sensu, na hipótese em
que os insumos (mesmo aqueles cujas aquisições foram exoneradas) sejam
utilizados para uma posterior saída tributada, permite-se a tomada de créditos.
Jurisprudência
Nesse sentido, o STJ já reconheceu, no julgamento
do REsp 1.259.343/AM, que "a vedação à apropriação de créditos da Contribuição
para o PIS/Pasep e da Cofins de que trata o art. 3º, § 2º, "II", das Leis nº
10.637, de 2002, e da Lei nº 10.833, de 2003, em caso de aquisição de bens e
serviços não sujeitos ao pagamento dessas contribuições, não se aplica às
situações em que estes sejam adquiridos com isenção e, posteriormente, sejam
utilizados como insumos na elaboração de produtos ou na prestação de serviços a
serem vendidos em operações sujeitas ao pagamento desses tributos.[.]".
Essa é, inclusive, a interpretação da
própria Receita Federal que, por meio da Solução de Consulta Cosit 227/2017,
possui entendimento favorável à apropriação de créditos relativos às aquisições
de bens e serviços isentos da contribuição ao PIS e da Cofins, entretanto,
acaba entendendo que o mesmo não se verifica com relação às aquisições sujeitas
à alíquota zero, cujo creditamento seria vedado de acordo com a sua
interpretação do artigo 3º, §2º, II, da Lei nº 10.637/2002 (com idêntica
redação na Lei nº 10.833/2003).
Segundo a interpretação da referida solução
de consulta, o legislador apenas teria excetuado da vedação (e permitido a
tomada de créditos) as aquisições isentas de insumos cuja saída subsequente
seja tributada, entendendo que a expressão "esse último" contida no enunciado
normativo apenas se refere às operações isentas, razão pela qual estaria vedado
o creditamento referente às aquisições sujeitas a alíquota zero.
Isto é, a única controvérsia remanescente
diz respeito às aquisições sujeitas à alíquota zero, as quais, para a Receita
Federal, não geram direito à apropriação de créditos, tendo em vista que,
supostamente, alíquota zero e isenção seriam institutos diferentes
Em outras palavras, o cerne da argumentação
jurídica favorável à apropriação dos créditos diz respeito ao fato de que um
bem adquirido com alíquota zero é um bem isento de tributação, motivo pelo qual
a vedação prevista no artigo 3º, §2º, II, das Leis nos 10.637/2002 e
10.833/2003 não pode alcançar as aquisições sujeitas a isenção (conforme
entendimento da própria Receita Federal), como também não pode alcançar as
aquisições sujeitas à alíquota zero, desde que, em ambos os casos, a respectiva
saída seja tributada.
Convergência
Sobre o tema, a doutrina e a jurisprudência
convergem para o entendimento de que a alíquota zero é espécie de isenção, eis
que, embora haja atribuição de competência para tributação pelo ente competente
(havendo previsão abstrata de incidência), há mutilação de um dos aspectos da
regra matriz de incidência tributária (no caso, o aspecto quantitativo, mais
precisamente a alíquota).
Para sintetizar o entendimento doutrinário
a respeito do tema, o professor Heleno Torres [1], já se posicionou no sentido
de que "A utilização do termo 'alíquota a zero' não é relevante para a
qualificação de natureza jurídica diversa da 'isenção', que em nada podem
diferir da tutela da segurança jurídica, qual seja, aquele do artigo 178 do
CTN, da Súmula 544 do STF, bem como da firme jurisprudência do STF dos RE
353.446, 353.668 e 357.277, no qual o Supremo Tribunal Federal equiparou os
institutos de isenção e alíquota zero. E mesmo quando se deu a mudança de
jurisprudência pelo STF quanto ao direito ao crédito de IPI, manteve-se o mesmo
entendimento: isenção e alíquota zero são institutos equiparados. Nesse sentido
são os acórdãos do RE 353.657-PR, RE 398.365 - RG-RS e RE 370.682-SC".
O saudoso professor Paulo de Barros
Carvalho [2] é enfático ao afirmar que "A alíquota zero, como já tive a
oportunidade de expressar, é caso típico de isenção. Trata-se de forma
inibitória da operatividade funcional da regra matriz, de tal maneira que seus
peculiares efeitos não se irradiam, justamente porque a relação obrigacional
não se poderá instalar à mingua de objeto".
Entendimentos do Supremo Tribunal
Federal e do STJ
Além disso, o STF já se posicionou pela
equiparação dos institutos, concluindo que "se o contribuinte do IPI pode
creditar o valor dos insumos adquiridos sob o regime de isenção, inexiste razão
para deixar de reconhecer-lhe o mesmo direito na aquisição de insumos
favorecidos pela alíquota zero, pois nada extrema, na prática, as referidas
figuras desonerativas, notadamente quando se trata de aplicar o princípio da
não-cumulatividade" (RE 350.446, relator(a): ministro Nelson Jobim, Tribunal
Pleno, julgado em 18/12/2002, DJ 06-06-2003).
Na mesma linha, o Superior Tribunal de
Justiça já entendeu que a revogação antecipada da alíquota zero da Contribuição
ao PIS e da Cofins trazida pela chamada "Lei do Bem" viola o artigo 178 do
Código Tributário Nacional, dispositivo este que trata da isenção! Com efeito,
no julgamento do REsp 1725452/RS, o STJ deixou claro que "como a alíquota zero
significa, do ponto de vista das finanças do contribuinte, ausência perfeita e
efetiva de tributo, será uma voraz impropriedade dizer que a sua implantação
possa importar em resultado diferente da isenção".
Isso quer dizer que o Superior Tribunal de
Justiça inibiu a revogação de uma alíquota zero concedida por lei utilizando-se
como fundamento para tanto o artigo 178 do Código Tributário Nacional, que
trata expressamente da isenção.
E, como se nota do acórdão daquele caso, o
STJ assim o fez por entender, a partir da jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, "que a redução de qualquer alíquota a zero significa o mesmo que
conceder uma isenção tributária".
Considerações finais
Nos parece, portanto, dada a metodologia da
não cumulatividade adotada para a contribuição ao PIS e para a Cofins (base
contra base), seria uma impropriedade vedar o aproveitamento de créditos de PIS
e Cofins com relação às aquisições sujeitas a alíquota zero (desde que as
saídas subsequentes sejam tributadas), ainda mais considerando que a previsão legal
contida no artigo 3º, §2º, II, da Lei nº 10.637/2002 (com idêntica redação na
Lei nº 10.833/2003) e o entendimento da própria Receita Federal de que é
permitida a tomada dos créditos com relação às aquisições isentas, afinal,
alíquota zero é espécie de isenção, conforme jurisprudência dos tribunais
superiores.
[1] Torres, Heleno. Isenção e alíquota zero
têm idêntica proteção contra mudanças legislativas.
[2] Paulo de Barros Carvalho, in Isenções
Tributárias do IPI, em Face do Princípio da Não-cumulatividade. Revista
Dialética de Direito Tributário nº 33, pág. 165/166.
Autores:
Ailson Freire. É advogado tributarista, sócio do escritório Reis, Varrichio e
Carrer Sociedade de Advogados, especialista em contencioso tributário.
Ricardo
Varrichio. É sócio do RVC Advogados.