A representação
comercial sempre desempenhou um papel relevante no ambiente de negócios
brasileiro, servindo, historicamente, como importante força externa de vendas.
Há décadas, empresas que atuam no mercado de distribuição, no setor de
serviços, no atacado, e em determinados segmentos da indústria, têm utilizado
este modelo diante de suas vantagens estratégicas, que vão desde a capilaridade
logística, que garante o maior acesso a clientes em localidades diversas, sem a
necessidade de uma estrutura própria em cada região, até a capacidade técnica
do representante para comercializar produtos e/ou serviços que exigem
conhecimento especializado, além, é claro, da redução de custos quando em
comparação com a manutenção de uma equipe de vendas interna, lastreada em mão
de obra própria.
Apesar da relevância
prática, esse protagonismo sempre conviveu com uma legislação peculiar que
regulamenta a matéria. A Lei de Representação Comercial, nº 4.886/1965, foi
elaborada sob forte influência da legislação trabalhista e, por muitos anos,
foi interpretada pelos tribunais sob a premissa de que o representante
comercial seria sempre a parte hipossuficiente na relação com a empresa
representada e, como tal, dependia com frequência da interferência do
Judiciário para reequilibrar as dinâmicas contratuais, o que acabou por
conferir ao instituto uma rigidez excessiva e uma proteção desproporcional ao
representante, muitas vezes desestimulando a adoção de negócios mais modernos.
Curiosamente, essa
rigidez nem sempre beneficiou o próprio representante. Não foram poucos os
episódios em que modelos contratuais inovadores, que poderiam trazer ganhos
mútuos, deixaram de ser implementados pelo receio das empresas representadas em
atrair litígios ou pesadas condenações, de modo que estas empresas, por muito
tempo, preferiam não inovar na formatação dos contratos de representação.
O resultado foi uma
espécie de congelamento das práticas negociais, em prejuízo tanto das empresas
quanto dos representantes.
Atualização nas
relações comerciais
Nos últimos anos,
contudo, sem prejuízo das regras pétreas da Lei nº 4.886/66, sobre as quais é
vedado às partes disporem de forma diversa, ainda que em comum acordo, como por
exemplo a obrigatoriedade de pagamento da comissão sobre o valor integral da
nota fiscal, considerados inclusive os impostos incidentes, e a vedação de
alteração contratual unilateral em prejuízo à média comissional dos últimos
seis meses, a jurisprudência tem exercido uma função essencial na atualização
das relações contratuais entre empresas e representantes.
Os tribunais têm
reconhecido que, em determinados casos, o representante não se enquadra na
condição de hipossuficiente, especialmente quando possui estrutura empresarial
própria e assessoria jurídica para negociar condições equilibradas. Nessas
hipóteses, a jurisprudência vem privilegiando a autonomia privada, permitindo a
adoção de dinâmicas contratuais mais adequadas à realidade de cada negócio,
conforme assim ajustadas em comum acordo entre as partes. Esse ponto é
relevante pois, no passado, era comum que representantes assinassem contratos
ou aditivos com condições customizadas e, posteriormente, buscassem a anulação
desses documentos sob o argumento de terem sido forçados a aceitar os termos.
Hoje, os juízes têm rejeitado esse tipo de alegação quando há elementos que
demonstram que o representante tinha efetiva capacidade de negociação no
momento da assinatura destas avenças.
Inscrição em
conselho regional
Em paralelo, a
jurisprudência recente vem consolidando outro entendimento importante. Em
litígios envolvendo contratos de representação comercial, os tribunais
estaduais vêm reforçando posição já firmada pelo Superior Tribunal de Justiça,
que considera que, quando o agente de negócios não estiver inscrito no Conselho
Regional de Representantes Comerciais correspondente, a ele não se aplicará o
regime jurídico especial da Lei nº 4.886/66, hipótese na qual a relação de
agenciamento será regulada pelas regras gerais do Código Civil.
Esse tema é
especialmente relevante, pois, com base nessa diferenciação, muitas empresas
têm identificado a possibilidade de migrar de modelos tradicionais de
representação comercial para outros contratos atípicos, mas que guardam
semelhanças com essa mesma estrutura de vendas, sem, contudo, submetê-la à lei
especial. Isso amplia a liberdade de negociação, reduz riscos jurídicos e
permite que as partes estruturem modelos mais modernos e ajustados às
particularidades de cada negócio.
Esse avanço
jurisprudencial possui impacto direto na mitigação de riscos e na formatação de
contratos mais modernos. Ele afasta a aplicação da indenização legal
obrigatória prevista na lei especial em casos de rescisão imotivada pela
empresa, garante maior segurança jurídica para a adoção de novos modelos
comerciais e estimula a construção de relações negociais mais flexíveis e
aderentes à realidade do mercado.
Aproximação da lei
com a realidade do mercado
Em um cenário de
negócios cada vez mais competitivo, essa evolução abre espaço para que empresas
e agentes de negócios possam adotar arranjos contratuais tailor made,
ajustados às especificidades de cada setor, sem a insegurança jurídica que
antes limitava a inovação.
A jurisprudência tem
cumprido papel relevante ao aproximar a lei de representação comercial da
realidade do mercado, preenchendo a lacuna deixada pela inércia legislativa.
Para as empresas, o momento é propício para revisitar contratos de
representação e de agenciamento, avaliando a possibilidade de desenhar modelos
mais seguros, modernos e vantajosos.
Para os
representantes, a evolução jurisprudencial também traz benefícios ao reconhecer
sua capacidade empresarial e de negociação, o que amplia sua autonomia na
definição das condições contratuais e possibilita relações mais equilibradas e
sustentáveis, além de abrir novas oportunidade de negócios.
Autor: Vinicius Santos é advogado da equipe societária
e contratual do escritório Lopes Muniz Advogados.