Mercado tem observado movimentos das gigantes do setor
que estão de olho no comportamento do consumidor brasileiro
O setor de delivery
tem se movimentado no Brasil tão rapidamente quanto a moto que entrega pizza em
domicílio. O mercado registra um crescimento acelerado de mais de 30% ao ano
desde 2019, e a tendência é continuar assim, avançando sem semáforos vermelhos
pelo caminho. Um estudo da Statista, analisado pela assessoria financeira
independente Ártica, mostra que o fluxo do setor pode chegar a até R$ 28
bilhões em volume bruto de mercadorias em 2029.
Trata-se de um nicho
efervescente que tem atraído a atenção das gigantes no quesito aplicativos de
entrega - entre elas a chinesa Keeta, que viu sinal verde e anunciou
recentemente investimento de R$ 5,6 bilhões no Brasil.
Elas perceberam que
esses números são consequência da adesão dos brasileiros a esse tipo de serviço
e sabem que o país é um solo fértil para investir. Aliás, desde a pandemia, o
setor de delivery tem sido impulsionado pelo consumidor que passou a valorizar
o "ficar em casa" e investiu muito no próprio lar, trocando, muitas vezes, a
saída para a rua por um "rolê" mais caseiro, pedindo a comida e a bebida pelo
aplicativo.
Além disso, os
estabelecimentos aderiram em massa ao serviço de delivery. Segundo pesquisa da
Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), sete a cada dez
estabelecimentos fazem entregas - desses, 78% recorrem a aplicativos como o
iFood.
O economista Roberto
Kanter, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), lembra que o brasileiro
passou a valorizar também o conforto - ponto em que o delivery se encaixa muito
bem, abarcando outros tipos de serviços, como farmácia e supermercado.
Além disso, parece
haver hoje uma abertura maior para as facilidades oferecidas pela tecnologia.
"O brasileiro é consumista, né? E tudo ficou muito prático. A gente consome no
cartão, no débito, no Pix. Os meios de pagamento também são muito ágeis em
relação a oferecer esse tipo de conveniência.", diz.
iFood tem papel
importante nesse movimento
Mas essa
receptividade do consumidor não é o único ponto que tem provocado maior
investimento dos aplicativos de entrega. O mercado também se tornou mais
competitivo e vantajoso desde 2023, quando a gigante iFood assinou um acordo
com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), limitando os
contratos de exclusividade entre o app e os restaurantes.
Basicamente, o
acordo muda os critérios de duração desses contratos e de tamanho das redes de
alimentação. O objetivo, segundo o próprio iFood, é garantir a abertura do
mercado de delivery e deixar o campo livre para a competição no país.
Lançado em 2011, o
iFood morde atualmente uma fatia de mais de 80% desse mercado. Sua forte
presença chegou a levar a Uber Eats, por exemplo, a sair do Brasil em 2022,
após oito anos de operação em solo brasileiro. Na época, a própria empresa
atribuiu sua saída ao domínio da concorrente e aos contratos de exclusividade.
Neste ano, porém, o
próprio iFood e a Uber anunciaram uma parceria para integrar os serviços
entre as plataformas. Uma solução que vai permitir aos usuários do iFood
solicitar viagens de carro e moto diretamente pelo app de delivery, enquanto
usuários da Uber terão acesso aos serviços de entrega de comidas, mercados,
farmácia e conveniência dentro do aplicativo de corridas.
Aliás, o iFood tem
feito várias parcerias para expandir ainda mais sua operação. Em setembro, ao
lado da Mottu, a empresa passa a oferecer um programa de aluguel de motos para
os motoboys cadastrados nas plataformas, com vantagens como desconto de 20% em
caução para novos motoristas e até R$ 350 de retorno mensal no aluguel da moto.
Com a parceria, será possível alugar motos a partir de R$ 19 por dia,
dependendo do plano escolhido.
Chegada de app
chinês movimentou mercado
As duas parcerias
feitas pelo iFood, inclusive, foram anunciadas pouco tempo após a notícia da
chegada da Keeta, marca da Meituan que oferece serviços de entrega de alimentos
em Hong Kong e na Arábia Saudita. Trata-se da maior empresa de delivery de
refeições do mundo. Nos próximos meses, ela deve começar a operar no Brasil
após um investimento de R$ 5,6 bilhões.
De acordo com a
Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), a
Meituan conta com 770 milhões de usuários ativos na China. Em 2024, a empresa
realizou, em média, 98 milhões de entregas diárias de pedidos feitos online.
Por lá, ela oferece, desde 2010, uma ampla variedade de serviços de entrega e
serviços online, incluindo comida, mercado e medicamentos, venda de ingressos
para cinema e shows, reservas de viagens e muito mais. Listada na Bolsa de
Valores de Hong Kong desde 2018, a Meituan registrou uma receita de US$ 46,65
bilhões em 2024.
Na visão de Roberto
Kanter, essa movimentação pode ser muito saudável para o consumidor brasileiro,
que deve ter uma ampla variedade de aplicativos, e para os restaurantes, que
poderão aproveitar os benefícios que cada um oferece. "O que a gente vai ver
agora é uma concorrência muito violenta e um mercado em que vai ter uma enorme
guerra de preços", avalia. "Ter concorrentes é um sinal extremamente claro de
saudabilidade do setor", frisa.
Kanter pontua que,
em um futuro próximo, a exemplo de como já acontece com a própria Meituan na
China, muitos aplicativos de delivery devem passar também a oferecer outros
serviços, concentrando tudo em uma única plataforma. Esse tipo de solução
costuma atingir uma gama grande de usuários, que ficam imersos nessas
plataformas. É que elas têm um bom user experience (do inglês, experiência do
usuário), ou seja, formas de interação agradáveis e de fácil compreensão.
"Um aspecto
interessante, que pode acontecer a médio prazo, é que esses aplicativos se
tornem não só um lugar para comida ou logística, mas um ambiente para os
clientes comprarem uma série de coisas", comenta. A parceria entre iFood e Uber
já pode, inclusive, ser um indicativo disso.
Rappi e 99Food
apostam em taxa zero para atrair restaurantes
Diante da chegada da
Meituan e dos avanços de iFood e Uber Eats, os aplicativos Rappi e 99Food
também iniciaram ofensivas no mercado para atrair restaurantes e expandir
atuação.
Em maio, o app
Rappi, focado em entrega expressa de itens de supermercado, anunciou
investimento de R$ 1,4 bilhão no Brasil e um programa de taxa zero para atrair
os pequenos e médios empreendimentos. A estratégia terá duração de três anos e
vai isentar os empresários do pagamento de taxas do aplicativo, com exceção do
pagamento para usar a maquininha.
Conforme dados
analisados pela Ártica, a Rappi está presente em pouco mais de 100 cidades
brasileiras e tem uma representação de mercado em torno de 4%. Com o
investimento, a expectativa é chegar a 60 mil estabelecimentos cadastrados até
o fim do ano. Hoje são 30 mil.
Enquanto isso, a
99Food, plataforma de delivery da 99, também aplicou taxa zero aos restaurantes
por 12 meses. A empresa anunciou o retorno de suas operações em São Paulo no
início de agosto, com investimento de R$ 500 milhões. Assim como a Uber Eats, a
99Food também chegou a sair do Brasil em 2023, pressionada pela concorrência
com o iFood. Agora, a empresa volta ao país, com investimento de R$ 1
bilhão.
Investimento no
interior
Se as gigantes
dominam o mercado nas grandes cidades, no interior a aiqfome expande sua
atuação com foco nos pequenos negócios. A empresa é o maior aplicativo de
delivery do interior e 2º maior do país. Fundada em 2007 em Maringá (PR), a
plataforma tem foco em cidades de até 250 mil habitantes e já está presente em
mais de 700 cidades brasileiras, em 22 estados.
Só em Minas Gerais,
são 102 municípios, e a projeção é de que 15 novos licenciamentos sejam
realizados. Idealizado pelo casal paranaense Steph Gomides e Igor Remigio, o
aplicativo foi adquirido pelo Grupo Magalu em 2020. Segundo levantamento do
app, atualmente são 25 mil lojistas cadastrados, e a expectativa é de 33 mil
após a inauguração das novas regiões.
O aiqfome atua pelo
sistema de franquias desde 2012, oferecendo três formatos de microfranquias
home based que dispensam a contratação de funcionários. O investimento inicial
para fazer parte da rede varia entre R$ 41 mil, para cidades com até 20 mil
habitantes, e R$ 118 mil, para regiões com até 60 mil moradores. Neles, o
franqueado do aiqfome opera como um representante comercial da sua cidade,
prospectando novos comércios locais e ampliando a área de atuação do app.
Fonte: O Tempo