Reforma tributária:
Receita prepara super sistema para aprimorar cobrança de impostos e reduzir
sonegação
Nova
plataforma tratará do pagamento dos futuros impostos sobre consumo, previstos
em texto aprovado pelo Congresso. Expectativa é processar 70 bilhões de
documentos por ano.
O governo federal está preparando uma plataforma tecnológica sem
precedentes no mundo para operacionalizar os pagamentos dos impostos sobre
produtos e serviços.
O sistema será 150 vezes maior do que o PIX - ferramenta de
transferências em tempo real do Banco Central.
Previsto na reforma tributária aprovada pelo Congresso Nacional, o novo sistema vai tratar do recolhimento dos futuros tributos sobre o
consumo (IBS dos estados e municípios, e a CBS do governo federal).
Os impostos serão cobrados no lugar dos atuais PIS, Cofins, IPI, ICMS e
ISS.
? Milhares de pessoas - envolvendo técnicos da Receita Federal, desenvolvedores contratados pelo Serviço Federal de Processamento de
Dados (Serpro), interlocutores do mercado financeiro e até engenheiros das
"big techs" (gigantes de tecnologia) - trabalham para viabilizar a
ferramenta.
"O gigantismo é para poder receber esse
volume de informações que são 100% das notas eletrônicas. Isso que a gente
calcula que é em torno de 70 bilhões de documentos por ano que esse sistema vai
receber, que é mais ou menos o volume do PIX", disse o secretário da
Receita Federal, Robinson Barreirinhas, ao g1.
"A diferença é que, no PIX, você tem pouca informação. Você tem
quem manda, quem recebe e o valor. Na nota, tem um monte de outras informações
sobre o produto, sobre quem emite, sobre o crédito. O número de documentos é o
mesmo, mas o volume de cada documento é em torno de 150 vezes do PIX. Por isso
que a gente fala que é 150 vezes [maior que o PIX]", acrescentou.
Um dos módulos da plataforma,
chamado de "split payment", permitirá que o valor dos tributos seja
direcionado em tempo real para o governo, estados e municípios - reduzindo a
sonegação fiscal.
O sistema também permitirá o
ressarcimento de créditos tributários utilizados na cadeia anterior da
produção, um dos pilares da reforma tributária. A ideia é que isso possa ser
feito no mesmo dia, em horas.
Projeto-piloto
Já em fase de testes, em um projeto-piloto com quase 500 empresas, o
planejamento da Receita Federal é de que o novo sistema esteja funcionando em
2026 sem gerar cobrança efetiva (alíquota será pequena, de 1%, que poderá ser
abatida em outros tributos).
A partir de 2027, o sistema do "split payment" começará a
operar em toda a economia para a CBS (tributo federal), focado principalmente
nas negociações entre empresas - o chamado "business to business",
sem abranger o varejo.
Em 2027, haverá a extinção do PIS e da Cofins. De 2029 a 2032, haverá a
transição do ICMS estadual e do ISS municipal para o IBS, com a redução gradual
das alíquotas do ICMS e do ISS e o aumento gradual da alíquota do IBS (o futuro
tributo sobre consumo dos estados e municípios).
Queda na
sonegação
Com o início do chamado "split payment",
a expectativa do governo, já divulgada anteriormente, é de que a sonegação
de tributos caia drasticamente.
"A evasão tende a diminuir muito porque o
dinheiro já cai diretamente ali [na conta do governo, estados e municípios]. A
não ser que não pague com meio eletrônico. Se pagar em dinheiro, não tem
'split'. Mas se pagar por qualquer meio eletrônico, vai ter 'splitagem'
[separação dos tributos e direcionamento para os governos] na hora com eventual
ajuste no mesmo dia e, na preferência, na mesma hora", disse Barreirinhas,
da Receita Federal.
Segundo ele, o novo sistema acabará com o problema das chamadas
"noteiras", ou seja, empresas de fachada criadas para fraudar o Fisco
que emitem notas fiscais falsas ou com informações adulteradas para encobrir
operações ilegais.
Além disso, também não será mais possível o empresário pagar os impostos
com atraso quando o pagamento for eletrônico.
Ele lembrou que o novo modelo aprovado na reforma tributária será ajustado
para manter o atual peso dos tributos sobre o
consumo no Brasil.
Até o momento, a previsão
é de a alíquota de referência brasileira (cobrada da maior parte das empresas,
que não contam com exceções) seja uma das maiores do mundo.
A Receita não divulga estimativas, mas o tributarista Lucas Ribeiro,
fundador e CEO da ROIT, empresa de tecnologia focada em soluções para a reforma
tributária, aponta que o "split payment" pode permitir ao governo
federal arrecadar de R$ 400 bilhões a R$ 500 bilhões a mais por ano - cifras
equivalentes à sonegação fiscal.
"Com o 'split payment', os valores devido
de impostos não passam pelo caixa da empresa. É o fim de atrasos no
recolhimento e da complexidade das guias de impostos. No entanto, alteram a
dinâmica do fluxo de caixa. As empresas vão precisar profissionalizar sua
gestão e investir em tecnologia integrada com o 'split'. Não cabem mais
planilhas e operações manuais", avaliou Lucas Ribeiro.
? Embora o novo sistema tributário sobre o consumo feche brechas à sonegação
fiscal e, com isso, arrecade mais por um lado, também está previsto na reforma
tributária uma desoneração completa dos investimentos e das exportações - algo
que vai gerar perda de arrecadação por outro. Isso também será
levado em conta na hora de calcular a futura alíquota do imposto sobre o
consumo.
Créditos
tributários
Na reforma tributária aprovada pelo Congresso Nacional, os futuros IVAs
(CBS federal, IBS estadual e municipal) serão não cumulativos, ou seja, os
impostos não incidirão sobre valores tributários já pagos em etapas anteriores
da cadeia produtiva.
Assim, as empresas poderão ter créditos (valores a receber) de todos os
tributos que já incidiram na aquisição de insumos e etapas anteriores da
produção, a exemplo do que acontece nas economias desenvolvidas.
De acordo com a Receita Federal, o futuro sistema tecnológico também
será responsável por calcular rapidamente o crédito, para as empresas, dos
valores em tributos pagos ao longo da cadeia, ou seja, os valores que serão
ressarcidos.
"Como é um sistema integrado
nacionalmente, pode ser que a informação sobre o crédito do IBS [imposto
estadual e municipal] chegue algumas horas depois. A lei prevê três dias para
fazer o ajuste. A gente quer fazer na hora que a gente receber para não
desestimular esse problema de fluxo", disse Robinson Barreirinhas, da
Receita Federal.
Redução de
erros e 'cashback'
De acordo com o governo, a nova plataforma tecnológica também reduzirá
os erros de cálculo, ou de classificação dos produtos, pelas empresas. Será oferecida, por
exemplo, uma calculadora oficial e, no caso de erro, o empresário será avisado
antes de ser autuado.
"Hoje, quando o empresário vai preencher [a nota fiscal], ele preenche
do jeito que quer. Vai pro estado, cai na gestão de risco e, se tiver
divergência, ele é atuado. Quando for produzir no nosso sistema, o empresário
vai usar nossa calculadora", disse Barreirinhas.
Não tem como errar. E mesmo, se por acaso, ele
preencher alguma coisa errada, nosso sistema vai processar. E, se achar uma
falha, vai informar para ele corrigir a nota. A grande vantagem desse sistema é
ele ser amigável, esse que vai ser o ganho", completou.
A outra funcionalidade da nova plataforma também será o cálculo da devolução de impostos para a população carente por
meio do chamado "cashback".
Pela reforma aprovada, haverá
devolução de 20% dos impostos federais, estaduais e municipais para as pessoas
que estão no Cadastro Único com renda familiar "per capita" de menos
de meio salário mínimo.
No caso das contas de água,
luz, esgoto, telefonia e gás encanado, há um abatimento imediato de 100% da CBS
(imposto federal) e de 20% do IBS estadual e municipal, reduzindo o valor da
fatura total antes mesmo do pagamento.
"Isso é feito por esse sistema, que vai estar acoplado com Cadúnico
e com sistema do Comitê gestor dos estados e municípios. A gente vai cruzar os
dados, a Caixa Econômica Federal vai operacionalizar isso", explicou o
secretário da Receita Federal.
"Ele vai fazer uma compra no supermercado
e o sistema vai devolver 20% de tudo o que não for alíquota zero [parte da
cesta básica, por exemplo]. Vai ter o regulamento, provavelmente vai ser mensal
isso. Mensalmente cai na conta do cidadão", acrescentou Barreirinhas.

ARTE - Reforma
tributária: veja principais pontos da proposta do relator - Foto: Arte/g1
Fonte: G1