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Apropriação de créditos decorrentes de aquisições sujeitas à alíquota zero de insumos


Publicada em 12/09/2025 às 09:00h 

Algumas das maiores controvérsias jurídico-tributárias dizem respeito à não cumulatividade da Contribuição ao PIS e da Cofins, uma das grandes "vilãs" desse cenário de insegurança jurídica que resulta no grande número de processos administrativos e judiciais no Brasil.

Embora o regime não cumulativo tenha sido concebido para evitar a tributação em cascata, sua aplicação prática tem gerado intensos debates, especialmente quanto à definição do conceito de "insumo" e quanto à possibilidade de aproveitamento de créditos em operações específicas.

A complexidade se acentua diante das sucessivas alterações legislativas e da jurisprudência oscilante sobre o tema.

A pretexto de dar uma solução definitiva no que diz respeito à não cumulatividade do PIS e da Cofins, o Superior Tribunal de Justiça afetou e julgou, em sede de recurso repetitivo, o icônico Tema nº 779 (REsp nº 1.221.170/PR), o qual, entretanto apenas fixou uma diretriz geral sobre o conceito de insumos para fins de creditamento do PIS e da Cofins, não esgotando todas as nuances do regime não cumulativo de apuração das referidas contribuições.

O STF, por sua vez, em sede de repercussão geral, julgou o Tema 756 (Recurso Extraordinário 841.979), que tratou do alcance da não cumulatividade das Leis 10.637/02 e 10.833/03, tendo em vista a previsão constitucional do artigo 195 § 12, da Constituição. Nessa decisão foi consignado que a sistemática da não-cumulatividade do PIS e da Cofins previstas nos citados comandos legais é constitucional, sendo a extensão do conceito de insumo uma matéria infraconstitucional, reforçando que a competência para disciplinar a não cumulatividade e o conceito de insumos é do legislador ordinário, desde que respeitados os princípios da razoabilidade, da isonomia, da livre concorrência e da proteção à confiança.

Esses debates são ainda mais acentuados pelo fato de que a não cumulatividade do PIS e da Cofins difere substancialmente daquela tradicionalmente adotada no Brasil para tributos como o ICMS e o IPI. Enquanto nestes prevalece a lógica de "imposto contra imposto" - em que o valor do tributo pago na etapa anterior é compensado com o devido na etapa seguinte -, nas contribuições sociais vigora a metodologia de "base contra base".

Isso significa que, se a base de cálculo da saída é a receita auferida, a base da entrada, para fins de apuração dos créditos, deve ser o gasto incorrido, o que, ao menos em tese, não dependeria da incidência (ou não) de tributo sobre a aquisição.

Essa distinção metodológica tem implicações relevantes na análise da possibilidade de apropriação de créditos em aquisições sujeitas à alíquota zero, sobretudo quando a saída subsequente está onerada pela incidência das contribuições. Nesta hipótese, negar o direito ao crédito compromete a coerência do regime não cumulativo, contrariando os princípios da neutralidade e da capacidade contributiva que orientam o sistema.

Tributação indireta

A discussão ganha relevância prática em setores que adquirem insumos sujeitos à alíquota zero, mas comercializam produtos ou serviços tributados, o que ocorre, por exemplo, em alguns setores verticalizados no segmento do agronegócio.

A negativa de crédito nessas situações pode representar uma tributação indireta sobre etapas anteriores da cadeia, onerando o produto final, usualmente essencial à sociedade (vide alimentos, combustíveis etc.). Assim, o reconhecimento do direito ao crédito, mesmo nas aquisições com alíquota zero, revela-se essencial para preservar a integridade do regime e evitar distorções econômicas.

Como é possível notar no artigo 3º, §2º, II, da Lei nº 10.637/2002 (com idêntica redação na Lei nº 10.833/2003), o aproveitamento de créditos apenas é vedado na hipótese de "aquisição de bens ou serviços não sujeitos ao pagamento da contribuição, inclusive no caso de isenção, esse último quando revendidos ou utilizados como insumo em produtos ou serviços sujeitos à alíquota 0 (zero), isentos ou não alcançados pela contribuição".

Ou seja, apenas é vedada a apropriação de créditos com relação a insumos isentos, exclusivamente quando estes sejam utilizados em produtos ou serviços cuja saída subsequente seja sujeita à alíquota 0 (zero), isenta ou não alcançada pela contribuição.

Portanto, a contrario sensu, na hipótese em que os insumos (mesmo aqueles cujas aquisições foram exoneradas) sejam utilizados para uma posterior saída tributada, permite-se a tomada de créditos.

Jurisprudência

Nesse sentido, o STJ já reconheceu, no julgamento do REsp 1.259.343/AM, que "a vedação à apropriação de créditos da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins de que trata o art. 3º, § 2º, "II", das Leis nº 10.637, de 2002, e da Lei nº 10.833, de 2003, em caso de aquisição de bens e serviços não sujeitos ao pagamento dessas contribuições, não se aplica às situações em que estes sejam adquiridos com isenção e, posteriormente, sejam utilizados como insumos na elaboração de produtos ou na prestação de serviços a serem vendidos em operações sujeitas ao pagamento desses tributos.[.]".

Essa é, inclusive, a interpretação da própria Receita Federal que, por meio da Solução de Consulta Cosit 227/2017, possui entendimento favorável à apropriação de créditos relativos às aquisições de bens e serviços isentos da contribuição ao PIS e da Cofins, entretanto, acaba entendendo que o mesmo não se verifica com relação às aquisições sujeitas à alíquota zero, cujo creditamento seria vedado de acordo com a sua interpretação do artigo 3º, §2º, II, da Lei nº 10.637/2002 (com idêntica redação na Lei nº 10.833/2003).

Segundo a interpretação da referida solução de consulta, o legislador apenas teria excetuado da vedação (e permitido a tomada de créditos) as aquisições isentas de insumos cuja saída subsequente seja tributada, entendendo que a expressão "esse último" contida no enunciado normativo apenas se refere às operações isentas, razão pela qual estaria vedado o creditamento referente às aquisições sujeitas a alíquota zero.

Isto é, a única controvérsia remanescente diz respeito às aquisições sujeitas à alíquota zero, as quais, para a Receita Federal, não geram direito à apropriação de créditos, tendo em vista que, supostamente, alíquota zero e isenção seriam institutos diferentes

Em outras palavras, o cerne da argumentação jurídica favorável à apropriação dos créditos diz respeito ao fato de que um bem adquirido com alíquota zero é um bem isento de tributação, motivo pelo qual a vedação prevista no artigo 3º, §2º, II, das Leis nos 10.637/2002 e 10.833/2003 não pode alcançar as aquisições sujeitas a isenção (conforme entendimento da própria Receita Federal), como também não pode alcançar as aquisições sujeitas à alíquota zero, desde que, em ambos os casos, a respectiva saída seja tributada.

Convergência

Sobre o tema, a doutrina e a jurisprudência convergem para o entendimento de que a alíquota zero é espécie de isenção, eis que, embora haja atribuição de competência para tributação pelo ente competente (havendo previsão abstrata de incidência), há mutilação de um dos aspectos da regra matriz de incidência tributária (no caso, o aspecto quantitativo, mais precisamente a alíquota).

Para sintetizar o entendimento doutrinário a respeito do tema, o professor Heleno Torres [1], já se posicionou no sentido de que "A utilização do termo 'alíquota a zero' não é relevante para a qualificação de natureza jurídica diversa da 'isenção', que em nada podem diferir da tutela da segurança jurídica, qual seja, aquele do artigo 178 do CTN, da Súmula 544 do STF, bem como da firme jurisprudência do STF dos RE 353.446, 353.668 e 357.277, no qual o Supremo Tribunal Federal equiparou os institutos de isenção e alíquota zero. E mesmo quando se deu a mudança de jurisprudência pelo STF quanto ao direito ao crédito de IPI, manteve-se o mesmo entendimento: isenção e alíquota zero são institutos equiparados. Nesse sentido são os acórdãos do RE 353.657-PR, RE 398.365 - RG-RS e RE 370.682-SC".

O saudoso professor Paulo de Barros Carvalho [2] é enfático ao afirmar que "A alíquota zero, como já tive a oportunidade de expressar, é caso típico de isenção. Trata-se de forma inibitória da operatividade funcional da regra matriz, de tal maneira que seus peculiares efeitos não se irradiam, justamente porque a relação obrigacional não se poderá instalar à mingua de objeto".

Entendimentos do Supremo Tribunal Federal e do STJ

Além disso, o STF já se posicionou pela equiparação dos institutos, concluindo que "se o contribuinte do IPI pode creditar o valor dos insumos adquiridos sob o regime de isenção, inexiste razão para deixar de reconhecer-lhe o mesmo direito na aquisição de insumos favorecidos pela alíquota zero, pois nada extrema, na prática, as referidas figuras desonerativas, notadamente quando se trata de aplicar o princípio da não-cumulatividade" (RE 350.446, relator(a): ministro Nelson Jobim, Tribunal Pleno, julgado em 18/12/2002, DJ 06-06-2003).

Na mesma linha, o Superior Tribunal de Justiça já entendeu que a revogação antecipada da alíquota zero da Contribuição ao PIS e da Cofins trazida pela chamada "Lei do Bem" viola o artigo 178 do Código Tributário Nacional, dispositivo este que trata da isenção! Com efeito, no julgamento do REsp 1725452/RS, o STJ deixou claro que "como a alíquota zero significa, do ponto de vista das finanças do contribuinte, ausência perfeita e efetiva de tributo, será uma voraz impropriedade dizer que a sua implantação possa importar em resultado diferente da isenção".

Isso quer dizer que o Superior Tribunal de Justiça inibiu a revogação de uma alíquota zero concedida por lei utilizando-se como fundamento para tanto o artigo 178 do Código Tributário Nacional, que trata expressamente da isenção.

E, como se nota do acórdão daquele caso, o STJ assim o fez por entender, a partir da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, "que a redução de qualquer alíquota a zero significa o mesmo que conceder uma isenção tributária".

Considerações finais

Nos parece, portanto, dada a metodologia da não cumulatividade adotada para a contribuição ao PIS e para a Cofins (base contra base), seria uma impropriedade vedar o aproveitamento de créditos de PIS e Cofins com relação às aquisições sujeitas a alíquota zero (desde que as saídas subsequentes sejam tributadas), ainda mais considerando que a previsão legal contida no artigo 3º, §2º, II, da Lei nº 10.637/2002 (com idêntica redação na Lei nº 10.833/2003) e o entendimento da própria Receita Federal de que é permitida a tomada dos créditos com relação às aquisições isentas, afinal, alíquota zero é espécie de isenção, conforme jurisprudência dos tribunais superiores.

[1] Torres, Heleno. Isenção e alíquota zero têm idêntica proteção contra mudanças legislativas.

[2] Paulo de Barros Carvalho, in Isenções Tributárias do IPI, em Face do Princípio da Não-cumulatividade. Revista Dialética de Direito Tributário nº 33, pág. 165/166.

Autores:


Ailson Freire. É advogado tributarista, sócio do escritório Reis, Varrichio e Carrer Sociedade de Advogados, especialista em contencioso tributário.

Ricardo Varrichio. É  sócio do RVC Advogados.








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