Resumo
Em razão da importância da Lei 13.105 de 16 de março de 2015 (CPC/2015),
o Código de Processo Civil apresenta a figura do incidente de falsificação, em
relação à prova pericial contábil. Desta forma o artigo tem como referente o
inciso III do art. 436 do CPC/2015.
Palavras-chave: #Perícia contábil. #Incidente de falsificação de balanço patrimonial.
1.
Introdução
Uma denúncia da falsificação dos documentos a serem submetidos à perícia
decorre do direito de ampla defesa e do contraditório, devendo por isso ser ela
realizada pari passu com as providências
cabíveis e determinadas pelo CPC/2015, para que prevaleça a paridade de armas
entre os litigantes, surgindo daí a verdade real.
2. Desenvolvimento
Inicialmente destacamos que o CPC/2015 apresenta a figura do incidente
de falsificação, na medida em que estabelece o inciso III do art. 436 do
CPC/2015, as providências cabíveis.
Uma perícia em uma ação incidente de falsidade documental, pode
envolver perícia multidisciplinar[2], logo, a mesma pode ser realizada por
equipe composta por expertos com formação multidisciplinar em documentoscopia [3] ou exame
grafotécnico[4],
contábil[5].
Por força do inciso III do art.
436 do CPC/2015, um litigante intimado a (.) "falar sobre documento
constante dos autos poderá: (.) "suscitar sua falsidade, com ou sem deflagração
do incidente de arguição de falsidade" (.). E incumbe o ônus da
prova, quando se tratar de falsidade de documento, à parte que a arguir, e será
realizado então, o exame pericial no documento objeto da arguição da falsidade.
A arguição de falsidade pode envolver a prova documental (arts. 405 a
429), a prova pericial (arts. 464 a 480) e a inspeção judicial (arts. 481 a
484).
Não se admitem alegações genéricas de falsidade, uma vez que o litigante
deverá impugnar as alegações e documentos de forma específica, sendo necessário
justificar qual o fundamento que sustenta a falsidade, fundamento esse exposto
de forma clara, indicando onde reside a falsidade, expondo os motivos em que
funda a sua pretensão e os meios com que provará o alegado.
A falsidade de documentos, como, por exemplo, o balanço patrimonial,
pode ser aferida por uma infinidade de formas; entre elas, temos a simples não
observação do princípio da competência.
As regras para o reconhecimento da receita e custos, em especial o
princípio da competência, devem ser observadas para se afastar impurezas que
alterem a situação econômica ou a financeira.
Para se evitar interpretações polissêmicas ou ambíguas, apresentamos a
regra para o reconhecimento das receitas.
O reconhecimento das receitas operacionais está vinculado à legislação
societária e tributária. E com este referente a prática para o reconhecimento
de receitas é a seguinte:
1.
As receitas, assim como, os custos a elas
atribuídos, devem ser classificadas segundo a sua natureza, revenda de
mercadorias, de representação, de distribuição, venda de produtos, prestação de
serviços e intermediação de negócios.
2.
Os custos de produção de bens, enquanto não
transferidos aos fregueses, devem ser classificados no ativo circulante,
conforme a situação: produtos em elaboração e/ou produtos acabados.
3.
A regra é: todas as receitas e custos devem
observar o princípio da competência, pois uma inexatidão quanto ao período de
apuração de competência de receitas, gera consequências tributárias; vide 224 do RIR/1999.
4.
Contratos de venda para entrega futura, deverão ser
reconhecidos segundo o princípio da competência, logo, serão reconhecidos no
exercício a que pertencem, independentemente do recebimento da receita. O valor
base da receita é o preço do bem ou serviço de uma transação comercial. A
receita deve ser reconhecida quando as mercadorias ou os serviços forem
transferidos para o freguês/cliente que passa a ter o seu controle (domínio que
é um dos elementos da propriedade).
5.
As receitas originárias de contratos de construção
civil devem ser apropriadas, ou seja, reconhecidas, juntamente com os seus
respectivos custos ocorridos, em sintonia com o cronograma físico financeiro da
obra com o art. 497[6] do
RIR/1999.
6.
As receitas derivadas de licenças, royalties, como o uso de propriedade intelectual, uma
tecnologia, mídia, patentes, direito de arena, marcas registradas e análogos,
devem ser reconhecidas em sintonia ao período de uso desta, conforme previsão
contratual.
7.
Todos os valores recebidos antecipadamente, por
conta de uma venda, por força do princípio de competência, serão classificados
como antecipação de fregueses, no passivo circulante, e lá permanecerão até o
momento da entrega do bem ou da prestação do serviço, logo, é a transferência do
domínio sobre o bem. O direito de propriedade é direito real que inclui o
domínio de uma coisa, e é considerado como sendo o conteúdo mínimo do direito
de propriedade.
8.
Direitos à devolução e garantias de produtos, é um
fato subsequente ao do reconhecimento da receita e custos. E se ocorrerem,
serão contabilizados no momento do fato.
9.
As deduções das receitas e os abatimentos serão
registrados em contas próprias do resultado, nos termos do inciso I do art. 187
da Lei 6.404/1976.
A legislação societária (Lei 6.404/1976) prevê:
Art.
177. A escrituração da companhia será mantida em
registros permanentes, com obediência aos preceitos da legislação comercial e
desta Lei e aos princípios de contabilidade geralmente aceitos, devendo
observar métodos ou critérios contábeis uniformes no tempo e registrar as
mutações patrimoniais segundo o regime de competência. (.)
Art.
187. A demonstração do resultado do exercício
discriminará: I - a receita bruta das vendas e serviços, as deduções das
vendas, os abatimentos e os impostos;(.) § 1º Na determinação do
resultado do exercício serão computados: a) as receitas e os rendimentos
ganhos no período, independentemente da sua realização em moeda; e b) os
custos, despesas, encargos e perdas, pagos ou incorridos, correspondentes a
essas receitas e rendimentos.
A legislação tributária (RIR/1999) prevê:
Art. 224. A
receita bruta das vendas e serviços compreende o produto da venda de bens nas
operações de conta própria, o preço dos serviços prestados e o resultado auferido
nas operações de conta alheia (Parágrafo único. Na receita
bruta não se incluem as vendas canceladas, os descontos incondicionais
concedidos e os impostos não cumulativos cobrados destacadamente do comprador
ou contratante dos quais o vendedor dos bens ou o prestador dos serviços seja
mero depositário
Art. 273. A
inexatidão quanto ao período de apuração de escrituração de receita,
rendimento, custo ou dedução, ou do reconhecimento de lucro, somente constitui
fundamento para lançamento de imposto, diferença de imposto, atualização
monetária, quando for o caso, ou multa, se dela resultar: I - a
postergação do pagamento do imposto para período de apuração posterior ao em
que seria devido; ou II - a redução indevida do lucro
real em qualquer período de apuração. § 1º O
lançamento de diferença de imposto com fundamento em inexatidão quanto ao
período de apuração de competência de receitas, rendimentos ou deduções será
feito pelo valor líquido, depois de compensada a diminuição do imposto lançado
em outro período de apuração a que o contribuinte tiver direito em decorrência
da aplicação do disposto no § 2º do art. 247 (Decreto-Lei nº
1.598, de 1977, art. 6º, § 6º). § 2º O
disposto no parágrafo anterior e no § 2º do art. 247 não exclui
a cobrança de atualização monetária, quando for o caso, multa de mora e juros
de mora pelo prazo em que tiver ocorrido postergação de pagamento do imposto em
virtude de inexatidão quanto ao período de competência (Decreto-Lei nº 1.598,
de 1977, art. 6º, § 7º, e Decreto-Lei nº 1.967, de 23 de
novembro de 1982, art. 16).
A legislação não apresenta o conceito do princípio ou do regime de
competência; este encargo é dos doutrinadores. E a literatura especializada[7], à luz da teoria pura
da contabilidade, ensina o seguinte.
E o princípio da competência que determina que os investimentos, as
obrigações, as receitas, os ganhos e as despesas, custos e perdas, devem ser
incluídos no período a que pertencem, ou seja, no exercício em que ocorreu o
fato gerador, independentemente de recebimento ou pagamento.
Como fato relevante destacamos que,
·
Se os custos foram apropriados antecipadamente, em
uma parcela maior à correspondência e proporcionalidade da receita, ferindo o
princípio da competência, cria-se uma evasão fiscal, pela diminuição da margem
de lucro/prejuízo real. Ou seja, há a postergação do pagamento do imposto para
período de apuração posterior ao em que seria devido, conforme previsto no art.
273 do RIR/1999.
·
Se as receitas forem reconhecidas antecipadamente e
de forma desproporcional aos custos, criando lucro fictício, logo, a maquiagem
do balanço, temos a figura da responsabilidade do administrador e sócios, por
ilícito, nos termos do CC/2002, art. 1.009. "A distribuição de lucros
ilícitos ou fictícios acarreta responsabilidade solidária dos administradores
que a realizarem e dos sócios que os receberem, conhecendo ou devendo
conhecer-lhes a ilegitimidade."
Se não for observado o princípio da competência e a proporcionalidade
das receitas com o custo, o balanço estará viciado, logo, impróprio para uma
análise, devendo ser ajustado à realidade fática.
Exemplo do efeito para uma receita antecipada de
R$ 60,00
|
Em sintonia com a competência
|
AC
|
210
|
PC
|
150
|
|
|
Outros
|
100
|
|
|
Adiantamento de freguês
|
50
|
ANC
|
140
|
PL
|
200
|
Total
|
350
|
Total
|
350
|
Liquidez geral =
|
1,40
|
Part. Capital terceiros s/ passivo =
|
42,86%
|
ANTECIPANDO A RECEITA
|
AC
|
160
|
PC
|
100
|
ANC
|
190
|
PL
|
250
|
|
|
Outras
|
200
|
|
|
Receita
|
50
|
Total
|
350
|
Total
|
350
|
Liquidez geral =
|
1,60
|
Part. Capital terceiros s/ passivo =
|
28,57%
|
Exemplo do efeito para uma receita antecipada de
R$ 60,00
|
Em sintonia a competência
|
AC
|
210
|
PC
|
150
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|
|
Outros
|
100
|
|
|
Adiantamento de freguês
|
50
|
ANC
|
140
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PL
|
200
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Total
|
350
|
Total
|
350
|
Liquidez geral =
|
1,40
|
Part. Capital terceiros s/ passivo =
|
42,86%
|
ANTECIPANDO A RECEITA
|
AC
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160
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PC
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100
|
ANC
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190
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PL
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250
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Outras
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200
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Receita
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50
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Total
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350
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Total
|
350
|
Liquidez geral =
|
1,60
|
Part. Capital terceiros s/ passivo =
|
28,57%
|
3.
Considerações finais
A figura do incidente de falsificação, em relação à prova pericial
contábil, é deveras importante no que diz respeito às impugnações de balanços e
da própria escrita contábil fiscal.
Apesar disto, enfatizamos que a não observação de princípios contábeis,
tais como, a da competência, o da fidelidade e o da epiqueia contabilista,
configura uma situação muito mais grave do que uma simples violação da
·
Legislação societária, como a locupletação sem
causa, ou da;
·
Legislação tributária, como um crime de evasão
fiscal.
Assim, a não observação destes princípios, cria um paralogismo ou quiçá,
uma falácia, pela utilização de premissas falsas, as quais distorcem, mitigam a
verdade real. Visto que, os princípios (causa) já eram preexistentes quando
surgiu a legislação (efeito).
REFERÊNCIAS
______. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.
______. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
______. Decreto 3.000, de 26 de março de 1999. Regulamenta a tributação,
fiscalização, arrecadação e administração do Imposto sobre a Renda e Proventos
de Qualquer Natureza.
______. Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades
por Ações.
HOOG, Wilson. A. Zappa. Laboratório de Perícia
Forense-Arbitral. Curitiba: Juruá, 2017.
[1] Informações sobre o autor e o seu currículo
podem ser obtidas no seu sítio eletrônico: www.zappahoog.com.br.
Currículo Lattes em: http://lattes.cnpq.br/8419053335214376 .
[2] Aplica-se o art. 475 do CPC,
quando o exame requer mais de um tipo de especialização pericial. "Art. 475. Tratando-se de perícia complexa que
abranja mais de uma área de conhecimento especializado, o juiz poderá nomear
mais de um perito, e a parte, indicar mais de um assistente técnico."
[3] DOCUMENTOSCOPIA -
perícia que analisa todo tipo de documento, com o objetivo de certificar a sua
autenticidade ou não, além de identificar os possíveis tipos de alterações
ocorridas no documento original. Para fins de documentoscopia, documento é toda
forma de registro de atos ou fatos patrimoniais.
[4] EXAME GRAFOTÉCNICO - perícia
que analisa todo tipo de documento, com o objetivo de determinar a
autenticidade e autoria da escrita, logo, certificar a autenticidade ou não, de
uma escrita. O exame feito pelo grafotécnico, de uma escrita ou
assinatura, tem por objetivo verificar se as amostras fornecidas comparadas com
a amostra-padrão, são convergentes ou não
[5] EXAME PERICIAL CONTÁBIL -
é o ato realizado pelo perito contador, em seu laboratório de perícia
forense-arbitral em relação aos documentos que compõem a instrução probatória
do pedido ou da contestação, e consiste na avaliação das provas, com base nos
conhecimentos da ciência da contabilidade e em técnicas contabilísticas, para
responder aos quesitos.
[6] Art. 407. Na apuração do resultado de contratos, com prazo de
execução superior a um ano, de construção por empreitada ou de fornecimento, a
preço pré-determinado, de bens ou serviços a serem produzidos, serão computados
em cada período de apuração I - o custo de construção ou
de produção dos bens ou serviços incorridos durante o período de apuração; II - parte
do preço total da empreitada, ou dos bens ou serviços a serem fornecidos,
determinada mediante aplicação, sobre esse preço total, da percentagem do
contrato ou da produção executada no período de apuração.§ 1º A
percentagem do contrato ou da produção executada durante o período de apuração
poderá ser determinada: I - com base na relação entre os
custos incorridos no período de apuração e o custo total estimado da execução
da empreitada ou da produção; ou II - com base em laudo
técnico de profissional habilitado, segundo a natureza da empreitada ou dos
bens ou serviços, que certifique a percentagem executada em função do progresso
físico da empreitada ou produção.
[7] HOOG, Wilson. A. Zappa. Laboratório de Perícia Forense-Arbitral. Curitiba:
Juruá, 2017.