Para
especialistas da área trabalhista, a nota técnica publicada com recomendações
do Ministério Público para o home office desestimula adoção do modelo de
trabalho
Com o trabalho remoto durante a pandemia se
tornando o modelo-padrão para muitas empresas daqui para frente, o Ministério
Público do Trabalho (MPT) avisou que irá intensificar a fiscalização das
condições dos trabalhadores que permanecerão nesse regime.
O órgão publicou nota técnica com 17
recomendações sobre o home office para empresas, sindicatos e órgãos da
administração pública. A lista vai além das exigências da reforma trabalhista,
ao detalhar questões como limitação de jornada, direito à desconexão e
preservação da privacidade da família do trabalhador, e está sendo vista como
um desincentivo a tornar o modelo permanente para as empresas.
Para o procurador-geral do MPT, Alberto
Balazeiro, a chamada "etiqueta digital" precisa ser uma prioridade
para empregadores e empregados nessa nova realidade das relações de trabalho.
"É preciso haver uma separação do que
é trabalho ou descanso. Não podemos perder de vista a preservação de saúde
mental dos trabalhadores", diz. "Não respeitar a etiqueta digital é uma
nova forma de assédio moral, que se trata de uma conduta reiterada com o
intuito de excluir alguém da dinâmica do trabalho. Exigir trabalho além da
conta é uma forma de assédio."
Segundo Balazeiro, o órgão tem o desafio de
distinguir as formas de teletrabalho que foram adotadas de maneira emergencial
na pandemia e aquelas que já se configuram uma mudança organização das
empresas. As exigências de ergonomia - condições adequadas para o exercício das
atividades à distância - também ficarão maiores.
"Há uma dificuldade em se fiscalizar o
trabalho nas residências, mas temos recebido muitas denúncias por meio de
mídias digitais, como fotografias e até mesmo comunicações de WhatsApp."
Pontos confusos
Para o professor da Universidade de São
Paulo e presidente do Conselho de Emprego da Fecomércio-SP, José Pastore,
vários pontos da nota do MPT são "subjetivos e mais confundem do que
ajudam". "Como o trabalho remoto envolve tantos detalhes, é
impossível regulamentar tudo por lei ou norma", diz.
Segundo ele, há já exemplos de como as
próprias empresas e os empregados estão buscando fazer a fiscalização por
grupos de trabalho misto entre patrões e empregados, aprovados em acordos
coletivos.
"Esse é o melhor modelo para que não
haja desincentivo à adoção do trabalho remoto nesse momento, em que há uma
necessidade por causa da pandemia, nem no sentido de adotá-lo permanente para
melhorar a vida dos trabalhadores e das empresas."
Burocracias para
home office
O advogado Cleber Venditti, da área
trabalhista escritório Mattos Filho, avalia que os 17 pontos da nota técnica do
MPT ultrapassam bastante os pontos previstos nos artigos sobre o teletrabalho
incluídos na reforma trabalhista de 2017. O especialista também vê na
quantidade de exigências do órgão um desestímulo à adoção deste regime de
trabalho.
"Sem dúvida, é importante que o MPT
evolua nessa temática de teletrabalho, mas a reforma trabalhista teve a
intenção de flexibilizar e justamente não estabelecer um nível muito detalhado
de regramento", considera.
O advogado questiona ainda se a nota
técnica seria apenas um compilado de boas práticas "sugeridas" pelo
órgão ou se o MPT irá fiscalizar ao pé da letra essas recomendações. Segundo
ele, caso medidas não estabelecidas em lei sejam cobradas pelo MPT, as empresas
podem levar a questão à Justiça.
"Qualquer avanço ou interpretação que
não estejam claramente estabelecidos na legislação podem ser questionados. Quem
dá a palavra final é a Justiça Trabalhista. O MPT não pode suprir lacunas da
lei, ele deve podar os excessos, mas não está lá para legislar",
argumenta.
Presidente do Tribunal Superior do Trabalho
(TST) quando a reforma trabalhista foi aprovada, o ministro Ives Gandra Martins
Filho concorda que o trabalho remoto não pode ser disciplinado por uma norma do
MPT, mas caso a caso em um contrato individual ou negociação coletiva.
"O papel do Ministério Público é
defender que a Lei seja cumprida e não criar uma nova Lei", diz. "Nos
parece exagerada a pretensão do Ministério Público querer o lugar que cabe ao
Congresso. Pode ter caráter de orientação, e não de norma".
O ministro é presidente do Grupo de Altos
Estudos do Trabalho (GAET), do Ministério da Economia, que analisou a
legislação sobre home office assim que começou a pandemia.
"Entendemos que a legislação é
suficiente e que qualquer coisa ia mais dificultar que ajudar empresas e
trabalhadores." Resposta O procurador-geral do MPT rechaça a avaliação de
que o órgão estaria ultrapassando as regras previstas em lei.
"A nota técnica traz inferências e interpretações
lógicas sobre o que diz a legislação. O artigo 6.º da CLT estabelece que as
condições de trabalho dentro e fora das empresas precisam ser as mesmas",
rebate Balazeiro.
Ao Estadão, o presidente interino do TST,
Luiz Philippe Vieira de Mello, afirmou que teletrabalho veio para ficar mesmo
depois da pandemia e será preciso construir com diálogo entre patrões e
empregados uma regulação que evite excessos." O teletrabalho tem ganhos na
mobilidade, tem ganhos que voltam para a pessoa, mas tem de ter um
limite", afirma.
Ele, no entanto, preferiu não se manifestar
sobre a nota técnica do MPT porque o assunto deve chegar ainda ao tribunal.
Recomendações do
MPT
- Ética digital: Respeitar a ética digital
no relacionamento com os trabalhadores, preservando intimidade, privacidade e
segurança pessoal e familiar.
- Contrato: Regular teletrabalho por meio
de contrato de trabalho aditivo por escrito.
- Ergonomia: Observar os parâmetros da
ergonomia, seja quanto às condições físicas ou cognitivas de trabalho.
- Pausa: Garantir ao trabalhador em
teletrabalho períodos capacitação e adaptação, além de pausas e intervalos para
descanso, repouso e alimentação.
- Tecnologia: Oferecer apoio tecnológico,
orientação técnica e capacitação em plataformas virtuais.
- Instrução: Instruir empregados, de
maneira expressa, clara e objetiva, quanto às precauções a tomar a fim de
evitar doenças, físicas e mentais e acidentes de trabalho.
- Jornada: Observar a jornada contratual na
adequação das atividades na modalidade de teletrabalho e em plataformas
virtuais.
- Etiqueta digital: Adotar modelos de
etiqueta digital, com horários para atendimento virtual da demanda, assegurando
os repousos legais e o direito à desconexão.
- Privacidade: Garantir o respeito ao
direito de imagem e à privacidade dos trabalhadores.
- Período da covid-19: Garantir a
observação de prazo específicos e restritos ao período das medidas de contenção
da pandemia da covid-19.
- Liberdade de expressão: Garantir o
exercício da liberdade de expressão do trabalhador, ressalvadas ofensas que
caracterizem calúnia, injúria e difamação.
- 'Autocuidado': Estabelecer política de
autocuidado para identificação de potenciais sinais e sintomas de covid-19.
Fonte:
Estadão/Contábeis
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