A exigência de CND
(certidões negativas de débitos tributários) como condição para lavratura e
registro de escrituras públicas de compra e venda de imóveis tem sido objeto de
intensa discussão no âmbito jurídico e administrativo. Recentemente, o CNJ (Conselho
Nacional de Justiça), no PCA nº 0001611-12.2023.2.00.0000, consolidou o
entendimento de que é vedada tal exigência, reafirmando a jurisprudência do STF
(Supremo Tribunal Federal) e alinhando as orientações nacionais às diretrizes
constitucionais de liberdade econômica e devido processo legal.
A decisão tem
impacto direto sobre a atuação dos cartórios de notas e de registro de imóveis,
bem como sobre a Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo (CGJ/SP), cujas
Normas de Serviço (NSCGJ/SP) já vinham adotando postura semelhante, garantindo
segurança jurídica e preservando o equilíbrio entre interesses fiscais e a
livre circulação de bens.
No julgamento do
referido PCA, o CNJ analisou atos normativos que autorizavam cartórios a
condicionar a prática de atos registrais à apresentação de CNDs federais,
estaduais ou municipais. O Plenário do Conselho, de forma unânime, fixou a
seguinte tese:
"É vedado aos
Tribunais, às Corregedorias-Gerais de Justiça e às serventias extrajudiciais
exigir a apresentação de certidões negativas de débitos tributários - federais,
estaduais ou municipais - como condição à lavratura, registro ou averbação de
escritura pública de compra e venda de imóvel."
Apresentação
facultativa de certidões
Apesar da vedação, o
CNJ ressaltou que nada impede que as certidões sejam apresentadas
facultativamente, inclusive quando positivas, com finalidade informativa, para
garantir transparência e segurança jurídica na celebração do negócio. Essa
medida resguarda tanto o adquirente, que toma ciência de eventuais passivos do
imóvel ou do alienante, quanto o delegatário, que se exime de responsabilidade
tributária futura.
Embora o CNJ tenha
afastado a obrigatoriedade de CND para a compra e venda de imóveis, existem
hipóteses legais e pontuais em que a apresentação de certidões ou comprovantes
é legítima:
·
ITBI
- Exigência obrigatória para registro da escritura, nos termos da legislação
municipal;
·
Laudêmio
- Quando aplicável a imóveis sob domínio da União ou enfiteuses;
·
CND
previdenciária para averbação de obra - Necessária apenas para a averbação da
construção junto à matrícula, conforme normas previdenciárias específicas;
·
Certidões
positivas ou negativas - Podem ser apresentadas facultativamente, com caráter
informativo, mas não como requisito de validade do ato registral.
A própria
Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo, no item 117.1 do Capítulo XX
das NSCGJ/SP, adota posição convergente ao CNJ, determinando que, exceto pelo
ITBI e laudêmio, não se pode condicionar a prática do ato registral à quitação
de débitos tributários ou previdenciários.
Bloqueio da
circulação de bens afronta livre iniciativa
Se fosse mantida a
exigência de CND para o registro de imóveis, o efeito prático seria o bloqueio
da circulação de bens em razão de débitos fiscais, transformando o cartório em
instrumento de cobrança coercitiva. Tal prática afrontaria diretamente a livre
iniciativa, a função social da propriedade e a segurança jurídica nas
transações imobiliárias.
Com a decisão do CNJ
e o alinhamento das normas da CGJ/SP, o alienante continua responsável pelos
tributos em atraso, mas o imóvel pode ser transmitido normalmente. A Fazenda
Pública mantém seus meios regulares de cobrança, como a execução fiscal e a
penhora do bem, sem inviabilizar a transação.
A exigência de
certidões negativas de débitos tributários como condição para lavratura ou
registro de escrituras públicas de compra e venda de imóveis foi declarada
inconstitucional pelo STF e reafirmada pelo CNJ. A prática configura sanção
política, viola o devido processo legal e restringe indevidamente a liberdade
econômica e a circulação de bens.
Para São Paulo, a
regra já está consolidada pelas NSCGJ/SP, permitindo apenas a exigência de ITBI
e laudêmio, quando aplicáveis, e facultando a apresentação de certidões para
fins informativos. O entendimento preserva a segurança jurídica, protege os
adquirentes e garante que a cobrança de tributos siga os meios processuais
adequados.
Autores:
Aloísio Santini, é sócio do Villemor Amaral Advogados,
especialista em Direito Processual, Negócios do Mercado Imobiliário e em
Direito Notarial e Registral Imobiliário.
Victor Pereira, é advogado da área de Imobiliário do
escritório Villemor Amaral Advogados.