"Projetar um avião não é nada. Construir um é alguma coisa. Fazê-lo voar
é tudo".
(Otto Lilienthal)
Em uma palestra sobre empreendedorismo, um senhor, na plateia, ergue o braço e
pergunta ao conferencista:
- Tenho um invento fantástico! Como consigo financiamento para produzi-lo?
- Qual é o
produto? - pergunta o palestrante.
- Não posso
contar. É segredo...
Resignado, o palestrante responde:
- Você pode procurar uma empresa de venture capital e apresentar seu projeto.
Se for convincente, pode conseguir que invistam em sua empresa.
- Ah, mas qual minha garantia de que não roubarão minha ideia?
Você acaba de conhecer uma categoria singular de empreendedores. Eles não têm
aparência de Professor Pardal, como nosso imaginário costuma postular, mas a
presunção de que suas ideias são originais, seus inventos são exclusivos, e
seus projetos serão capazes de mudar o mundo e o curso da história. Entretanto,
como não dispõem de capital próprio para tocar adiante, buscam desordenadamente
investidores - ou incautos - acreditando ser possível persuadi-los sem ao menos
dizer do que se trata.
Vamos por partes. É preciso inicialmente compreender a diferença entre invenção
e inovação. No primeiro caso, estamos diante de algo inédito, inusitado, seja
um produto, um serviço ou um processo, decorrente de uma constatação, de mera
observação ou empirismo, concebido com uma finalidade útil e percebido como
tal. Já a inovação está associada à evolução de algo existente, que pode ser
feito de maneira melhor, mais rápida ou mais barata. Dentro deste contexto, é
coerente notarmos que as inovações são muito mais frequentes que as invenções,
embora não menos importantes. E que inovações sucessivas podem conduzir a tal
grau de desenvolvimento que, no limite, o paradigma vigente seja rompido dando
espaço a um novo paradigma - e a uma possível invenção.
Olhe ao seu redor neste instante. Talvez você esteja diante de um teclado ergonômico
sem fio, que sucedeu um teclado convencional com fio, cujo bisavô foi uma
máquina de escrever - e cujos bisnetos serão um teclado virtual projetado sobre
sua mesa ou um eficiente comando de voz.
Seu
monitor de LCD widescreen com 21 polegadas já foi uma tela plana de 15
polegadas que sucedeu a grandes e pesados monitores com visor em fósforo verde.
E sua multifuncional, quase em desuso, já deixou sem emprego o fax, que mandou
para a aposentadoria o telex.
Diante destas e tantas outras evidências, há momentos em que chegamos a pensar
que tudo já foi inventado. Este era o pensamento de Charles Duell, diretor do
Departamento de Patentes dos Estados Unidos, em 1899, ao propor o fechamento da
sessão de registro de novas patentes. Contudo, produtos são lançados todos os
dias desafiando esta tese. Ora muda a capacidade de armazenamento, ora as
funcionalidades, ora o design. Você pode participar deste admirável mundo novo,
desde que se conscientize de algumas prerrogativas básicas.
1.
Pesquise sobre sua ideia. Antes de acreditar piamente que está
diante de algo incrível, consulte o "deus Google", e não apenas ele, no seu e
em outros idiomas, para se certificar de que não haja nenhum similar.
2.
Passe pela peneira do mercado. Supondo que você transpôs a etapa
anterior é hora de saber se existe viabilidade comercial para seu invento. Para
tanto, você terá que levar sua proposta ao mercado. Não adianta se restringir
aos amigos mais próximos e familiares. Sua mãe certamente achará a ideia
maravilhosa, pois ela sempre soube que o filho era um gênio. Mas a prova de
fogo passa por um bom coach ou um mentor - um empresário ou professor em quem
você confie, por exemplo - e o consumidor final.
3.
Analise a viabilidade econômica. Há pouco você pode ter
descoberto a viabilidade comercial de seu futuro negócio, ou seja, se
produzido, haverá demanda. Porém, é preciso investigar se há viabilidade
econômica, isto é, se o custo de produção permite uma oferta constante e a
preços competitivos. Lembre-se de que o mundo não tem mais fronteiras e que há
países com vantagens comparativas decorrentes de legislação, acesso a crédito
barato e abundante e menores custos com mão de obra e carga tributária.
4.
Registre e/ou patenteie. Contrate uma empresa idônea para a
tarefa jurídica de proteger seu invento no Instituto Nacional da Propriedade
Industrial (INPI). Trata-se de uma autarquia séria, porém carente de estrutura,
onde os processos demoram a ser julgados. Portanto, quanto antes você fizer
isso, melhor. Ademais, se possível, faça o depósito do registro também no
exterior. A verdade é que o desrespeito a direitos autorais e patentes em nosso
país é crítico - vide o sucesso da pirataria. Assim, esteja preparado para
brigar constantemente na justiça para fazer valer seus direitos, sem qualquer
garantia de indenização. Mas é preferível ter a patente a não tê-la. Afinal,
você não quer ser o próximo Kane Kramer, o britânico que concebeu a primeira
versão do iPod há três décadas e não ganhou um centavo com isso porque deixou
de renovar sua patente por falta de dinheiro.
5.
Prepare um plano de negócios. Este será seu instrumento para
vender seu projeto a fundos de investimentos, empresas de capital de risco ou
mesmo instituições financeiras. Todo mundo sabe que um plano de negócios é apenas
um guia que vale mais pelo treino de pensar o empreendimento do que pelos seus
números em si. Aliás, digo que os planos são grandes exercícios de chutometria:
gastam o dobro do tempo, o triplo de recursos e alcançam metade dos resultados
esperados. Mas é assim que o jogo é jogado.
Neste processo, o maior erro que você pode cometer é pensar como o personagem
real do início do texto, com seu medo de falar sobre a ideia ou invento. Vai
levar o projeto para o cemitério e ser enterrado com ele - um inventor do
além-túmulo. Jamais verá o avião construído e nunca terá o privilégio da
sensação suprema de voar.
Por Tom Coelho