Institucional Consultoria Eletrônica

Tributação das criptomoedas segundo acórdãos do Carf


Publicada em 20/10/2025 às 09:00h 

Nesta semana, trataremos dos precedentes do Carf acerca da tributação de criptoativos.

Em primeiro lugar, cumpre ressaltar que a crise econômica de 2008 foi um dos principais marcos do capitalismo contemporâneo, gerando consequências nas estruturas político-jurídicas da sociedade, em especial no sistema financeiro global [1].

Este foi o cenário em que houve a publicação de um "white paper" denominado "Bitcoin: a peer-to-peer cash system", no qual Satoshi Nakamoto [2] descreveu os conceitos básicos das criptomoedas e de seu funcionamento por meio de um sistema operacional denominado "Blockchain".

As criptomoedas podem ser consideradas ativos, passíveis de utilização como meio de troca em alguns estabelecimentos, além de poderem ser contabilizados de forma unitária e serem negociados e transferidos por meio da tecnologia "blockchain" [3].

Ao tratar do assunto, o Fundo Monetário Internacional elegeu cinco características para as criptomoedas: (i) são moedas virtuais que representam valores digitas; (ii) não possuem curso forçado; (iii) são passíveis de conversão em bens e serviços e até mesmo moedas oficiais; (iv) são "descentralizadas", pois não estão ligadas a uma autoridade central; e (v) fazem uso de tecnologia criptografada para validação [4] .bit

Ainda que as negociações com criptomoedas tenham ganhado cada vez mais relevância ao longo dos últimos anos, são ainda poucos os acórdãos do Carf em que haja menção expressa aos criptoativos, de forma que o presente artigo tratará exatamente destes primeiros precedentes sobre o tema.

Regulamentação tributária

Diante da crescente importância das criptomoedas na segunda metade da década passada, a Receita Federal inaugurou uma menção às moedas virtuais nas Perguntas e Respostas do Imposto de Renda da Pessoa Física relativas ao ano de 2015 ao dispor que "as moedas virtuais (bitcoins, por exemplo), muito embora não sejam consideradas como moeda nos termos do marco regulatório atual, devem ser declaradas na Ficha Bens e Direitos como 'outros bens', uma vez que podem ser equiparadas a um ativo financeiro. Elas devem ser declaradas pelo valor de aquisição".

Também houve a menção de que: "os ganhos obtidos com a alienação de moedas virtuais (bitcoins, por exemplo) cujo total alienado no mês seja superior a R$ 35 mil são tributados, a título de ganho de capital, à alíquota de 15%, e o recolhimento do imposto sobre a renda deve ser feito até o último dia útil do mês seguinte ao da transação". A partir da Lei nº 13.259/16, as alíquotas do IRPF sobre ganho de capital passaram a ser progressivas de acordo com o tamanho do ganho de capital.

Anos depois, foi publicada a Instrução Normativa RFB nº 1.888/19, que instituiu a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos à RFB.

Nos termos do artigo 5º, I, da referida instrução normativa, criptoativo é a representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal.

Por sua vez, o artigo 5º, II, da referida norma define a exchange de criptoativo como a pessoa jurídica, ainda que não financeira, que oferece serviços referentes a operações realizadas com criptoativos, inclusive intermediação, negociação ou custódia, e que pode aceitar quaisquer meios de pagamento, inclusive outros criptoativos.

Indo para a regulamentação atual sobre o tema, vale destacar que nos termos das Perguntas e Respostas relativas ao Imposto de Renda da Pessoa Física do ano de 2024, os criptoativos não são considerados moeda de curso legal nos termos do marco regulatório atual, no entanto, podem ser equiparados a ativos sujeitos a ganho de capital e devem ser declarados pelo valor de aquisição na Ficha Bens e Direitos (Grupo 08 - Criptoativos), quando o valor de aquisição de cada tipo de criptoativo for igual ou superior a R$ 5 mil.

Com relação à tributação, consta nas Perguntas e Respostas relativas ao Imposto de Renda da Pessoa Física do ano de 2024 que: "os ganhos obtidos com a alienação de criptoativos cujo total alienado no mês seja superior a R$ 35 mil são tributados, a título de ganho de capital, segundo alíquotas progressivas estabelecidas em função do lucro, e o recolhimento do imposto sobre a renda deve ser feito até o último dia útil do mês seguinte ao da transação, no código de receita 4600".

É importante ainda a menção de que "o contribuinte deverá guardar documentação que comprove a autenticidade das operações de aquisição e de alienação, além de prestar informações relativas às operações com criptoativos, por meio da utilização do sistema Coleta Nacional, disponível no e-CAC, quando as operações não forem realizadas em Exchange ou quando realizadas em Exchange domiciliada no exterior, nos termos da Instrução Normativa RFB nº 1.888, de 3 de maio de 2019".

Tais entendimentos estão de acordo com a Solução de Consulta Cosit nº 214/21.

Precedentes do Carf

Feitas as principais considerações sobre a regulamentação tributária do assunto, passaremos à análise dos precedentes do Carf.

No Acórdão 2102-003.523 [5] (de 07/11/24), a turma decidiu de forma unânime pela caracterização como acréscimo patrimonial a descoberto os montantes relacionados com operações com criptoativos para os quais não houve apresentação de documentos comprobatórios de origem dos recursos.

A fiscalização teve início com intimação para que o contribuinte apresentasse seus documentos financeiros, informes de rendimentos e movimentações bancárias, sendo que em um momento posterior houve também a intimação da Exchange para apresentação das transações envolvendo aquele contribuinte.

Como resultado da fiscalização e do entendimento por parte das autoridades fiscais que haveria omissões na Declaração de Ajuste Anual especialmente quanto aos ganhos de capital relacionados com criptoativos, houve a lavratura de um auto de infração de acréscimo patrimonial a descoberto.

As autoridades fiscais assinalaram que a propriedade de criptoativos deveria ser declarada como bens e direitos na Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda de Pessoa Física (Dirpf), nos termos da então vigente Instrução Normativa RFB nº 1888/2019, que disciplina a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos, sendo que no caso concreto houve falta de respostas adequadas às intimações.

Em sua impugnação e em seu recurso voluntário, o contribuinte alegou que os ganhos de capital com a venda de criptoativos (bitcoins) no ano de 2017 foram devidamente declarados no Programa Ganho de Capital (GCAP), com recolhimento do imposto correspondente, de modo que o auto de infração incorreria em "bis in idem", ao tributar novamente o ganho de capital já declarado e pago.

Repetindo o entendimento do Acórdão da DRJ, a turma ordinária concluiu que o contribuinte (i) não justificou a origem dos depósitos de bitcoins em sua conta na exchange, objeto de venda tão logo caíam nessa conta; e (ii) não comprovou as operações P2P declaradas na Declaração de Ganho de Capital.

Ademais, em consulta ao extrato fornecido pela exchange, entendeu-se que os dados das supostas negociações na modalidade P2P (valor, data etc.) não guardariam relação com nenhuma das operações relacionadas no documento fornecido pelo contribuinte.

No que tange à aquisição das criptomoedas (bitcoins) por meio de depósitos desses ativos diretamente na conta do interessado na exchange, a turma concluiu que o contribuinte não trouxe informações sobre sua origem, remanescendo sem justificativa a procedência dos recursos para a aquisição desses ativos.

Em suma, a turma concluiu pela tributação como acréscimo patrimonial a descoberto dos valores relativos a operações com criptomoedas para os quais não houve apresentação de documentos comprobatórios.

No Acórdão 2201-012.167 [6] (de 13/08/25), a turma decidiu, por unanimidade, por negar provimento ao recurso voluntário, mantendo a autuação fiscal.

A fiscalização entendeu que a maioria das operações envolvendo criptomoedas envolveriam tão somente a venda de tais ativos dentro da plataforma da exchange, sendo o contribuinte intimado a apresentar de forma individualizada os custos de aquisições dos bitcoins, o que não teria acontecido em grande parte das operações na visão das autoridades fiscais.

Em sua impugnação, o contribuinte afirmava ser profissional da área da tecnologia e ter realizado no ano de 2017 intermediações de operações de compra e venda de criptomoedas (bitcoins) na internet. Assim, o contribuinte alegava negociar com compradores e vendedores, (i) recebendo valores dos compradores para a aquisição da moeda digital, (ii) efetuando a compra junto aos vendedores, (iii) disponibilizando ao final a moeda digital na "carteira digital" dos compradores, sendo remunerado por meio da retenção de uma pequena porcentagem à título de comissão.

Dessa forma, o contribuinte assinalava que boa parte dos valores movimentados em sua conta corrente não se configuram renda própria, mas tão somente valores de propriedade dos clientes que transitaram em sua conta.

O conselheiro relator menciona que a questão de fundo no processo diz respeito à incapacidade do recorrente de comprovar as operações que descreveu em sua defesa, destacando a expressividade dos valores milionários movimentados pelo recorrente e pela informalidade das operações de intermediação por ele alegadas (ex.: conversas de Whatsapp).

No tocante especificamente à comprovação dos custos de aquisição das criptomoedas para fins de apuração de ganho de capital, a turma não encontrou meios de concatenar as vendas de tais ativos com uma aquisição anterior, de modo que os recursos recebidos foram qualificados juridicamente como acréscimos patrimoniais sem origem justificada.

Como decorrência da fragilidade documental, a turma ratificou o entendimento do Acórdão da DRJ no sentido de que não houve apresentação de qualquer prova ou justificativa que embasasse as suas alegações de que as informações prestadas pela exchange não serviriam para comprovar de que o contribuinte foi comprador ou vendedor nas negociações por ela apontadas.

Conclusões

Diante do exposto, é possível depreender dos primeiros acórdãos envolvendo a tributação das criptomoedas a importância da manutenção da documentação comprobatória de todas as aquisições e alienações de tais ativos, evidenciando a origem dos rendimentos que geraram tais compras e possibilitando que haja o tratamento fiscal dos ganhos de capital nas vendas em que for apurado lucro.

[1] FARIA, José Eduardo, O Estado e o Direito depois da Crise, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017, p. 102.

[2] NAKAMOTO, Satoshi, Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System.

[3] Sobre o tema, já tive oportunidade de escrever em outras oportunidades: PINTO, Alexandre Evaristo ; MOSQUERA, Roberto Quiroga. A tributação dos criptoativos pelo imposto de renda da pessoa jurídica: uma aproximação entre Contabilidade e Direito Tributário. In: Alexandre Evaristo Pinto; Pedro Eroles; Roberto Quiroga Mosquera. (Org.). Criptoativos: estudos regulatórios e tributários. 1ed.São Paulo: Quartier Latin, 2021, v. 1, p. 503-525. PINTO, Alexandre Evaristo ; SANTOS, Bruno Fettermann; MOSQUERA, Roberto Quiroga. Consequências fiscais das operações transnacionais com criptoativos e a evasão de divisas à luz do câmbio irregular : uma contraposição de posicionamento do Banco Central do Brasil e da Receita Federal. In: Daniel de Paiva Gomes; Eduardo de Paiva Gomes; Paulo Cesar Conrado. (Org.). Criptoativos, tokenização, blockchain, metaverso: aspectos filosóficos, tecnológicos, jurídicos e econômicos. 1ed.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022, v. 1, p. 1221-1244. PINTO, Alexandre Evaristo ; REBOUCAS, Bruno Nogueira. Tributação de Criptoativos em caso de Herança e suas Implicações no Planejamento Tributário Sucessório. In: Daniel Zugman; Frederico Bastos; Renato Vilela. (Org.). Planejamento Patrimonial e Sucessório: controvérsias e aspectos práticos - Volume II. 1ed.São Paulo: Dialética, 2023, v. 1, p. 165-186.

[4] International Monetary Fund, Virtual Currencies and Beyond: Initital Considerations, 2016.

[5] Conselheiro relator José Márcio Bittes.

[6] Conselheiro relator Thiago Álvares Feital.

Autor: Alexandre Evaristo Pinto é professor concursado da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP) e da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (Eaesp/FGV), conselheiro do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN), diretor financeiro da Fundação de Apoio aos Comitês de Pronunciamentos Contábeis e de Sustentabilidade (FACPCS), vice-presidente executivo da Apet, ex-conselheiro do Carf, doutorando em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo (USP), doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP, mestre em Direito Comercial pela USP e ex-presidente da Aconcarf.








Telefone (51) 3349-5050
Vai para o topo da página Telefone: (51) 3349-5050