O Supremo Tribunal
Federal "joga uma pá de cal" na discussão envolvendo o caráter confiscatório da
multa isolada por descumprimento de obrigação acessória.
Historicamente, as
multas no sistema tributário brasileiro desafiaram diversos questionamentos em
razão da máxima simplista de que, ocorrido o ilícito, deve haver sanção como
meio de que se vale a ordem jurídica para desestimular o comportamento ilícito.
As sanções, assim
como a coerção, constituem formas de coação, ou seja, meios pelos quais o
Estado, utilizando de suas prerrogativas, indiretamente obriga os seus
jurisdicionados a empreender alguma atividade por ele almejada, sendo tanto
elementos garantidores do cumprimento das normas jurídicas quanto consequência
do descumprimento de deveres estabelecidos na ordem jurídica, o que ocorre
mediante a aplicação de punições.
Trazendo o tema para
o Direito Tributário, a multa é uma espécie de sanção fiscal pelo
descumprimento de uma obrigação tributária, representando consequência negativa
do ordenamento jurídico diante de atos comissivos ou omissivos praticados pelo
sujeito passivo (contribuinte), o que pode significar o atraso no pagamento de
um tributo, a falta de recolhimento deste ou, até mesmo, o descumprimento de um
dever instrumental.
A sanção fiscal é
utilizada para direcionar o comportamento do contribuinte, para que efetue
regularmente o pagamento dos tributos, cumprindo com a obrigação que lhe foi
imposta, prevenindo a ocorrência de infrações futuras.
Meu enfoque se dá
aqui quanto à aplicação das multas decorrentes de descumprimento de obrigação
acessória ("multas isoladas") - em que não há inadimplemento de tributo ou
prática de ilícito tributário - e às implicações decorrentes do Tema nº 487
pelo STF.
A controvérsia
decorre especialmente da prática de muitos estados de cobrarem multa num
percentual calculado sobre o valor da operação tributária, fazendo com que o
seu valor seja superior ao próprio tributo envolvido na operação, indo de
encontro com os princípios da proporcionalidade, racionabilidade, vedação ao
efeito confiscatório e capacidade contributiva.
Entendimento do STF
e o respeito a princípios
Em 6/10/2011, em
vista do aumento da complexidade e da quantidade de deveres instrumentais, o
STF reconheceu a existência de repercussão geral do Recurso Extraordinário (RE)
nº 640.452/RO, para a análise do caráter confiscatório, desproporcional e
irracional de multa aplicada em valor variável entre 5% e 40%, sobre o valor de
operação que não gerou débito tributário.
Com isso, surgiram
duas indagações: existe limite a ser observado na cobrança de multa pecuniária
devida por descumprimento de dever instrumental? E em caso positivo, qual seria
esse limite?
Passados mais de dez
anos do reconhecimento da repercussão geral, o julgamento do RE nº 640.452/RO
foi iniciado em novembro de 2022, tendo o ministro Roberto Barroso (relator do
caso) concluído que a multa isolada não pode exceder a 20% do tributo devido,
sob pena de violação ao efeito confiscatório. Na sua visão, a multa por
descumprimento de uma obrigação principal, necessariamente, deve ser mais
pesada do que a multa por descumprimento de uma obrigação acessória.
Como bons
contribuintes, sabemos que jamais devemos comemorar antes da hora,
especialmente quando se trata de posicionamento dos tribunais superiores em
matéria tributária.
O ministro Dias
Toffoli instaurou divergência, propondo uma tese mais flexível ao do relator:
ampliando o teto da penalidade para 60% do valor do tributo ou do crédito
vinculado; e possibilitando a majoração do limite a 100% em caso de
circunstâncias agravantes, tais como o dolo, a reincidência específica e o fato
de a obrigação violada já ter sido objeto de solução de consulta formulada,
entre outras. Em seu voto, destacou que as multas isoladas, cujos percentuais
superam os parâmetros por ele indicado, são inconstitucionais. Porém, de forma
um tanto quanto contraditória, autorizou que as autoridades administrativas, à
luz do conjunto fático-probatório constante do caso concreto, verifiquem,
excepcionalmente, o caráter confiscatório da penalidade aplicada dentro
daquelas referências.
Passados mais três
anos, o julgamento terminou no último dia 10/11/2025, quando, por maioria dos
votos, prevaleceram as teses propostas pelo ministro Dias Toffoli, inclusive no
que diz respeito à modulação dos efeitos, valendo somente a partir da data de
publicação da ata do julgamento do mérito resguardando os processos
administrativos e judiciais que estavam em andamento.
Apesar de não ter
sido o melhor resultado aos contribuintes, uma vitória não pode ser
menosprezada, afinal esse desfecho representa grande avanço de respeito aos
princípios da vedação ao efeito confiscatório e da segurança jurídica, além de
colocar limites nas autuações exorbitantes lavradas especialmente pelas
administrações estaduais e municipais.
Com isso, espera-se
que os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade possam ser aplicados
com mais consistência e de forma organizada, para solucionar de maneira
objetiva o problema da limitação das multas pecuniárias devidas pelo
descumprimento de dever instrumental.
Autor: Gregório Caballero. É advogado do Candido
Martins Cukier.