"Eu sou eu
mais as minhas circunstâncias."(José Ortega y Gasset)
Um
dia você apanha um velho álbum de fotografias e começa a revisitar seu passado.
Entre as imagens registradas nas fotos e aquelas gravadas em sua mente, passa
diante de si o filme de sua vida.
O
álbum dos primeiros anos lembra boneca ou carrinho de rolimã; casinha com
comida de mentirinha ou pipa voando na amplidão; dente de leite caindo e sendo
arremessado por sobre o telhado; bola de futebol e de gude, pião e corrida de
pega-pega.
O
álbum de formatura remete ao primeiro beijo, aos bailes de salão, à descoberta
da malícia, ao vestibular, às festas e festivais, às noites em claro para
estudar - e às noites no escuro para namorar. Seios que crescem, barba que surge,
cabelos que encompridam e que caem. Vozes finas que se tornam graves, faces
pálidas que enrubescem. Inocência que se perde porque se pede, porque se
permite.
Quando
olhamos para trás, seja para nossa história pessoal, seja para a história da
humanidade, temos a nítida impressão de que tudo transcorreu com absoluta
linearidade e harmonia. Tudo parece ter acontecido como que seguindo um roteiro
criteriosamente escrito. Assim foi porque assim tinha que ser.
Todavia,
quando olhamos para nosso presente, o caos parece imperar. Não há aquela
linearidade, mas apenas sobressaltos. Fosse possível fotografar o momento e
teríamos algo similar às curvas de um eletrocardiograma. Dificuldades,
adversidades, angústias. Intolerância, desamor, depressão. Quando a linha é
reta, você sabe para onde ir; quando oscila, você não sabe onde vai dar...
Vivemos
a Era Industrial, inaugurada por James Watt com sua máquina a vapor. E nossa
vida foi governada com olhos voltados para o produto. Importava a coisa em si,
a ponto de certo Jean-Baptiste Say declarar que "toda oferta cria sua própria
demanda".
Depois,
veio a Era Pós-Industrial, quando esta equação se inverteu. Do produto, o foco
passou a ser o mercado. Descobriram que as pessoas tinham desejos, preferências
e capacidade de escolher.
Não
demorou muito para que no início dos anos 1990 surgisse uma estrada pavimentada
na palavra digitalizada, capaz de interligar o mundo. Assim, a internet
inaugurou a Era da Informação, universalizando a comunicação, rompendo
barreiras e fronteiras.
Mas
não são dados ou informações, máquinas e tecnologia, que fazem a diferença. São
pessoas. E mais do que isso, relacionamentos. Você possivelmente namora,
casou-se ou vai se unir a alguém que conheceu em seus círculos de amizade.
Provavelmente começou a fumar por influência de um colega. Torce pelo mesmo
time que um de seus pais. Frequenta academias ou clubes por indicação de
alguém. Comparece à igreja a convite de um de seus pares. Trabalha numa empresa
ou mudará de emprego por recomendação de um conhecido. Bem-vindo à Era da
Integração.
Vai-se
quase um século que o filósofo espanhol Ortega y Gasset presenteou-nos com a
frase que prefacia este texto. "Eu sou eu" porque sou, antes de tudo, essência.
E uno, único, indivisível. Posso ser copiado, imitado, mas não duplicado em
mente e alma. Sou o resultado de meus pais, meus avós, meus ancestrais, todos
vivendo dentro de mim e ao mesmo tempo agora.
Sou
também fruto das "circunstâncias", do imponderável, do ambiente. Das pessoas
que me cercam, das com quem me relaciono, das que me dão ouvidos e das que me
dão palavras. Daquelas que ao me encontrarem levam um pouco de mim e deixam um
pouco de si. Que me depuram, lapidam e transformam. Mas é certo que são
"minhas" circunstâncias, posto que posso elegê-las.
Não
sei quais os sonhos mais recônditos que habitam seu imaginário. Podem ser
sonhos simples como o orvalho da manhã ou complexos como grandes edificações.
Talvez nem você mesmo saiba. Mas é certo que há um prazer imenso em sonhar,
postular e realizar.
Toda
virada de ano é especial porque industrializa a esperança, diria Drummond. Há
uma magia no ar que nos torna a todos grandes planejadores. Aprendemos num
átimo que metas se constroem com papel, lápis e imaginação. É um período tão
intenso que penso que deveríamos criar o calendário de seis meses, abolindo o
gregoriano. Assim teríamos duas chances para recomeçar.
E, ao planejar, lembre-se não apenas do que
deseja ter, não apenas de onde pretende estar, não apenas o que anseia
conquistar, mas fundamentalmente, com quem, através de quem e ao lado de quem
espera relacionamentos cultivar.
Por Tom Coelho