Elaborado
em 22.06.2021 e revisado em 06.10.2021 e 10.03.2022
Quanto a obrigatoriedade em
vacinar ou não, há dois direitos constitucionais que são colocados na balança:
a liberdade individual (art. 5º CF) e a saúde pública (art. 196 da CF).
Neste aspecto, embora o direito
coletivo sempre prevalece sobre o individual, se o indivíduo decidir não se
vacinar e ficar em casa, ou mesmo que sair de casa, se proteger mantendo a
distância e utilizando máscara, o Estado nada pode fazer.
A Lei 13.979/2020 especifica,
no seu artigo 3º, apenas a possibilidade da vacinação ser obrigatória. Porém,
nenhuma norma federal posterior tornou esta possibilidade em obrigação, até o
momento. O STF considerou válida a aplicação da compulsoriedade da vacina,
porém, sem entendimento que a aplicação da mesma deva ser forçada (repercussão
geral fixada no ARE 1267879).
A Constituição estabelece em
seu art. 22, parágrafo único, que o Estado poderá legislar sobre condições de
trabalho e pisos salariais, uma vez que esta normatização não se contempla o
âmbito nacional (caso do piso salarial estadual).
Entretanto, o art. 22, inciso I
da CF estabelece que compete privativamente à União legislar sobre o Direito do
Trabalho. Portanto, mesmo que uma lei estadual (ou municipal) trate ou venha a
tratar sobre a obrigatoriedade da vacinação, esta norma alcançará apenas os
aspectos sanitários, não se estendendo, automaticamente, ao direito
trabalhista.
A legislação federal é clara e
objetiva sobre as situações que geram a justa causa (art. 482 da CLT). Não
há na norma nada que possibilite a aplicação da justa causa ao empregado que se
negue a tomar vacina.
Por analogia, há inúmeras
pessoas que morrem por complicações decorrentes da gripe e, embora haja uma
campanha nacional de vacinação, não vejo nenhum idoso ou pessoas que deveriam
tomar a vacina, mas não tomam, sendo demitidas por justa causa por não
apresentar o comprovante de vacinação.
Se a justa causa fosse
possível, o que se admite apenas em prol do debate, antes de a empresa aplicar
a pena máxima ao empregado que não tomou a vacina da Covid-19, teria que
comprovar que o mesmo não estava tomando os cuidados necessários (uso de
máscara, higienização, distanciamento).
Além disso, assim como ocorreu
no ano passado, a empresa teria que oferecer a opção ao empregado de trabalhar
home office e, se houvesse a recusa, a configuração do justo motivo poderia ser
comprovada pela falta de interesse do mesmo em manter o emprego.
Recentemente, a 13ª Turma do
Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região (São Paulo) confirmou decisão
de primeira instância que validou a dispensa por justa causa de uma auxiliar de
limpeza que trabalhava em um hospital infantil e se recusou a ser vacinada.
Entretanto, este julgamento, por ser específico e relativo a Tribunal que pode
sofrer reparos em instância superior (no caso, TST), não é paradigma definitivo
para conclusão do assunto.
Entendo que, considerando que a
vacinação contra a Covid-19 não é obrigatória, aplicar a justa causa a um empregado
que se utiliza dos meios de prevenção, mas se recusa a tomar a vacina, pode
ensejar um enorme passivo trabalhista.
Enfim, em 10.03.2022 foi
publicada a Lei 14.311/2022, tratando da volta da gestante ao trabalho
presencial, inclusive a não imunizada. Esta lei alterou o art. 2º da Lei
14.151/2021, incluindo o § 7º, nestes termos (grifo nosso):
O exercício da opção a
que se refere o inciso III do § 3º deste artigo é uma expressão do direito
fundamental da liberdade de autodeterminação individual, e não poderá ser imposta à gestante que fizer
a escolha pela não vacinação qualquer restrição de direitos em razão dela.
Ora, se à gestante não pode ser
aplicada qualquer sanção, por princípio da isonomia, aos demais trabalhadores
também cabe este direito. Se o Ministério da Saúde aprovou vacinas destinadas
às gestantes e ainda assim elas podem se valer da opção de não se submeterem à
vacinação, no caso de retorno à atividade presencial, então qualquer um poderia
se valer deste direito fundamental da liberdade de autodeterminação individual.
Concluindo, se a empresa não
quer correr riscos trabalhistas, por cautela, o melhor caminho é evitar a
aplicação da justa causa, e, se for o caso, fazer o desligamento imotivado (sem
justa causa) do trabalhador.
Por Sergio Ferreira Pantaleão é Advogado, Administrador,
responsável técnico pelo Guia Trabalhista e autor de obras nas
áreas Trabalhista e Previdenciária.