A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) mudou seu entendimento no julgamento do REsp 2178201/RJ, ocorrido em 13
de maio de 2025, dia da Abolição da Escravatura. Sobre isso, rendemos nosso
respeito. Todavia, como sabemos que o tema lá analisado, acerca da contagem do
prazo prescricional para início das compensações para os contribuintes que
tiveram o pagamento a maior de tributos reconhecido judicialmente, será
analisado como representativo de controvérsia em breve, fixando o entendimento
daquela Corte sobre matéria tão importante, julgada pelos ministros da 1ª
Sessão de julgamento, quais sejam, Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina, Gurgel de
Faria, Paulo Sérgio Domingues, Francisco Falcão, Maria Thereza de Assis Moura,
Marco Aurélio Bellizze, Teodoro Silva Santos e Afrânio Vilela, sob a
presidência da ministra Regina Helena Costa, que votará somente em caso de
empate.
O direito de pleitear a restituição de
pagamento indevido prescreve em cinco anos contados da extinção do crédito
tributário, conforme artigo 168, I, do Código Tributário Nacional (CTN),
aplicável aos casos de pagamento a maior, previstos no artigo 165, I, do mesmo
diploma. Tal ocorre, por exemplo, nas restituições de PIS e Cofins recolhidos
sobre base de cálculo majorada pelo ICMS, objeto da consagrada "Tese do
Século", julgada no STF.

Contudo e "data maxima venia", é um
equívoco do STJ cogitar que seja iniciada a contagem do prazo prescricional a
partir da extinção do crédito tributário provocada pelo trânsito em julgado da
decisão, apenas porque o inciso X do artigo 156 do CTN é uma das formas de
extinção do crédito tributário, como o pagamento o é): essa tese não se
sustenta, nem juridicamente, nem economicamente.
Equívoco, sim, porque, até mesmo
topologicamente, muito antes do referido inciso X está o inciso I do mesmo
artigo, que se refere ao pagamento como forma de extinção do crédito
tributário. Quer-se dizer, com o pagamento realizado, ainda que a maior, como
no caso da Tese do Século, extinguiu-se o crédito tributário, que não é nada
além do que o crédito que o fisco poderia exigir do contribuinte, mas não o faz
porque houve o pagamento.
Início
da contagem do prazo de prescrição
Perceba o leitor que o prazo de prescrição
do atrás mencionado artigo 168, I, do CTN deve ser contado da data do protocolo
da ação judicial ou do pedido administrativo de restituição e, uma vez
protocolado antes de prescrito, estará totalmente afastada a hipótese de
caducidade, que nada tem a ver com a previsão do inciso X, do artigo 156, como
reconhece a unívoca doutrina tributária. A esse respeito, inclusive, o STF, no
julgamento final da conhecida Tese do Século (RE 574.706/PR), bem destacou que,
da produção de efeitos da tese, ficavam ressalvadas as ações judiciais e os
procedimentos administrativos protocolados até a data da sessão do julgamento
de mérito, em 2017.
Mais que isso. De longa data, a doutrina
esclarece acerca do inciso X do artigo 156 do CTN:
"Esta modalidade de extinção foi naturalmente
incluída por mera questão de método da codificação. É evidente: a coisa
julgada é de efeito absoluto. Nem mesmo a lei poderá prejudicar a coisa
julgada, proclama o item XXXVI do art. 5° da Constituição Federal", elucida o
professor Ruy Barbosa Nogueira (NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito
Tributário. 14ª ed. Saraiva, 1995, p. 320).
E Hugo de Brito Machado complementa o
ensinamento: "A rigor, em terminologia mais precisa, temos de admitir
que as decisões judiciais não extinguem propriamente a relação jurídica
obrigacional. Elas extinguem apenas o crédito tributário, enquanto
relação simplesmente formal, desprovida de conteúdo. O mesmo se pode dizer da
decisão administrativa definitiva. Ela apenas afirma não existir
substância para a constituição do crédito tributário."
De outra monta, tem-se que considerar que
se afirmar poder o contribuinte transformar a compensação em aplicação
financeira, como constou da decisão do STJ objeto desse modesto artigo, em
razão de os valores serem corrigidos pela Selic, é equívoco igual ao dizer-se
que a Receita Federal preferiria receber os tributos após o vencimento porque
sobre eles incidiriam Selic e multas! Da mesma forma que a Receita Federal
precisa receber, é verdade incontestável que o contribuinte se vale da
compensação para deixar de pagar sua alta carga tributária, que inclusive tem
sido elevada nos últimos anos. Mas essas evidências são extrajurídicas,
meramente de cogitação econômica, as quais são adstritas apenas à análise
regular do legislador em razão sabido princípio constitucional da separação de
Poderes da República.
Definição
de prescrição no STJ
Permanecendo no campo jurídico, há que se
observar que o próprio STJ já enfrentou inúmeras vezes a definição de
prescrição. Veja-se essa menção do então ministro Luiz Fux (REsp 1120295/SP):
"A doutrina abalizada é no sentido de que: 'Para Câmara Leal, como a prescrição
decorre do não exercício do direito de ação, o exercício da ação impõe a
interrupção do prazo de prescrição e faz que a ação perca a 'possibilidade de
reviver', pois não há sentido a priori em fazer reviver algo que já foi vivido
(exercício da ação) e encontra-se em seu pleno exercício (processo). Ou seja, o
exercício do direito de ação faz cessar a prescrição'".
Confira-se também a precisão da Ministra
Maria Isabel Gallotti (AgInt no REsp 1496568/RJ): "Não se configura a
prescrição intercorrente quando não há inação do credor, decorrendo a
demora na satisfação do crédito de diversos incidentes processuais, vários
deles provocados pelo devedor."
Grita aos ouvidos e salta aos olhos,
portanto, que a prescrição da compensação para o contribuinte só pode
decorrer de sua inatividade.
Por outro lado, há que se ter em conta
outra evidência, qual seja, que o CTN é lei geral, tendo sido recepcionado como
lei complementar pela Constituição de 1988, e nessa condição expressamente
determina, em seu artigo 170, que à compensação seja aplicada a regência
de lei ordinária específica, pelo que tal lei, produto do Poder
Legislativo, estabelecerá, se assim desejar, as condições e as
garantias para a compensação de tributos, podendo até atribuir essa função
à autoridade administrativa. Registre-se que a lei que rege a compensação de
tributos federais nada delegou nesse sentido à autoridade administrativa.
Prazo
para compensação de tributos federais
A Lei nº 9.430/96 e suas respectivas
alterações versa sobre a compensação de tributos federais. Em seu artigo 74
estabelece um prazo prescricional para o Fisco se manifestar sobre a
compensação realizada pelo contribuinte. O § 5º do referido artigo 74 prevê que
a Receita terá a obrigatoriedade de apresentar a homologação da compensação,
declarada pelo sujeito passivo, em até cinco anos, contados da data da entrega
de cada declaração de compensação. Como tal declaração de compensação somente
poderá advir após a prolação do despacho decisório da autoridade administrativa
que considerou hábil a ser compensado o crédito do contribuinte, emerge de
forma radiante outro marco divisor:
O divisor de águas para a prescrição da
compensação tributária necessariamente deve ser a notificação do despacho
decisório da Receita Federal sobre o pedido administrativo de habilitação de
crédito de decisão judicial transitada em julgado. Frise-se que esse despacho
somente pode dar-se após o protocolo do respectivo processo administrativo, que
por sua vez, apenas acontece após o trânsito em julgado.
Portanto, ocorrendo o protocolo da ação em
até cinco anos após o pagamento a maior ou indevido, o pedido de habilitação de
crédito em até cinco anos após o trânsito em julgado e o despacho decisório do
pedido de habilitação de crédito decorrente do trânsito em julgado e não
havendo inação do contribuinte por cinco anos após o mesmo, não se pode cogitar
em ocorrência de prescrição.
E, se a prescrição para a Receita Federal
se conta de cada declaração de compensação, com prazo de cinco anos, como negar
igual prazo ao contribuinte?
Ao contribuinte se deve dar paridade de
tratamento em relação ao prazo dado à Receita, sob pena de se tratar de forma
diferente situações análogas, o que vulnera frontalmente os princípios
constitucionais da igualdade geral e igualdade tributária!
Compensação
declarada extingue crédito tributário
É importante que o STJ observe a peculiaridade
de a compensação federal ser regida em seus detalhes pela lei específica, a já
mencionada Lei nº 9.430/96, que apresenta uma condição diferenciada para este
caso no § 2º do citado artigo 74, qual seja, a de que a compensação declarada à
Secretaria da Receita Federal extingue o crédito tributário, mas sob a condição
resolutória de sua ulterior homologação. Para esta homologação, o fisco federal
tem o prazo prescricional de até cinco anos, contados de cada mês compensado: O
mesmo deve ser assegurado ao contribuinte, desde que este não se mantenha
inativo neste período, sob pena de ver seu direito prescrever.
Em muitas outras oportunidades, o STJ
foi prudente, atribuindo a devida e necessária paridade de prazos. Nas palavras
do ministro Luis Felipe Salomão, ao proferir seu voto no REsp 1.755.266/SC, a
intenção do CPC/2015, em seu artigo 7º, ao ser assegurada às partes a
paridade de tratamento foi a de "permitir que as partes, para além da
ciência do processo, tenham a possibilidade de participar efetivamente dele,
com real influência no resultado da causa".
Não há como não se registrar
que nenhuma construção jurídica poderá resistir à não paridade de
tratamento ou à desigualdade!
Por isso nossa esperança, mais que isso,
nossa certeza de que a mesma "ratio" prevalecerá em
matéria de prescrição da compensação tributária, quando da elaboração final do
precedente pela 1ª Sessão, afinal, não há que sequer se cogitar em situação de
resvalar o STJ na alteração do sentido de leis federais que regem a matéria: isso
seria um ativismo judicial incompatível com o status de Tribunal da Cidadania,
que merecidamente ostenta aquela Corte Superior e continuará ostentando.
Autores:
Nicolau A.
Haddad Neto é advogado
tributarista, sócio fundador da Advocacia Haddad Neto, mestre em Direito
Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e especialista
em Direito Tributário pelo Centro de Extensão Universitária (CEU).
Robinson
Vieira é advogado, sócio tributarista decano
da Advocacia Haddad Neto, especialista em Direito Tributário pelo Centro de
Extensão Universitária (CEU) e pelo Ibet e em Direito Empresarial pela PUC-SP.
Renata
Martins Alvares é advogada
tributarista, sócia coordenadora da Advocacia Haddad Neto e especialista em
Direito Tributário pelo Centro de Extensão Universitária e Instituto
Internacional de Ciências Sociais (CEU-Iics - Escola de Direito).